Autores Portugueses – Bran Morrighan https://branmorrighan.com Literatura, Leitura, Música e Quotidiano Mon, 29 Aug 2022 12:23:16 +0000 pt-PT hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.2 https://branmorrighan.com/wp-content/uploads/2020/12/cropped-Preto-32x32.png Autores Portugueses – Bran Morrighan https://branmorrighan.com 32 32 Voltar à Feira do Livro Lisboa com o Trio Fantástico https://branmorrighan.com/2022/08/voltar-a-feira-do-livro-lisboa-com-o-trio-fantastico.html https://branmorrighan.com/2022/08/voltar-a-feira-do-livro-lisboa-com-o-trio-fantastico.html#comments Sun, 28 Aug 2022 20:36:59 +0000 https://branmorrighan.com/?p=25389

Quando publiquei a entrada de Já ninguém lê blogues, não sabia que a palavra se ia espalhar tão rapidamente. Ao que parece alguns ainda lêem, ou pelo menos têm visitado o BranMorrighan, o que muito me alegra! E porque é que falo nisto? Porque foi graças ao blogue que há mais de 10 anos atrás, na Feira do Livro Lisboa, comecei a conhecer escritores portugueses — para quem não se lembra, ou não sabe, o blogue sempre teve uma atenção especial autores portugueses — e hoje em dia ainda tenho o maior privilégio em ter alguns como meus amigos.

É o caso do trio fantástico — Filipe Faria, Sandra Carvalho e Rafael Loureiro. No que diz respeito à literatura fantástica em Portugal sempre foram das maiores referências e tenho tido o prazer de fazer parte das suas trajectórias, volta e meia apresentado os seus livros em eventos públicos. Foram uns quantos anos, no auge do blogue, quando a Presença ainda tinha uns sofás na feira do livro onde os autores se sentavam a assinar, que me sentei com eles durante horas em conversa entre autógrafos. Tristezas e alegrias, frustrações e euforias, foi assim durante muito tempo.

Nos últimos cinco anos as coisas tornaram-se mais irregulares. Se contarmos com os últimos 3 de pandemia, não é difícil encontrar explicação. Fui encontrando-os em separado, às vezes de corrida, mas ainda hoje fico fascinada com a ligação especial que sinto com eles e sei ser recíproca. E agora que penso nisto, penso que este ano foi a primeira vez, de sempre, que conseguimos uma fotografia os quatro juntos! Por serem um trio fantástico, por norma têm filas bem grandes de leitores para dar autógrafos.

Foi tão especial vê-los novamente, os três ao mesmo tempo, poder conversar um bocadinho que fosse com cada um e largar umas boas gargalhadas. Enquanto estava com eles, reencontrei também o Rogério Ribeiro, o grande por trás do Fórum Fantástico, que já entrevistei pela primeira vez, imaginem, em 2013! Foi tão bom revê-lo e termos uma pequena walk on memory lane e como as nossas vidas se vão aproximando e distanciando, mas com a paixão dos livros e do fantástico sempre em comum!

Claro que a Feira não foi só este espaço da Editorial Presença, mas 12 anos de convivência com estes três merecem o seu post. Claro que não perdi a a oportunidade de visitar Afonso Cruz, João Tordo, Nuno Nepomuceno, algumas das pessoas que já conheço há tantos anos da comunicação das editoras com o blogue, e… Hoje fui a maior fangirl a visitar a Rosa Montero! Mas deixem-me aproveitar o entusiasmo que tenho sentido em voltar a escrever e depois faço outro post sobre isso. Deixo-vos com pequenas relíquias, de hoje e de anos anteriores. Eu sei que já me ri muito a olhar para elas!

Filipe, Sandra e Rafael, adoro-vos e que maravilha foi termo-nos encontrado nesta altura especial também para o regresso do blogue!

Esta já é de 2014! Tantos autores que visitei naquele dia! Post aqui.
Quando apresentei O Olhar do Açor e Filhos do Vento e do Mar da querida Sandra Carvalho em 2017! Post aqui.

