Afonso Lima – Bran Morrighan https://branmorrighan.com Literatura, Leitura, Música e Quotidiano Mon, 28 Dec 2020 05:34:46 +0000 pt-PT hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.1 https://branmorrighan.com/wp-content/uploads/2020/12/cropped-Preto-32x32.png Afonso Lima – Bran Morrighan https://branmorrighan.com 32 32 [DESTAQUE] Entrevista à organização do TRC Zigurfest ’17 https://branmorrighan.com/2017/08/destaque-entrevista-organizacao-do-trc.html https://branmorrighan.com/2017/08/destaque-entrevista-organizacao-do-trc.html#respond Wed, 30 Aug 2017 13:49:00 +0000

A euforia e o ânimo já se encontram por todo o lado em Lamego. A sétima edição do TRC Zigurfest está a começar e tornou-se imperativo roubar uns minutos à organização, mais propriamente ao Afonso Lima, para ficarmos a saber mais sobre como é que o festival surgiu e qual tem sido a sua evolução. Desde ontem que na ZONA já há movimento e a partir das 16h de hoje já temos o Museu de Lamego a vibrar também. Horários no final da entrevista ou toda a info aqui

Ainda te lembras como surgiu a ideia de criar o TRC Zigurfest? 

Diria que há dois momentos: um prévio a tudo, que era quase um desejo antigo de cada um de nós poder realizar na nossa cidade natal, Lamego, um festival que acolhesse estilos de música dos mais diversos – de artistas que queríamos ver, mas não havia quem os programasse em Lamego. E houve várias tentativas de concretizar; outro é quando é feito o convite/desafio pelo director do Teatro Ribeiro Conceição para fazermos acontecer um festival dentro desse espectro de programação em 2011. Isto era de tal forma uma ideia comum, praticamente ainda não verbalizada, que perante o convite unimos esforços para fazer a primeira edição do TRC ZigurFest por percebermos que este era o espaço para podermos explorar essas nossas ideias. 

Que tipo de impacto é que consideram que o festival tem tido em Lamego? 

O primeiro impacto diria facilmente que será o de colocar Lamego num circuito nacional para a cultura mais emergente. Isso é importante para as camadas mais jovens a residir em Lamego não se sentirem excluídas no acesso a este tipo de cultura. Nós costumamos dizer “quem nos dera enquanto estávamos no secundário que houvesse um festival assim em Lamego”. Depois porque coloca também Lamego visível para públicos que lhe eram menos comuns. Lamego tem um turismo muito ligado à arte sacra e ao Douro (enquanto destino), mas tem muito mais para oferecer. Sentimos que conseguimos atrair um novo público a falar de Lamego, pelo menos a nível nacional, e de que somos um motivo válido e recorrente para se falar em Lamego quando se fala em atividade cultural a nível nacional.

Nos últimos anos o festival tem crescido e ganho prémios tanto nacionais como internacionais. Que balanço é que fazem deste crescimento? 

A nível de nomeações, prémios ou selos, isso sentimos honestamente que é uma consequência do nosso trabalho contínuo. É ótimo ter reconhecimento. Mas para medirmos o crescimento preferimos olhar para a quantidade de pessoas que se envolvem na realização do evento; nos artistas que já sentem que vir tocar a Lamego ao TRC ZigurFest é um bom passo na sua carreira musical; no público que, sendo desafiado a novas propostas, encontra identificação nas nossas propostas; nos lamecenses emigrados que já regressam à cidade fazendo coincidir com o festival; no envolvimento do comércio local, da diocese e de outras instituições; nos sorrisos e na troca de afeto e não deixam indiferente quem vem a Lamego experimentar o TRC ZigurFest.

Quais os maiores contributos que o festival traz para a música portuguesa?

Quando começámos ainda não haviam muitos palcos para quem queria dar os primeiros passos para tocar ao vivo. A distância que ia de começar a fazer musica até estar num festival era, para a maior parte dos músicos, enorme. Conjuntamente com os vários festivais que têm surgido um pouco por todo o lado contribuímos claramente para reduzir essa distância. No nosso caso, penso que a nossa diferenciação prende-se também por querermos sempre fugir ao óbvio. Isso faz com que alarguemos o espectro de artistas e estilos representados, permitindo ao público uma experiência diversificada e aos próprios artistas conhecerem esta conjugação circuitos diferentes.

Com um número cada vez maior de festivais em Portugal, ainda por cima sobrepostos, o que é que destaca, na vossa opinião, o Zigurfest dos outros? 

Queremos dar palco à nova musica portuguesa, e aí claro que teremos coincidências com outros programadores. No entanto, mantemos uma dose grande de risco e por isso procuramos programar artistas e conjugações menos óbvias, como por exemplo, a sequência de fecho de sábado: Pega Monstro, Chalo Correia e GPU Panic. Se vierem a Lamego poderão ver como esta inusitada sequência funcionará incrivelmente.

Noutro ponto, o local e o momento também é algo diferenciador, o ZigurFest ocorre numa cidade repleta de história, numa época que coincide com as festas populares – a romaria de nossa senhora dos remédios. Isto permite um choque cultural extremamente interessante, aproveitando todo o lado mais popular das festas da cidade, mas também podendo ver concertos de música menos óbvios, numa espécie de palco alternativo das festas.

Todos podemos concordar com o festival não é apenas sobre música, mas que também envolve arte contemporânea e outras expressões artísticas. Consideram que este é um festival aberto a todo o tipo de arte? 

A todo o tipo de arte seria um statement perigoso. 🙂 Nós realmente queremos ter uma componente de arte contemporânea forte no âmbito do TRC ZigurFest. Desde os espetáculos dos músicos, à cenografia isso é cada vez mais um complemento necessário a um festival que se pretende afirmar na vanguarda. Nesse sentido, temos de estar com a mente aberta para conseguirmos continuar a captar quais são as novas formas de expressão artística. 

Este ano vão para o segundo ano de ZONA – residências artísticas. Que feedback é que têm obtido? 

O feedback mais interessante é que temos público, essencialmente da região, à procura do que temos para oferecer nas propostas da ZONA, e que manifestamente querem que isto possa acontecer mais vezes em Lamego. Adicionalmente, os workshops anunciados com menos de uma semana estão prestes a esgotar (estamos neste momento a 2 dias de se realizarem).