PS: Entretanto criei conta no Substack e as newsletters já começaram a sair! Subscrevam 🙂

]]>
https://branmorrighan.com/2022/08/voltar-a-feira-do-livro-lisboa-com-o-trio-fantastico.html/feed 1
[Opinião] Princípio de Karenina, de Afonso Cruz https://branmorrighan.com/2022/08/opiniao-principio-de-karenina-de-afonso-cruz.html https://branmorrighan.com/2022/08/opiniao-principio-de-karenina-de-afonso-cruz.html#respond Wed, 17 Aug 2022 10:58:25 +0000 https://branmorrighan.com/?p=25374
Princípio de Karenina

Princípio de Karenina
Afonso Cruz

Companhia das Letras

O amor corrige o mundo. Mas será a presença do amor suficiente para corrigir o mundo, ou será necessário uma certa intensidade, uma certa proximidade com o desastre e o desespero, para agir? Princípio de Karenina é o primeiro livro da série Geografias de Afonso Cruz, já publicado em 2018. Há uma série de anos que não escrevo sobre os livros do Afonso. Não que não o leia, porque tenho lido todos, mas porque receio sempre cair nos lugares comuns, de me repetir, de não ter nada de novo para dizer. Li o Princípio de Karenina, pela primeira vez, pouco depois de ter sido publicado. Esta semana, decidi relê-lo.

Acho que nunca me vou cansar de me sentir fascinada com o efeito de reler um livro, constatando que a nossa posição no mundo, o nosso estado de espírito quando lemos um livro, tem um efeito tremendo na forma como o lemos, como o interpretamos. E talvez por Princípio de Karenina evocar precisamente esse sentido de viagem, ao mesmo tempo de imobilização, dei conta de vários efeitos muito subtis que não tinha sentido na primeira leitura.

E o primeiro efeito, e talvez o mais surpreendente para mim, foi a empatia ampliada pelo protagonista. E, talvez, se já leram o livro, vocês vão pensar: como é que é possível? Por tantas razões. Comecemos pelos deimos e phobos, unidades do medo. Apesar do nosso protagonista ter sofrido um condicionamento brutal por parte do pai, estes deimos e phobos não deixam de existir para quem sofre de uma certa ansiedade espacial. A forma como se mede o desconforto e o risco ou a confiança numa determinada acção poderia certamente usar estas medidas.

Enquanto este pai escreve esta carta de amor à sua filha (porque não deixa de ser uma carta de amor), vivemos com ele uma viagem de aproximações e afastamentos, um medo irracional do desconhecido à distância da porta de entrada da casa, que só começa a ser desconstruído quando um agente estrangeiro entra precisamente por aquela mesma porta. Se até então as janelas deviam estar sempre fechadas, há uma janela que se abre e que se torna impossível de fechar. E se por um lado esta janela representa esperança, a mesma não é capaz, com toda a sua luz, de afastar o medo da mudança e o comodismo.

Até ao dia em que contratámos a tua mãe, eu vivia uma rotina amável, a meia-luz, sem sobressaltos, cego às dores alheias. A partir desse instante, a solidez da minha rotina começou a abrir uma brecha por onde entrava luz. A presença dela haveria de perturbar o tédio nosso de cada dia, abrindo uma janela por onde quer que passasse.

Princípio de Karenina é uma ode à fragilidade e à força humana. Dois pesos que se tentam equilibrar de forma constante, mas muitas vezes de forma muito precária. Quem é que termina este livro e não fica a pensar também no Dois Metros e na cegueira (in)consciente? Quantos Dois Metros temos nós nas nossas vidas? Quem é que não fica a pensar na forma cega como às vezes se fica obcecado com um amor para depois, depois de tantos actos potencialmente irreflectidos e irracionais, se aperceber que afinal era algo oco? Também a finitude, a morte, tem um papel importante tanto na nossa coragem como na nossa cobardia.

Mas aliviemos a seriedade deste texto, que já vai longo, e passemos à leveza dos pormenores belíssimos da escrita de Afonso Cruz. É aqui que provavelmente me vou repetir, mas depois de tanto tempo sem o fazer, tenho a certeza que vocês me perdoam. Como já nos foi habituando, também Princípio de Karenina é rico não só em referências literárias (penso que o título fala por si mesmo) como também é encantador na forma como mistura e reinventa conceitos científicos e filosóficos.

Dado que esta obra resulta também de uma viagem do autor ao Vietname e ao Camboja, não será de estranhar a referência à Cochinchina e a forma como o autor entrelaça a forma como usamos a expressão à sua referência espacial. A certa altura do livro, o protagonista tem uma guia turística, a Sun — thank you so much — e eu só me ria a imaginar o próprio autor a interagir com esta pessoa e a trocar aqueles diálogos. E há sempre algo de especial quando sentimos uma experiência real no meio de um romance.

Quando ouvi a palavra Cochinchina, sem me aperceber de que era o amor que eu temia e não o monstro da minha infância, levantei-me e disse gravemente, tal como teria feito o meu pai num a situação idêntica se fosse ameaçado pelo estrangeiro ou pelo amor: fechem as janelas.

No geral, Princípio de Karenina irá tocar cada um de nós nos nossos nervos mais sensíveis. Apesar da minha empatia acrescida pelo protagonista, não posso dizer que seja um personagem fácil de gostar e se talvez nem seja suposto. No entanto, a sua evolução ao longo da estória culmina numa espécie de redenção que atenua as infinitas formas de imperfeição que é a vida humana.

Como esta dissertação já vai mais que longa, deixo uma última referência ao papel da deformidade, da música, de todas as imperfeições que nos acompanham, que nos salvam e nos condenam e como ainda assim está sempre do nosso lado a dúvida sobre se a felicidade é um caminho ou um destino.

É certo que: Existem infinitos lugares para estar errado, apenas um para estar certo, dois e dois tem um resultado correcto e infinitos resultados errados. É assim que funciona a entropia e os copos partidos/inteiros. Existem inúmeras configurações para os cacos de vidros partidos, mas apenas uma para ter o copo original. Todos os quadrados perfeitos, se nos abstrairmos das suas dimensões, são iguais. São as mazelas, as imperfeições, que fazem ‘quadrados’ diferentes, imperfeitos.
Porém, a felicidade não obedece a essas regras. Estar no lugar errado pode ser fonte de felicidade. Matar-me pode ser fonte de felicidade. Não há condições certas para ser feliz. Existem condições propícias para se estar contente, ou momentaneamente feliz, mas não para ser feliz. Todas as disposições de cacos de vidro podem ser modelos de felicidade. Disposições imperfeitas, cada uma à sua maneira, mas felizes, cada uma à sua maneira.

PS: Faço parte do programa de Afiliados Wook. Como funciona? Se fizerem compras através deste link –  https://www.wook.pt?a_aid=4ff9b52ae36d3 – recebo um pequeno vale em compras Wook, o que ajuda a alimentar as leituras do blogue. Muito obrigada por contribuíres! 🙂

WOOK - www.wook.pt

PS: Entretanto criei conta no Substack e as newsletters vão começar a ser produzidas lá! Subscrevam 🙂

]]>
https://branmorrighan.com/2022/08/opiniao-principio-de-karenina-de-afonso-cruz.html/feed 0
Opinião: Balada para Sophie https://branmorrighan.com/2021/09/opiniao-balada-para-sophie.html https://branmorrighan.com/2021/09/opiniao-balada-para-sophie.html#comments Sat, 11 Sep 2021 20:26:17 +0000 https://branmorrighan.com/?p=25159
Balada para Sophie

Balada para Sophia
Filipe Melo & Juan Cavia

Editora: Companhia das Letras

Opinião: Quem é que decide o que temos ou não direito de fazer? A nós mesmos, ao próximo… Muitas vezes vivemos cada dia como um prolongamento do anterior e em antecipação ao próximo, muitas vezes enfiados nas nossas cabeças, nas nossas ambições, no que achamos urgente atingir, no que achamos que pode ficar para depois. Balada para Sophie é uma espécie de quinta-essência por variadíssimas razões. Muitas delas já foram apontadas noutros textos: Filipe Melo escreveu um argumento sublime, provocando o subconsciente, incandescendo o consciente, tudo envolto numa beleza triste e enternecedora; Juan Cavia na sua arte deu uma vida e um assombro perfeitos a esta dinâmica que flui entre a memória e oblívio.

Honestamente não vou falar sobre os personagens em particular porque já existem vários textos (incluindo a sinopse) que se dobram sobre a análise dos mesmos, e porque o que ainda estou a exorcisar (no bom sentido) é uma sensação de quarto escuro em que nos enfiamos nas nossas lutas interiores e em que a sensação de entitlement e o sentido de obrigação digladiam até nos exaurir, movendo um véu que consegue ser tão ténue.

Confesso, com embaraço, que é a primeira vez que vivo algo composto por Filipe Melo e Juan Cavia. Digo viver em vez de ler porque é uma preciosidade rara encontrar arte e texto conjugados e entrelaçados de forma tão visceral. A experiência tomou de assalto todos os meus sentidos, incluindo os interiores – a dor, a compaixão, a desilusão, o amor, a carência, o arrependimento, a saudade, a esperança e por fim a surpresa, sem ser realmente uma surpresa.