Por outro lado, para nós também foi muito bom, termos tido mais de 30 candidatos ( e de muito boa qualidade) para a open call, que na verdade teve uma duração curta. Isto tudo deixa-nos bastante entusiasmados para as próximas edições.

O que é que melómanos e amantes de arte podem esperar da edição de 2017 do TRC Zigurfest? 

Uma programação desafiante, várias descobertas de novos talentos, ou talentos menos conhecidos, num ambiente familiar onde a proximidade, o entusiasmo e o gosto pela descoberta são constantes. A melhor recomendação é que venham experimentar o TRC ZigurFest.

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Entrevista a Afonso Lima, Músico, Produtor, Editor, entre outras coisas [ZigurArtists] https://branmorrighan.com/2015/02/entrevista-afonso-lima-musico-produtor.html https://branmorrighan.com/2015/02/entrevista-afonso-lima-musico-produtor.html#respond Fri, 27 Feb 2015 11:10:00 +0000 Na saga das pessoas mais-do-que-fixes que tenho conhecido por causa do blogue, o Afonso Lima é uma delas. Falámos nesta entrevista durante meses, acabámos por estar juntos algumas vezes, mas o ambiente nunca proporcionou a que realmente a entrevista se desse… Até agora. Na sua Playlist da Quinzena, em tom brincalhão chamei-o de tosco, parece que pegou, mas garanto que é com um tom carinhoso que lhe chamo isso! O Afonso é uma daquelas pessoas que também não pára, que intervém em várias áreas e que se move pelo entusiasmo e pelo gosto que tem pelas coisas. Acho que não preciso de dizer muito mais e que ao longo da entrevista vocês se vão aperceber do que estou a dizer, até da parte do tosco! Eheheh. Fica também a nota que a ZigurArtists é das associações mais lindas, com as pessoas mais fantásticas, que já conheci! 

Nós bem temos tentado conversar, mas tem sido complicado. Diz-me lá, em que andas tu tão ocupado? Ouvi dizer que acabaste este mês o teu mestrado… Onde é que isso e a música se cruzam?

Olá Sofia! 🙂 Antes de mais obrigado pelo convite e por revelares ao mundo que sou um tosco. Apesar de ser difícil conversar pessoalmente até temos trocado bastante ideias. Mas passando ao que interessa… 

Em poucas palavras: grande parte do meu tempo dedico ao meu trabalho na área da consultoria financeira, outra parte tem sido ocupada com a investigação para a tese de mestrado (finalmente entregue e apresentada), e finalmente a parte mais visível que é tudo aquilo que é conhecido ZigurArtists (Zigur, ou ZA, como queiram chamar), onde tenho estado presente em praticamente tudo o que é conhecido daqui, por vezes até demais. Nisto tudo ainda vou arranjando tempo para dar atenção e estar com família, amigos e também comigo mesmo.


Relativamente à segunda parte da pergunta – e continuando a tentar ser sucinto -, o mestrado que frequentei é no ramo da gestão de industrias criativas, sector onde, alegadamente, a indústria musical, as suas actividades-core (produção, composição) e actividades complementares (distribuição, edição, etc), se podem incluir. O curso foi desenhado para, entre outros objectivos, promover a profissionalização do sector criativo. No meu caso em específico, no meu trabalho de investigação – que tinha como propósito analisar os negócios criativos numa perspectiva centrada no processo criativo -, recorri da minha experiência nos vários ramos das IC em que estou envolvido pela ZA, desde a produção de música, edição, aos eventos, para me fornecer alguns fundamentos para a minha visão teórica. Por outro lado penso que a revisão de literatura que fiz dotou-me de uma melhor capacidade de compreensão da dinâmica destas actividades, e especificamente na produção e divulgação de música. Alias, durante a minha defesa de tese utilizei recorrentemente o exemplo de uma banda, o seu processo criativo, e as suas especificidades e implicações ao nível da gestão. 

És uma das caras da ZigurArtists, mas ao que sei és uma espécie de multi-funções. Aliás, um dos primeiros projectos musicais da ZA não foi teu? Que é que nos podes dizer sobre ele?

That might be a misconception. 🙂 

Primeiro a cara da ZA devem ser os seus artistas, as músicas, os eventos. Se existem caras da ZA para lá disso é porque em algum momento não estamos a fazer o nosso trabalho bem (e eu estou em crer que estamos a fazer bem). 

Relativo às tuas perguntas, talvez uma recontextualização cronológica responda melhor: Antes de haver ZigurArtists, havia um grupo de miúdos que iam fazendo música e tocando uma malhas em Lamego. Eu fui integrante dos 1327, e posteriormente ManInFeast. Nestes dois projectos tive a sorte de trabalhar com pessoas que, de uma forma ou de outra, partilhavam esta mesma vontade de querer criar algo um pouco maior que eles próprios, com quem aprendi bastante, nomeadamente o Guilhermino (Serrabulho, TSO) que foi um sensei para os ManInFeast, o Manel (Morsa, C&C, azul-revolto) o Pina e o Zé Pam (Tales and Melodies) e o Zé Miguel (Twisted Freak) meus parceiros de crime desde o início, os manos Lobões (Before And After Science) e o Riscos que também estiveram na produção do primeiro ZigurFest. Após varias ideias e tentativas que fomos tendo, com o convite do TRC para o primeiro ZigurFest a ZA começou a ganhar forma. Nisto, lancei o desafio ao Manel de fazer um EP- na promessa de ajuda-lo a editar e lançar, ele chamou a Daniela, cedi-lhe o meu estúdio e surgiu Morsa (entretanto aproveitou com o Zé Miguel para se fechar no estúdio para criar C(u)ore & Colors). Neste processo, eu e o namorado da Daniela maturamos uma ideia que já vínhamos a alimentar há algum tempo: criar uma netlabel fundamentada no principio da livre partilha para promover música que normalmente fica fora dos circuitos, com algum enfoque na que é produzida no interior, pois enquanto músico já tinha sentido os efeitos do estigma cultural das “capitais” face à periferia. Com isto surgem os primeiros lançamentos de ManInFeast (editado em CD pré-ZA), Twisted Freak (já produzido pré-ZA), C(u)ore & Colours e Morsa (produzidos já no universo ZA). 