Enquanto estive nos Estados Unidos, antes de a pandemia nos mandar a todos para casa, tive o privilégio de assistir a algumas óperas, incluindo La Traviata (que por alguma razão me veio à cabeça a certa altura). Não sei se vocês já assistiram a alguma ópera, mas para mim é uma experiência incrível. E refiro isto porque quando fechei Balada para Sophie pensei, na minha ignorância sobre a tangibilidade das adaptações, que daria uma das mais belíssimas óperas de sempre. Não um filme, não uma curta, uma ópera com todo o ambiente onírico que esta consegue evocar.

Tendo em conta toda a sua musicalidade e movimento e a composição de Filipe Melo em piano para Balada para Sophie, houve parte de mim que se transportou para uma qualquer sala a projectar a arte gráfica de Juan Cavia animada por figuras de uma performance intensa e hipnotizante. E o fim! O fim deste livro…! A ironia da vida. O universo a manifestar as suas subtilezas mais brutais.

Resumindo e concluindo: sinto que poderia ficar horas a escrever sobre o livro. Sobre os seus pontos de luz e de escuridão, sobre o incrível trabalho gráfico que nos suga e subjuga intensificando as emoções provocadas pela narrativa, sobre a magia que existe à sua volta, incluindo os seus abismos… Existem muitos adjectivos positivos que podem ser atribuídos a Balada para Sophie. No entanto, fundamentalmente considero que este é um livro que coloca a nu o ser humano e a sua complexidade.

Vocês sabem que eu quando gosto mesmo muito de um livro escrevo coisas talvez sem sentido porque ainda sai tudo muito de coração nos dedos. Já passaram duas semanas desde que terminei a leitura de Balada para Sophie, já lhe quis pegar novamente, mas opto por o manter por perto. Não sei se para me recordar, se para me alertar. O que sei é que se junta a A Ridícula Ideia de Não Voltar a Ver-te e a Nem Todas as Baleias Voam como obras que irei para sempre recomendar.

Dito isto, encontrem Balada para Sophie, comprem/aluguem/o-que-for, percam-se nele. Vale completamente a pena. E, honestamente, vale o dinheiro (comprei o meu, não foi oferecido). Deixo-vos com um vídeo que encontrei de Filipe Melo a tocar o tema que compôs e cujas pautas se encontram no final da obra. Parabéns, Filipe Melo e Juan Cavia, sem dúvida que esta é mais uma obra que vos torna imortais.

]]>
https://branmorrighan.com/2021/09/opiniao-balada-para-sophie.html/feed 2
Recensão: Tropel, de Manuel Jorge Marmelo, por João Morales https://branmorrighan.com/2021/04/recensao-tropel-de-manuel-jorge-marmelo-por-joao-morales.html https://branmorrighan.com/2021/04/recensao-tropel-de-manuel-jorge-marmelo-por-joao-morales.html#respond Sun, 18 Apr 2021 15:07:21 +0000 https://branmorrighan.com/?p=25102

Tropel
Manuel Jorge Marmelo

Porto Editora
149 págs

Distopia? É melhor que sim…

Embora tentador, é difícil catalogar esta história como uma distopia, tal é a presença de elementos concretos e actuais, referências identificáveis por todos, e um assombroso desejo de que tudo não passe… de uma ficção.

Tropel, assim se designa o mais recente romance de Manuel Jorge Marmelo, demonstra mais uma vez a capacidade deste autor em criar narrativas apelativas, escritas de forma extremamente fluída, onde a intensidade das personagens e do seu devir substituem qualquer arquitectura intrincada de relações ou um discurso apoiado num vocabulário hermético. Sem que, com isto, se menospreze a escolha das palavras exactas e da sua carga simbólica. Pelo contrário – veja-se a referência repetida à “actividade venatória”, introduzindo um carácter ritualístico numa descrição de brutalidade: “Sim. Caço refugiados. É este, agora, o meru desporto., o meu modo de vida, aminha principal especialidade venatória. É o meu contributo para limpeza e para o progresso da minha pátria amada”.

Atanas Viktor é o jovem narrador, nome no qual, consciente ou inconscientemente, encontramos ecos a Thanatos, o Deus da morte – mas da morte pacífica. O seu pai é Hirónimo, tal como Hieronimus Wolf, historiador do séc. XVI, todavia, mais uma vez o pensamento do leitor vagueia e é impossível não pensar em Bosch, o pintor de As Tentações de Santo Antão, quadro que repousa no Museu Nacional de Arte Antiga. 