Após recontextualização: ManInFeast, é um projecto de rock progressivo, com rasgos de metal e uma enorme pretensão conceptual, que envolvia, para lá da música, literatura, filosofia, arte visual, etc. Apesar de tudo, essa pretensão permitiu-nos explorar musicalmente barreiras que tínhamos como convencionais.

O facto de ser um projecto que admitia a sua mutação tornava a composição muito dinâmica e diversificada. Creio que falo por todos os envolvidos que aprendemos muito dessa experiência. Ter estado no epicentro da criação da ZA, foi também o que, em parte, provocou o seu “fim”: durante o tempo que em que preparávamos para gravar o novo álbum surgiram o TRC ZigurFest e outros projectos dos membros. Contudo, existe um álbum (em pré-produção, que te envio duas faixas em anexo a esta entrevista) que nunca foi devidamente gravado, e apenas aguarda, segundo o Zé Miguel, que os astros se alinhem. 🙂 

Mesmo com toda esta actividade, enquanto músico não tens apresentado coisas da tua autoria. O que é que te levou a “pendurar as botas” (como se diz no basquetebol) no que toca à tua pessoa enquanto músico?

Ser-se músico é um pouco diferente de ser atleta (também já o fui): A música é uma forma de expressão humana, e ainda que não o faça publicamente, um músico nunca deixa realmente de se expressar através da músico. Mas é verdade que passei de alguém que todos os dias tocava guitarra, ou piano, para tocar muito raramente. E consequentemente acabo por produzir menos. Contudo, nos últimos anos ainda fiz uma experiência sob o nome SculpturEyes, outra sob um nome que não vou revelar, fui guitarrista para os concertos de Morsa, e também com o Manel (Morsa) fiz uma espécie de residência artística (em casa dele, ahahah) que resultou num concerto único sob o nome Chaos Emeralds. Entretanto também tenho-me aventurado a explorar um pouco mais na área da manipulação de som (que é como quem diz: música de botões) o que me tem feito gastar muito tempo até conseguir dominar as técnicas que quero para chegar a um resultado que me agrade. Tenho-me aventurado a mandar uns rascunhos pelo meu soundcloud, mas nada ainda de muito sério. Recentemente apercebi-me que tenho passado algum tempo em unidades industriais, o que tem influênciado a forma como vejo o som e a música, e penso que de alguma forma, estou a tentar trazer essa experiência para algo tangível e audível. Nada que já não tenha sido feito, mas senti isso agora. 

Por outro lado penso que esta minha ausência da produção também se deve ao facto de ter muitas ocupações, nomeadamente dentro da ZA, uma vez que o facto de estar mais conotado com a parte, digamos, “administrativa” da ZA, leva a que tenha (ou aparente ter) menos disponibilidade imediata, e consequentemente seja chamado menos vezes para simplesmente jammar. Mas penso que me pode bastar ter uma das minhas guitarras (ou um baixo!) mais perto de mim para voltar a ser mais activo nisto.


Ainda assim ouvi dizer que o teu regresso não está assim muito longe… Vamos ter surpresas brevemente?

Calúnias, é o que tens ouvido sobre mim. :p

Até ao momento está tudo guardado porque parte são apenas planos, outra parte ainda não é momento de revelar. Posso adiantar-te que, fruto da exploração na manipulação de som que tenho vindo a fazer, vou participar, enquanto músico, num dos projectos que está para a ser preparado na ZA, que envolve muita gente desta casa (e sei também já tiveste conhecimento), e que é para para mim um dos mais relevantes em termos de posicionamento da label, e vai ser revelado em forma de edição. Para saber mais sobre este projecto só com o Manel (Morsa, e acho que já estou a falar muito dele). A partir disso, vou começar a reunir material desse género que tenha, e ver o que sai.

De resto, o Ricardo está a activar (em pleno) um estúdio/sala de ensaios no Porto, e temos a intenção de utilizar esse espaço para produzir produzir músicas que estão na gaveta há demasiado tempo. Temos experimentado algumas coisas, mas ainda vai demorar até termos algo que possamos mostrar. Tenho falado com vários membros da ZA, no sentido de criarmos algum projecto colaborativo, mesmo que pontual, tal como fiz com o Manel. Realmente, gostava de te dar mais notícias, mas ainda é prematuro. Mas quem sabe?…

Em relação à direcção ZA, fala-nos do teu papel por lá e que balanço fazes desde que foi criada?

O meu papel na ZA tem sido descrito como “o Chato”, até mais vezes do que “o tosco”. Eu sinto que o meu papel aqui tem sido tentar tornar este movimento que surgiu, um pouco, sob a forma de Zona Autónoma Temporária (vide Hakim Bey, 1991) num movimento que ultrapasse a barreira do momento e das ‘caras’. As caras da ZA são as edições que fazemos e os músicos que as criam – a arte é eterna –, e mais do que ter reconhecimento agora, interessa-me deixar esse tipo de legado. E o meu papel resume-se muito a fazer uma série de coisas, e coisinhas, (e chatear o pessoal) em prol desse legado, que não é meu, mas de todos.

Fazer um balanço da ZA, não é propriamente um desafio fácil. 🙂

Começando pelo geral: a nível de colectivo, penso que temos vindo a reforçar os elos de ligação entre os membros, e o reconhecimento e empatia pela casa. Este é um processo demorado, por ter de ser natural, e que às vezes tende a parecer que ou estamos a ser demasiado elitistas, ou demasiado underground (depende de quem vê), quando na verdade nos estamos a limitar a criar e fortalecer uma identidade colectiva, e isso é algo que se vai construindo com o material que é lançado, e com os nossos eventos. Se no início a ZA seguiu uma direcção definida, essencialmente por mim e pelo António, cada vez mais vejo a vontade de participação de decisão e estratégia de vários membros. O desafio aqui é criar, numa organização sem fins lucrativos, mecanismos de decisão que acomodem essa participação mais democrática sem criar entropia ou incoerência. 

Quanto à Netlabel tenho um balanço bastante positivo. Conseguimos servir de plataforma para a realização de projectos dos membros fundadores, como Morsa, Twisted Freak, Tales and Melodies e atrair, incorporando de forma activa, artistas como Mr. Herbert Quain, azul-revolto, MoPrez, O Manipulador, e Daily Misconcenptions mais do que como artistas, mas também enquanto pessoas que abraçaram os nossos propósitos. Adicionalmente, temos tido novas e interessantes propostas de edição, de pessoas, realmente talentosas, que já nos procuram para trabalhar connosco. Pela frente temos o desafio de saber manter o equilíbrio entre novas entradas e coerência da identidade, e o desafio de promover a reincidência dos artistas no catálogo.

Ao nível da intervenção cultural local, na cidade Lamego especificamente, penso que conseguimos colocar Lamego no mapa do circuito da nova cultura emergente, pelo menos no que toca à música. Sinto também que até ao momento tenhamos sido uma influência positiva na comunidade da região: É a minha perspectiva que ajudamos a fomentar uma auto-confiança artística da região, a abertura a novas experiência culturais – quebrando distâncias entre o artista e o público – e uma renovada abordagem à promoção cultural. Neste momento torna-se urgente voltar a Lamego e estabelecer um elo mais coeso e constante com a cidade e a região.


O que é que, na tua opinião, é mais importante quando se dirige uma netlabel como a ZA?

Penso que em grande parte, dirigir uma uma netlabel, numa organização sem fins lucrativos que, portanto, está muito assente na motivação individual de expressão artística, acarreta o desafio gerir efectivamente, e não cair na tentação de entrar por um caminho de auto-gestão: a proposta é simples, e até fácil de executar, mas quando o nosso valor é reflectido ao colocarmos a nossa marca é importante fazê-lo sempre de forma a reforçar o papel essencial de uma netlabel – curadoria artística.

Isto reflecte-se, a meu ver em dois pontos de gestão fundamentais: o primeiro é a gestão de expectativas dos artistas que estão connosco e os que nos procuram – pois, se por um lado primamos pela diversidade o que acarreta objectivos e formas diversas, por outro é importante estarmos todos conscientes do âmbito e limitações do nosso trabalho, e como tal partilharmos objectivos comuns; o segundo é a indução da motivação para criar obra no colectivo, quebrar alguns preconceitos da distância que vão desde a ideia base de ‘o que constitui uma obra’, à divulgação do trabalho final, e nesse ponto o nosso papel é prestar o apoio na superação de obstáculos durante esse caminho.

No caso da ZA, em específico, penso que o ponto principal é saber gerir como se trata uma família: Nem sempre estamos de acordo, temos vontades diferentes, formações diferentes, objectivos diferentes, mas no fundo sabemos que o que nos une são laços que são superiores a isso. E isto é importante que se sinta todos os dias. Da mesma forma que as pessoas não são só família em ocasiões especiais, o importante aqui é que todos saibam que não se é ziguriano apenas no Zigurfest, para um lançamento, ou nos dias de concertos: é algo que de certa forma sentimos como se já tivesse nascido connosco, pois está-nos no sangue.

Este início de 2015 tem sido muito activo, já com trabalhos de Twisted Freak e o split entre O Manipulador e Daily Misconceptions. Ainda assim, há muita gente que desconhece o trabalho que vocês vão fazendo. Quando se fala em músicos da ZA, o que é que as pessoas podem esperar?

E vêm aí mais coisas boas. 🙂

No meu ponto de vista é tanta coisa que se pode esperar, pois, como já referi, a diversidade é desejada. Mas, essencialmente, penso que o ponto mais comum é a genuinidade na expressão artística, que leva a um sentido estético, de cada um, muito próprio. Não diria que os nossos músicos façam música para si, mas por si; porque é algo que precisam de expressar.

De qualquer forma, acho que o permanente gosto pela espera do inusitado é algo que temos cultivado nas pessoas que nos conhecem e seguem o nosso trabalho, enquanto netlabel, e mesmo promotora. Temos um sentido de contrariedade muito forte quando nos dizem “vem por aqui”: muitas vezes não sabemos ao certo por onde vamos, mas sabemos que não vamos por ali.

Onde é que entra a componente económica, já que todos os discos são disponibilizados digitalmente de forma gratuita?

Se quisesse continuar na onda poética diria que não entra, que somos todos unicórnios que nos alimentamos das cores do arco-íris. Mas a economia está presente aqui, contudo não na forma convencional, sobre a ideia de um modelo de negócio para obter rentabilidade económica.

Essencialmente, e esta parte é muito difícil para a maior parte das pessoas perceberem, a Zigur não é uma empresa, é uma associação cultural, que se baseia numa plataforma colaborativa, para a realização de projecto: a plataforma não se pressupõe rentável, mas os projectos potencialmente sim.

Começando pela parte do investimento, essencialmente nós investimos do nosso tempo, esse tempo, que poderia estar aplicado noutros trabalhos (até remunerados), ou em momentos de lazer, idas ao café, à praia, etc, para nos dedicarmos a algo que acreditamos que iremos rentabilizar.

Essa rentabilização vem na satisfação individual da necessidade humana de nos expressarmos artisticamente e de produzirmos algo com impacto cultural positivo, para nós individualmente e para a comunidade onde nos inserimos. Resumidamente: nós investimos do nosso tempo para obtermos uma satisfação maior do que ouvir música ou ir a festivais, mas que advém de cria-los. 

Adicionalmente, e porque vejo a ZA também como uma plataforma para realização individual, a rentabilização económica advém dessa construção: os nossos artistas constituem portfólio que lhes permite dar concertos, e serem remunerados por isso; individualmente desenvolvemos competências com aplicabilidade em várias áreas (do mundo dos negócios) através das quais podemos gerar esse rendimento monetário.

Outro ponto é que também temos artistas do nosso catálogo que quiseram investir em ter um formato físico, Tales and Melodies, azul-revolto e o LOP de Daily Misconceptions e O Manipulador, não pelo objectivo de obter um ganho financeiro mas pelo gozo de ter e poder proporcionar a possibilidade de quem gosta deles ter esse formato e contribuir para eles directamente. Por isso a todos os que apreciam o que eles fazem, recomendamos que comprem a edição física.

Sei que és daqueles que acredita que com pouco se pode fazer muito, mas não se torna cansativo, até frustrante? Como é que dás a volta e continuas com essa tua vontade contagiante de divulgar boa música?