O Clube dos Caçadores ocupa-se de vigiar a fronteira, mas não apenas. O seu espírito voluntarioso leva-os a criar armadinhas e ciladas, aliciando refugados que acabam abatidos. A crueza do raciocínio que pauta o comportamento destes homens é notória e assumida. Logo nas primeiras páginas, a cena que põe termo à vida do avô de Atanas deixa bem clara a ausência de contemplações e a rigidez dos preceitos que norteiam esta comunidade, bem como a bestialidade dos comportamentos com as mulheres, tónica constante ao longo do livro. 

O livro é pontuado com algumas alusões literárias, absolutamente justificadas, consistindo em contributos inteligentes e adequados à consolidação do simbolismo de uma interpretação literária e filosófica de tudo o que nos é apresentado: O Estrangeiro, obra maior de Albert Camus, ou o igualmente icónico O Deserto dos Tártaros, de Dino Buzzati, estabelecendo um paralelismo interessante entre o conflito que se pressente, mas não eclode, e a ansiedade da personagem Krassimiro (“disse-lhe que estava a ler um livro em que um Tenente espera por um ataque dos tártaros. Limita-se, porém, a esperar. Espera e espera num forte erguido no meio de um deserto poeirento onde nada acontece”)

Um ambiente maléfico alimenta o pior de cada um e assegura a continuidade do mal. A moral nivela-se por baixo: “senti confusamente uma espécie daninha de triunfo e vingança, o alívio mesquinho de saber que Marguita não mais seria tratada com deferência especial e que provaria do mesmo veneno que a minha mãe há muito ingeria em grandes sorvos”.

Naturalmente, este livro é um alerta e uma denúncia, uma obra assumidamente política, nunca no restrito sentido partidário, mas tendo por base um olhar sobre alguns discursos da actualidade. Seria tão que o pudéssemos continuar a definir como distopia…

João Morales

]]>
https://branmorrighan.com/2021/04/recensao-tropel-de-manuel-jorge-marmelo-por-joao-morales.html/feed 0
Opinião: A Estranha Ordem das Coisas, de António Damásio https://branmorrighan.com/2021/02/opiniao-a-estranha-ordem-das-coisas-de-antonio-damasio.html https://branmorrighan.com/2021/02/opiniao-a-estranha-ordem-das-coisas-de-antonio-damasio.html#respond Sun, 14 Feb 2021 14:31:01 +0000 https://branmorrighan.com/?p=25007
A Estranha Ordem das Coisas

A Estranha Ordem das Coisas
António Damásio

Temas e Debates

Homeostasia – Processo de regulação pelo qual um organismo consegue a constância do seu equilíbrio (Priberam).

Opinião: Há muito que me interesso pela mente humana, mas nos últimos anos esse interesse tem-se tornado numa pequena obsessão. Sempre me questionei muito do porquê do ser humano agir desta ou daquela maneira quando confrontado com diferentes situações. A luta entre a razão e a emoção tem sido o eixo pelo qual tenho procurado saber mais sobre o funcionamento do cérebro humano. Essa procura iniciou-se através de alguns livros temáticos, mas desde há dois ou três anos que tenho mergulhado mesmo na neurociência, numa mistura de interligar a neurobiologia com a actividade dos neurónios e a repercussão no comportamento humano.

Ainda estou longe de ter o conhecimento que gostaria, mas ler este livro ajudou a que algumas questões pertinentes ficassem um pouco mais claras, chegando à conclusão que existe um’ “a estranha ordem das coisas”. À semelhança da velha expressão – “o que nasceu primeiro? o ovo ou a galinha?” – existem muitas perguntas semelhantes em relação à emergência da cooperação, das diferentes culturas e do papel que as emoções tiveram nestes processos complexos.

António Damásio é professor da cátedra David Dornsife de Neurociência, Psicologia e Filosofia, e diretor do Brain and Creativity Institute na University of Southern California, em Los Angeles. Neurologista e neurocientista, Damásio tem dado contributos fundamentais para a compreensão dos processos cerebrais subjacentes às emoções, aos sentimentos e à consciência (Wook).