Antes de ser cansativo o que faço, faço-o porque me dá prazer. Procurar coisas que nos trazem prazer é potencialmente cansativo e frustrante porque tem intrínseca uma expectativa. Eu escolho um caminho que tente que tenho gosto de percorrer. É como alguém que gosta de jogar à bola e quer marcar golos e ganhar. Uma vezes ganha, outras não, e até pode estar jogos seguidos sem marcar golos, mas se gosta mesmo de jogar à bola, então chegará sempre ao fim do jogo e diz “soube-me bem jogar, valeu a pena”. Eu gosto do que faço, faço com gosto. O gosto de estar envolvido na criação destes projectos, sejam os álbuns, seja a organização de concertos, vale-me porque me dá gosto. Claro que gostava que o sucesso imediato disto correspondesse ou superasse a expectativa. Mas como gosto do que faço, faço-o de novo, e tento não limitar a minha noção de sucesso ao imediato, mas ao que pode resultar no longo prazo. No fundo simplesmente gosto de jogar à bola, por isso vou recorrentemente jogar, eventualmente irei marcar um golo decisivo e ganhar.

Existe algum país onde achas que a ZA pudesse vingar mais? O que é que achas que falta em Portugal para haver mais apoio aos nossos artistas?

Penso que existem muitos países e cidades onde a nossa música pudesse vingar. Acredito no seu potencial além-fronteiras, e desejo a realização desse potencial. Mas sinceramente nem penso muito nessa ideia de que ZA podia existir e ser melhor sucedida noutro contexto. Este contexto nacional é o contexto que nos permitiu/incentivou a olhar para o que fazíamos não numa óptica individual, tendendo a uma abordagem competitiva, mas numa óptica colectiva, onde a colaboração e a co-produção são chave. Da mesma forma que a ZA existe pelo contexto local de Lamego. É desta forma não podia ser de outra forma, e tudo isto tem as suas implicações no sucesso, mas estão interligadas.

Quanto ao apoio aos nossos artistas, eu sou um liberal pouco fundamentalista: acho que não cabe ao Estado definir ou impor o que é cultura e arte, mas há uma responsabilidade de todos nós, enquanto Estado, de assumi-la e valoriza-la. 

A arte e cultura são expressões individuais e colectivas, necessárias ao ser humano e isso é importante reconhecer. Cabe-nos também a nós, que nos assumimos como artistas e curadores, expressarmo-nos. E assim, procurar produzir património cultural de tal forma confiante e persistente até que faça de tal forma parte da vida em sociedade que assumir e reconhecer o seu valor se torne natural. Ao mesmo tempo aprender a valorizar não só a cultura que nós produzimos, mas a que se vai produzindo (aceitar mais a ideia de cooperação e menos a de concorrência).

Numa abordagem pragmática ao momento, toco no papel do Estado de assumir o valor da cultura e a expressão artística para lá do seu valor instrumental (ainda que também seja importante reconhecê-lo): a nossa cultura não serve apenas para movimentar multidões para espaços de consumo, para atrair turistas, ou mesmo chamar à atenção para causas humanitárias; Cultura serve ao indivíduo e à sociedade porque lhes cria valor (satisfação na vida) e identidade. Reconhecer isto implicaria que se mexesse na educação (escolar, mas não apenas escolar) essencialmente transmitindo esta noção de valor intrínseco da cultura. Isto, acredito, que seria consequente ao nível dos apoios ao sector cultural.

Ao nível político, penso que também poderá ser útil esclarecer qual é o enfoque de investir na cultura. O novo programa europeu para o sector criativo e cultural tem um enfoque enorme nos artistas emergentes. Talvez valha a pena pensar-se o que realmente se pode fazer pelos artistas emergentes que são emergentes há 10 anos e por aqueles que nunca tiveram a oportunidade de emergir. Penso que a clara distinção do que são negócios criativos e entidades com fins culturais, pode também ajudar a tornar os apoios bem mais eficientes.

Adicionalmente, e porque não perderia oportunidade de o re-afirmar: existe um estigma cultural muito vincado em Portugal, como se existissem vários patamares de cultura por área geográfica, o que se acaba por reflectir num provincianismo transversal. Toda a gente a olhar para se tornar cosmopolita, e esquecem-se de olhar para o chão que pisam. Isto, na verdade, acaba por ser transversal a todas as áreas de actividade. É importante quebrar esse estigma, e a sociedade abraçar o país em que vive, no seu todo, e não tomar a sua terrinha por Portugal. Isso passaria, mais uma vez, por haver vontade política, e por se mexer na educação.

O que é que esperas do teu futuro? Tanto como músico como na ZA e fora dela?

“Não sei o que o amanhã me trará”. Mas espero continuar a conviver e “fazer coisas” com este grupo incrível, e que continuemos a contagiar pessoas com este bichinho de querer fazer e fazer. Espero também voltar a expressar-me mais recorrentemente enquanto músico. Espero continuar a desenvolver trabalho que possa ser relevante quer ao nível da minha especialização académica, quer ao nível da minha carreira profissional, tentando encontrar formas em que todos estes campos se interliguem. Essencialmente continuar a fazer cada vez mais coisas que gosto. 

Ah! E aprender a dar respostas mais curtas e menos pretensiosas. 🙂


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[Playlist da Quinzena] 15 a 28 de Fevereiro de 2015 – As Escolhas de Afonso Lima https://branmorrighan.com/2015/02/playlist-da-quinzena-15-28-de-fevereiro.html https://branmorrighan.com/2015/02/playlist-da-quinzena-15-28-de-fevereiro.html#respond Tue, 17 Feb 2015 22:11:00 +0000

O Afonso Lima é mais uma daquelas pessoas que, com o tempo, conquistou não só o meu respeito como a minha admiração e amizade. É um pouco tosco de vez em quando (tinha de ser, querido Afonso, desculpa!), mas bom gosto é coisa que não lhe falta e sou da opinião que o seu papel na ZA acaba por influenciar quem com ele trabalha. Foi preciso esperar pelo fim do seu mestrado (parabéns, Afonso!) para termos direito às suas escolhas, mas a espera valeu a pena e não será tempo perdido aquele que despenderem a ouvirem esta playlist. A escolha da foto é só porque ele tem mesmo muito estilo (de vez em quando, pelo menos) e porque foi tirada pelo grande Nuno Capela, que já tem fotografado algumas vezes para o blogue (sim, o mundo é pequenino, pequenino!). Obrigada, Afonso, e também por teres estado no aniversário do blogue, tanto em Lisboa como no Porto! A entrevista está para breve, não desesperem! 

Radiohead – Everything in its right place:

Inquestionavelmente uma das minhas músicas preferidas. Provavelmente um dos melhores inícios de álbum alguma vez feito.  Esta faixa é, para lá de incrivelmente bela, um marco na história da música pois dita o início de uma nova era dos Radiohead. À parte de todas as histórias que se contam sobre a forma como os Radiohead compuseram o Kid A, este é o momento em que os Radiohead passam de um das bandas mais populares do final do século XX  para se tornarem uma das mais incontornáveis referências para a música do século XXI. Todo este álbum vive de uma relação simbiótica entre a música electrónica e o orgânico, levando-nos a questionar se esta distinção faz sequer sentido. Prazer é colocar este disco a tocar e deixar que eles nos leve até ao fim.

Sobre todo o tema Radiohead, recomendo a leitura deste artigo: http://www.nme.com/blogs/nme-blogs/how-radiohead-became-the-beatles-of-the-21st-century

Weval – Somewhere/Something:

Duas faixas, que na verdade são uma, de uma dupla holandesa que ainda pode dar muito que falar. Da forma como o panorama português da música electrónica tem andado, admira-me que ainda não se tenha sondado estes dois para fazer uma paragem por terras lusas. Foi-me dado a conhecer pelo Manuel Bogalheiro (Mr. Herbert Quain) e desde então que faz parte da minha discoteca caseira. Esta é uma faixa que, de acordo com os próprios, baseia-se numa “dança perpétua entre dois acordes” de sintetizadores provocando a dialética entre o conforto da melodia e a tensão da repetição. Mais do que qualquer explicação está é daquelas músicas que é para escutar com todos os sentidos, e que dificilmente conseguimos evitar que ela tome conta de nós.

Já agora, vale a pena conhecer a editora que lançou este EP: http://atomnation.net/

Darkside – The Only Shrine I’ve Seen:

A primeira vez que tive realmente conhecimento de o que fazia Nicolas Jaar foi num concerto ao vivo… concerto com banda completa. Em concerto foi-me possível apreciar aquela relação simbiótica entre o orgânico e electrónico, de que falava há pouco. Nessa altura, também, conheci o, ainda projecto Darkside, que, de certa forma, remetia para uma influência pinkfloydiana (e já vamos voltar a eles porque não há como escapar), fazendo-me, inclusive, recordar o Voyage 34 dos Porcupine Tree – nomeadamente a faixa A1. Nesta playlist decidi incluir a faixa “The Only Shrine I’ve Seen” pois é para mim dos melhores momentos do álbum Psych, e das que mais vive da dialética guitarra/beats, concedendo ao álbum um momento de maior libertação onde apesar de puxar a um balanço onde a síncope se torna desejável.

Porcupine tree – Voyage 34 (Phase I):

A dialéctica do kick 4/4 com uma guitarra dinâmica que encontramos na base do estilo de composição dos Darkside, é também a base da primeira fase do Voyage 34 dos Porcupine Tree. Tona-se aqui mais perceptível a influência de Pink Floyd neste tipo de construção. Mas ao longo do álbum vão mais além, demonstrando uma capacidade de nos  fazer viajar entre a fronteira do abstracto e do concreto, como se esse limite não existisse. Este álbum acaba por estabelecer também um equilíbrio entre a manipulação de efeitos, a introdução de elementos de música electrónica e os elementos das bandas rock, como a guitarra. De facto, o constante kick, os samples vocais, os arpegios sequenciados e as camadas de ambientes que se vão sobrepondo fazem-nos questionar até certo momento da música se estamos a ouvir efectivamente uma banda. Mas sim, e das melhores.

Valentin Stip – Aletheia:

Ainda na música electrónica, o ano de 2014 permitiu-me descobrir Valentin Stip, um dos companheiros de casa do Nicolas Jaar, e que proporcionou um dos melhores álbuns do ano. Sight foi um álbum que me ganhou desde a primeira escuta, por ser tão simplesmente bom. A formação clássica em piano de Valentin Stip sobressai em vários momentos do álbum proporcionando um suporte melódico das várias faixas, que vivem, essencialmente de uma aura abstracta. Nesta faixa, em específico, esse jogo de desequilíbrios e equilíbrios entre abstracto e concreto revela-se ainda mais predominante remetendo-nos constantemente para uma distorção da relação do espaço e tempo: Ora o piano nos leva para o conforto do sofá, ora a voz nos remete para o calor sufocante do deserto; ao mesmo tempo criando memórias de momentos diferentes, de tempos que nem sabemos se estão no passado ou na imaginação.

Talvez valha a pena ouvir o próprio a falar sobre isto: https://www.youtube.com/watch?v=KofS9Zv4g04 | Noutro ponto, e porque aqui também podemos falar de literatura (e porque não um pouco de filosofia), penso que seria interessante averiguar sobre o significado da palavra Aletheia, pelo menos da forma como o filósofo alemão Heidegger a repescou para o século XX.

Beethoven – Sonata ao Luar (Sonata para piano n.º 14, Op. 27 n.º 2) por Valentina Lisitsa

Seguindo o tema Piano, é para mim automático pensar em obras clássicas. A sonata  “quasi una fantasia”, como o próprio Beethoven a chamou, é das peças mais conhecidas do compositor e uma das melhores alguma vez escritas para piano. Dos 3 movimentos destaco o primeiro pela melancolia implícita, e tensão criada pelos acordes que transitam de uns para os outros subtilmente, e o último movimento pelos rápidos e constante arpégios que o compõe, que para serem tocados precisam de um interprete extremamente competente. Ou isso, ou computadores. sqn.

Mozart – Sinfonia nº 40 em Sol menor

Seguindo a pista dos clássicos, e retomando o dialogo entre a melancolia e a tempestade, decidi introduzir nesta playlist uma das mais incríveis sinfornias de Mozart. Mudanças rítmicas e oscilação entre a tensão extrema e a calma e conforto, caracterizam esta sinfonia nº40; De um momento para o outro somos transportados de sentimento em sentimento como se nem nossa fosse a capacidade de sentir. É uma sinfonia que nos agarra na alma usando de um dialogo constante, ou talvez debate mesmo, entre cordas e sopros, para fazer dela tudo quanto quiser; Mais do que proporcionar sensações, esta peça impõe.