António Damásio, autor deste livro, explica-nos que “Os sentimentos são as expressões mentais da homeostasia, e a homeostasia, agindo sob a capa do sentimento, estabelece a ligação funcional entre as primeiras formas de vida e a extraordinária colaboração que se veio a estabelecer entre corpos e sistemas nervosos.” E o que isto significa é que as culturas resultam da expressão dos sentimentos e que esses sentimentos são expressões da tentativa do nosso organismo de manter a homeostasia. Aviso-vos, ler este livro é super fascinante, porém também um pouco de cansativo pela sua densidade e forma.

Não sei se é por o livro ser a tradução do original em inglês, mas a narrativa não é fácil nem para quem está familiarizado com o assunto, muito menos para quem não está. É muito importante perceber logo desde o início que “homeostasia” é todo o processo celular que tenta manter o organismo num equilíbrio em que, no sentido figurado, temos uma harmonia e uma dinâmica que nos mantém saudáveis e com uma sensação de bem-estar. Aliás, é argumentado no livro que, dado que os sentimentos são expressões da homeostasia, devemos ter atenção às mesmas para perceber se estamos com alguns desequilíbrio ou doença. O que, na verdade, faz todo o sentido.

Se tiverem paciência e curiosidade suficientes, acho que a persistência na leitura acaba por ter a sua recompensa. Fazendo um balanço do livro no seu todo, é incrível como António Damásio nos explica como é que a nossa composição genética, os nossos comportamentos e culturas têm origem nos tempos unicelulares resultando da evolução do processo homeostático. E talvez vocês já estejam um bocadinho cansados da palavra homeostasia, mas esse é mesmo o conceito central o livro e vai aparecer muitas vezes.

Antes de terminar, quero só referenciar também uma parte mais curta do livro, mas com que o meu lado engenheira ficou logo em alerta – o papel da inteligência artificial na reprodução/preservação do cérebro humano. Confesso que mesmo trabalhando indirectamente com Inteligência Artificial e Sistemas Inteligentes, o ramo que explora a possibilidade de reproduzir emoções e uma estrutura capaz de mimicar o cérebro humano, não me seduz. E aqui, correndo o risco de ser redutora, espero que António Damásio tenha razão na sua argumentação de que todo este processo que nos distingue dos demais seres vivos, resultante de processos complexos entre diferentes componentes celulares, genéticos e culturais, dificilmente será passível de se ser reproduzido por mão humana.

Resumindo e concluindo, A Estranha Ordem das Coisas é um livro interessante, por vezes um pouco confuso, mas em que partes em que a narrativa fica mais fácil e fluída vale completamente a pena. O nosso poder associativo e racional facilmente cria ligações entre os conceitos mais complexos e dinâmicas mais simples, fazendo com que este processo de compreender melhor a origem e a ordem de emergência dos vários componentes da civilização humana ganhe alguma luz e maior compreensão.

]]>
https://branmorrighan.com/2021/02/opiniao-a-estranha-ordem-das-coisas-de-antonio-damasio.html/feed 0
Opinião: Ascensão da Água, de Samuel Pimenta https://branmorrighan.com/2021/01/opiniao-ascensao-da-agua-de-samuel-pimenta.html https://branmorrighan.com/2021/01/opiniao-ascensao-da-agua-de-samuel-pimenta.html#respond Sat, 16 Jan 2021 19:25:08 +0000 https://branmorrighan.com/?p=24908
Ascensão da Água

Ascensão da Água
Samuel Pimenta

Editora: Labirinto

Opinião: Faz quase 11 anos que descobri o autor português Samuel Pimenta. Quando penso nisto, e quando penso em todo o seu percurso e todos os momentos que nos juntaram, há um pequeno arrepio que me corre pela espinha. O que começou com uma curiosidade em conhecer um jovem autor português, acabou por evoluir e tornar-se numa amizade de muito respeito e admiração. Nunca me vou esquecer da conversa franca que tivemos uma vez no Noo Bai e como me dei conta que estávamos, em tantos sentidos, a crescer ao mesmo tempo. Mas não é sobre a nossa amizade que vos escrevo, mas sobre a sua poesia que tanto admiro.

Na altura já discutíamos a importância da poesia, o seu papel na nossa literatura e como deve existir um exercício de interpretação e imagética íntimo ao leitor. A poesia pode ter origem no escritor, este ser a sua nascente, mas tal qual o rio que desagua numa qualquer paisagem intrépida, cada poema ganha uma nova forma em quem o lê. Ascensão da Água é a entrega perfeita deste exercício.

Mais do que isso, esta obra poética tem o poder de nos enraizar, de nos fazer voltar para dentro, para a nossa origem, ao mesmo tempo que nos obriga a desabrochar e a visionar o nosso caminho a partir de então. Existe uma beleza subtil e tocante neste caminho que começa na escuridão e desagua na luz.