Silverchair – Emotion sickness

Sendo impossível retomar qualquer qualquer playlist dos clássicos para os tempos mais actuais, sem que seja de forma tosca, esta passagem é assim assumidamente. Ali no final dos anos 90, inicios do sec. XXI uma série de bandas achou que ia conseguir fazer um bom equilíbrio (e modernizado) entre a orquestração clássica e o rock ou o metal… Pelo menos tentaram… Considerações negativas à parte, Silverchair era uma das bandas que eu gostava de ouvir naquela altura. Quando ouvi pela primeira vez o album Neon Ballroom, este início conseguiu provocar-me alguma coisa, fazendo-me relembrar o quanto eu ainda gostava dos clássicos, e não só de guitarras sujas. Ainda hoje a ouvir, talvez o resto do album já não me diga muito, mas esta faixa continua a puxar por mim.

Tool – Lateralus

Se a memória não me engana recordo-me de que o Daniel Johns, vocalista dos Silverchair, aparecia com uma t-shirt dos Tool no vídeoclip da Tomorrow. Serve esta passassem e esta faixa apenas para dizer que continuamos à espera que o Maynard se canse de fazer vinho e volte a dedicar-se um pouco mais à música. Espero que seja em 2015 que os Tool voltam para mostrar o quanto não há tempo nem espaço que os delimite. Entretanto podemos escutar uma das melhores peças mais incríveis do quarteto. Lateralus é uma faixa que se pretende evolutiva em si mesmo. É uma música, tal como grande parte das de Tool, rica pormenores de composição; com 3 andamentos demarcadamente diferentes fazendo relembrar a estrutura das sinfonias clássicas, ou sonata (exposição, desenvolvimento recapitulação), o 3º andamento é um momento envolvente de de dinâmica tempestuosa que vive da constante repetição e da dinâmica de bateria. Um dos pormenores de puro capricho (simplesmente porque pode) introduzidos nesta secção é o Gongo tocado pelo baterista Danny Carey, salvo erro, no final do 10º compasso. Não que seja necessário ou incrívelmente arrebatador. Mas, quando se pode, porque não?

David Bowie – Bring me the Disco King (Danny Lohner rework)

Enquanto produz uns vinhos vai-nos valendo o estúdio caseiro de Maynard de onde tem saído tudo aquilo que pretende expressar mas que não cabe em lado nenhum, projecto ao qual decidiu chamar Puscifer, e onde “não se levar demasiado a sério” parece ser mote. Para lá desse projecto-que-não-é-projecto, volta e meia dá uma mão em bandas sonoras. Foi e uma dessas incursões ao estúdio com o companheiro de guerra Danny Lohner (Renholder) saiu este rework da música do Bowie, que se traduz numa das mais poderosas e intensas versões alguma vez feitas. Segundo consta nas internets juntaram-se a eles para esta vesão John Fruciante, Josh Freese e bela Milla Jovovich. Dificilmente Lohner ganharia o prémio da melhor re-interpretação de uma música alheia (uma vez que teriam pela frente O-homem-que-vestia-de-preto a interpretar a Hurt dos NIN) mas recebe menção honrosa inquestionavelmente pela forma como explora a dinâmica dos vocais originais do Bowie para construir uma nova envolvente.

Opeth – Closure

Ainda na explorando a tendência melancólica, vem-me à cabeça o Damnation dos Opeth. A canção closure tem uma das mais arrebatadoras e visuais transições na música. O momento em que o Mikael Åkerfeldt canta “In the raise of the sun I am longing for the darkness” remete-nos para um qualquer momento de isolamento, de um jeito quase ritualistico, que é alimentado o crescendo do andamento final com ritmos tribais, de tal forma preciso e envolvente que é capaz de fazer inveja a qualquer ícone da produção do cenas tribais e neo-indianas.

Mr. Bungle – Retrovertigo

Por falar em canções melancólicas, Retrovertigo é a canção melancólica que não o é. E o conceito pós-irónico assenta-lhe tão bem… Mr. Bungle são daquelas bandas que não tem classificação possível, contudo são extremamente incríveis em tudo aquilo que lhes apetece experimentar. Aqui, Patton não canta em italiano mas tem a postura de um crooner latino que também faz beatbox. Patton tem um instrumento poderosíssimo nas cordas vocais, sabe-o, e explora-o como ninguém, nesta faixa, de cariz quase pop, em que o contraponto ou contracanto vocal, que leva à segunda voz no refrão, ora serve para nos remeter para a para o dito ambiente pop, em que “tudo está bem”, ora relembra-nos na dissonância provocada pela demência da procura incessante da verdade que, por vezes, também é ruinosa.

Faith No More – Motherfucker

2015 promete ser um ano repleto de boas entregas ao público, e os Faith No More já mostraram em 2014 que voltam com a garra e irreverência que sempre os caracterizou sem, contudo, soarem datado. O single Motherfucker é tão somente e genialmente afirmativo. Sabemos que estamos perante monstros da música quando os vemos em palco à nossa frente, sabemos que estamos perante músicos que simplesmente são músicos (sem merdas) quando lançam temas como este (também sem merdas).

Mark Ronson – “A La Modeliste” (RE:GENERATION project)

Por falar em regressos prometidos em 2015, Mark Ronson, o produtor dos hits da Amy Winehouse, já revelou um pouco do “funk-you-up” que aí vem, que nos remete para o ambiente festivo revivalista da pop-funk. Contudo, não é do que aí vem que quero falar, mas da música A la Modeliste, produzida pelo Mark Ronson que conta com a participação de Erykah Badu, Trombone Shorty, Mos Def, Ziggy Modeliste, e os The Dap Kings, no âmbito do projecto Re:generation – esse projecto que conseguiu por os The Doors a produzir música 40 anos depois… mas também conseguiu que o Skrillex abrilhantasse esse regresso -. Mas voltando à la modeliste, a frase da secção de sopros no regrão é suficiente para justificar a escolha desta música. Contagiante e, mais do que ficar no ouvido, entranha-se no corpo.

BADBADNOTGOOD – A Limit to your love

Também em 2015 os BBNG prometem voltar para mais umas jams, com rasgos de jazz, que têm sobretudo a capacidade de nos fazer viajar, e transportar para outra realidade, um tanto ou quanto surreal, onde as notas são pintadas à mão. Mestres de reinterpretação, escolhem músicas que, apesar da genuínidade da sua interpretação, nos relembram, em determinados momentos, versões anteriores. Por isso  podia ter escolhido qualquer uma das faixas, dos álbuns – na verdade estive para escolher a “fall in love” para poder falar do Flying Lotus e um pouco de hiphop – mas escolhi  “A limit to your love”, música de Feist celebrizada pela interpretação arrebatadora de James Blake. É partindo desta versão quase suspensiva da música, que o BBNG propõe uma abordagem mais aberta, mais dinâmica, que puxa ao balanço do corpo a que a jam com rasgos de jazz e hiphop assim obriga.

Massive Attack – Saturnday Comes Slow

Porque não podia deixar passar a oportunidade para tocar um pouco no trip hop de Bristol, relembro que correm rumores de que os Massive Attack poderão estar a preparar um novo álbum com a colaboração de Tricky. Do último álbum, Heligoland, seria mais fácil retirar o single Paradise Circus, uma das músicas que mais gosto neste álbum acaba por ser a que tem a estrutura mais similar a uma canção e conta com a participação do Damon Albarn dos Blur e Gorillaz (estes últimos que também já prometem regresso para breve). A maturidade da voz do Damon Albarn confere a esta música um cariz melancólico que suaviza a tensão demarcada pelo ambiente sombrio das ruas Bristol que tipicamente caracteriza as músicas dos Massive Attack.

Adicionalmente ou alternativamente recomendo este video: https://www.youtube.com/watch?v=rGS5o4KoOCk

Damon Albarn – Lonely Press Play

Que Damon Albarn é um músico sem igual, já há muito tempo que sabíamos. O álbum Everyday Robots confirma isso e ainda dá mais pistas quanto à capacidade criativa, e relevância artística, do frontman dos Blur (relembrar o projecto African Express em que se encontra envolvido) . Sem querer alongar muito em justificações ou análises a música, escolhi esta canção em parte porque representa o álbum Everyday Robots e porque, por si só, é capaz de expressar um sentimento muito comum que existe sobre a música. Adicionalmente, uma das coisas que mais me cativa nesta faixa é a forma como combina uma secção ritmica quase arritmica e a suavidade do piano e voz.

Sobre o African express: Vejam a performance interactiva do projecto para o Tate Modern sobre a clássica peça “In C” do Terry Rilley http://www.thespace.org/artwork/view/incmali

You Can’t Win, Charlie Brown – Be My World

Por alguma razão, a minha memória associa a Lonely Press Play à Be My World dos You Can’t Win Charlie Brown. Creio que para lá do encontro temporal ao nível de divulgação as componentes que me fazem gostar tanto da Lonely Press Play acabam, de certa forma, por estar presentes nesta música também. Contudo, penso que faz uma boa continuidade nesta playlist, até porque retoma a aquela quase-timidez arritmada, desenvolvendo-se num crescendo cada vez mais melódico e balançado que lhe proporciona uma confiança não prepotente para a exposição do pedido presente no próprio título.

Trentemoller – Miss You

Por alguma razão que não sei explicar bem pareceu-me que esta faixa poderia fazer sentido no seguimento. De qualquer forma, Trentemoller era um dos concertos que mais queria ver o ano passado, vi e fez-me reflectir, também, na questão que mais tem estado presente nesta playlist, que é a da conjugação entre a música eletrónica e as componentes orgânicas. Trentemoller apresenta-se actualmente ao vivo com banda, um músico com uma larga carreira na música electrónica tem vindo a aventurar no formato banda. Apesar de ter sido interessante de ver como funciona este caminho, nada de novo, mas é interessante porque acaba por revelar que bandas como NIN, Massive Attack e mesmo Portished, ainda podem ser tão actuais. Contudo momento alto do concerto continua a ser esta faixa “miss you” onde a interpretou sozinho tal qual ela pede.

Autechre – Rae

A melodia constante na faixa anterior, fornece uma certa continuidade melódica (e na minha interpretação até temática) para uma das minhas preferidas de Autechre. Rae é uma faixa que vive não do equilíbrio mas da ausência dele. Quase como se de uma viagem se tratasse, com o destino em algo muito desejado (quase que me arriscaria a afirmar a influência literária de Richard Bach), que é conduzida pela ânsia que a melodia transmite, sempre apontando para a frente, e é acompanhada pelo ritmo maquinal, ora sincopado ora contratempado, que impõe velocidade à viagem, ora mais, ora menos. Quase sempre em esforço, quase sempre caótico, sempre belo.

Equations – Echoing Green

A referência à beleza do caos é também tema no novo single dos Equations. Era um dos álbuns que eu mais aguardava para 2015, e já cá canta. Começaram ainda muito miúdos a brincar às bandas, e a querer aplicar fórmulas matemáticas na composição, entretanto, cresceram e cresceram bem. Ainda em meados de 2014 tive a oportunidade de ouvir um pouco daquilo que viria a ser o recém lançado Hightower: A fórmula inicial dos Equations tinha derivado naquilo que prometia ser uma viagem, e que bem que vale a pena comprar o bilhete para esta viagem. A melhor metáfora que tenho para este disco é que é como aquela mulher bonita, sem exageros nos arranjos (creio que até gostaria de ver com menos arranjos), que tem a capacidade de nos fazer apaixonar por fazer fluir a conversa com muito conteúdo – não por abordar por temas profundamente desafiantes, mas por nos tocar em temas que nos são confortáveis e familiares, fluindo num constante deja vu. Echoing Green é uma das faixas centrais do disco, e que proporciona, possivelmente o momento mais introspectivo desta viagem. Uma viagem, que se impõe que não se fique por aqui.

Pink Floyd – Echoes

Por falar em ecos, volto por fim, como prometido, volto aos Pink Floyd para deixa a tocar umas das mais inspiradoras músicas construídas no século passado. Sem mais, e porque não precisa de mais nenhuma introdução, sentem-se no chão e deixem-se viajar.

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Bem… Isto foi o que me foi saindo, e acho que se recomeçasse a fazer ia sair algo completamente diferente. Apesar de não ter a intenção de parecer pretensioso, acho que já a premissa de me por a comentar música para justifica a escolha revela pretensão suficiente. Optei por não incluir nada do catálogo da ZA nem muita coisa de produção nacional, pois a Sofia já faz um trabalho bom o suficiente para divulgação destes. 🙂

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