Diante da porta
vislumbro o teu rosto
e a escuridão.


Pedes-me os passos
do labirinto
e a vida do monstro.


Não tenho fio para voltar até ti
.

Em Um rasto de vida, de cura e de amor, podemos ler o texto que Samuel Pimenta leu aquando da cerimónia de entrega do Prémio Literário Cidade de Almada. Não só vale a pena ler o texto, como também temos um vislumbre da natureza mágica da alma dos poemas. Se o Samuel já é um ser, por si mesmo, que nos convida ao deslumbramento (é um ser humano como poucos outros e um escritor dotado de uma capacidade empática extraordinária), ao longo deste conjunto de poemas apercebemo-nos de como o amor (que o autor admite ser a força motriz desta obra), nas suas mais diversas formas, consegue ser o elemento mais transformador que temos ao nosso dispor.

Sei como tocar a escuridão
e a dureza da pedra a impor fronteira
sem corromper a transparência
do meu nome.

A água é luz liquefeita
e tudo o que toca reverbera
.

Há um caminho que se faz através destas páginas que evoca um pouco o voyeurismo. Não só damos a mão ao Samuel desde o primeiro poema, acompanhando o seu percurso, como também somos testemunhos das suas dedicatórias. E cada dedicatória, na minha modesta interpretação, traça um marco neste universo fascinante e rico em emoções – boas e menos boas – que parece rodear o autor. Confesso que para mim a poesia é a única forma de escrita que verdadeiramente consegue, de forma desnuda, expressar o que vai nos assalta a alma.

Outra vantagem da poesia é precisamente poder ser-se livre de métrica e de preconceitos. Já lá vai o tempo em que nos ensinavam que a verdadeira poesia tem de seguir uma determinada dança, uma determinada rima. A poesia de Samuel Pimenta, a meu ver, corre livre como a sua alma e é um gosto enorme partilhar mais este trilho com ele. É um privilégio ter acesso a uma obra que nos permite uma certa purificação, uma certa cura, com uma ligação tão forte à natureza e à nossa ancestralidade. Deixo-vos com um último poema que, para mim, resume tudo tão bem.

Saber das raízes
foi saber do Lar.

Saber das sementes
foi saber da ascensão.

Saber das nascentes
foi saber do desejo.

Mas quando soube da palavra e dos poemas
aprendi a fala das bruxas.
E nunca mais vivi num mundo sem magia.

PS: Não te esqueças de subscrever a newsletter!

]]>
https://branmorrighan.com/2021/01/opiniao-ascensao-da-agua-de-samuel-pimenta.html/feed 0
Passatempo: Contra Mim, de Valter Hugo Mãe https://branmorrighan.com/2021/01/passatempo-contra-mim-de-valter-hugo-mae.html https://branmorrighan.com/2021/01/passatempo-contra-mim-de-valter-hugo-mae.html#comments Mon, 11 Jan 2021 10:00:49 +0000 https://branmorrighan.com/?p=24882
Contra Mim

Viva! Mais um fantástico passatempo desta vez com a parceria da Porto Editora, em comemoração dos 12 Anos BranMorrighan, para o exemplar de Contra Mim, de Valter Hugo Mãe! Para se habilitarem a ganhá-lo basta preencherem correctamente o formulário com as seguintes regras:

– O Passatempo termina às 23h59 do dia 15 de Fevereiro
– Só será aceite uma participação por dia
– Só serão aceites participações de Portugal
– Partilhar o link deste post numa rede social não é obrigatório, mas agradece-se a divulgação

Boa Sorte!

]]>
https://branmorrighan.com/2021/01/passatempo-contra-mim-de-valter-hugo-mae.html/feed 1
Opinião: Apneia, de Tânia Ganho https://branmorrighan.com/2021/01/opiniao-apneia-de-tania-ganho.html https://branmorrighan.com/2021/01/opiniao-apneia-de-tania-ganho.html#comments Sat, 09 Jan 2021 12:06:40 +0000 https://branmorrighan.com/?p=24784
Apneia

Apneia
Tânia Ganho

Editora: Casa das Letras

Sinopse

Opinião: Aaaah! As saudades que eu tinha de ler Tânia Ganho! Alguma vez leram o seu romance Mulher-Casa? Foi essa obra que me introduziu à escritora portuguesa e desde então que volta e meia me perguntava quando teríamos o privilégio de um novo romance. Esse momento chegou em 2020, ainda estava eu a viver nos Estados Unidos, mas assim que aterrei em Portugal, passados poucos dias, o livro chegou-me às mãos. Que momento feliz! Melhor ainda foi ter partilhado esta leitura com uma amiga muito querida. Decidimos mergulhar juntas neste belo e arrepiante Apneia.

Apneia – suspensão da respiração (priberam).

Logo de início o título do livro faz todo o sentido. Tânia Ganho começa a narrativa com a descrição de uma situação que nos deixa logo em alerta para a evolução e potencial violência psicológica da história. Quando a premissa é violenta, o que nos espera na conclusão? O caminho que nos leva de um a outro fez-me lembrar uma caminhada numa floresta com trilhos íngremes, em que volta e meia tememos pela nossa segurança, alternada com parcas e falsas sensações de descanso.

Sendo um livro longo, a mestria de Tânia Ganho pontuou-se na estratégia de optar por capítulos curtos e rápidos, alternando entre espaços temporais, motivando o leitor a manter-se atento. Durante a leitura, existem alguns elementos que se repetem como que para nos relembrar constantemente de padrões que merecem a nossa atenção. Apesar de ser uma história de cariz sério, pesado e violento, a verdade é que após o início agressivo, temos um intervalo emotivo de algumas dezenas de páginas, em que Tânia Ganho vai lançando todas as sementes necessárias para a certa altura se iniciar uma subida vertiginosa, sem forma de voltar atrás, de apneia constante, que nos revolve o estômago e nos desarma.

Sem mais rodeios, Apneia é capaz de ser um dos romances mais necessários na literatura portuguesa devido à forma como expõe um dos maiores problemas da nossa sociedade – abuso doméstico e infantil e o quão frustrante podem ser os processos judiciais associados. E há aqui um ponto muito importante que se relaciona com a noção que temos de violência e abuso. Quando se fala de violência doméstica ou abuso, a grande tendência é associar-se esses conceitos a um sinónimo de agressão física.

A história de Adriana e Edoardo vem mostrar-nos, precisamente, como é que sem haver evidência de violência física podem perpetuar-se abusos psicológicos que destroem qualquer sentido do “eu”, qualquer sentido de autopreservação, havendo uma alienação e um percurso de submissão inconsciente em que se perde poder pessoal.

No seu romance anterior, o Mulher-Casa, a escritora portuguesa já tinha explorado uma relação mãe-filho que muito me impressionou. Não sou mãe, portanto há coisas que só posso imaginar. Em Apneia, é difícil conceber colocar-me nos pés de Adriana enquanto mãe de Edoardo. Os pensamentos irracionais que me passaram pela cabeça à medida que avançava na leitura fizeram-me crer que nunca ninguém, jamais, por mais forte que seja, estará alguma vez preparado para a imprevisibilidade que pode ser ter um parceiro/a com as características psicológicas e de personalidade de Alessandro. Mais, o sentimento de impotência sempre tão latente é desconcertante.

O abuso psicológico constante, o bullying, o gaslighting, e outras técnicas de deturpação de personalidade do próximo, deixam marcas para uma vida. Foi difícil aceitar que, por vezes, psicólogos e psiquiatras testemunhos destas situações decidam lavar as mãos e retirarem-se dos processos por serem litigiosos. Compreendo que haja intimidação por parte de intervenientes envolvidos, mas não lhes cabe eles, perante o juramento que fizeram, denunciar todos os riscos que lhes saltam à vista? Quanto vale a saúde psicológica de uma criança, com todos os riscos que a mesma acarreta para o seu desenvolvimento e formação de personalidade enquanto adulto?

O outro ponto fundamental deste romance, que me enfureceu de início ao fim, é a descrição do processo judicial, tanto de divórcio como de custódia de um filho, que é completamente desumanizador. Tendo a escritora feito um estudo profundo e apurado, com testemunhos de quem passou por situações semelhantes, de como tudo se processa, é revoltante ver um sistema a funcionar tão mal e que é tão enviesado pelos preceitos que se tem do papel do homem e da mulher numa família e na sociedade. É completamente revoltante e aberrante que este tipo de processos se arraste por tanto tempo sem garantir qualquer tipo de segurança aos intervenientes, muito menos às crianças.

“As palavras afiguravam-se-lhe sempre aquém. Insuficiente perante a dor. Como se a dor fosse incompatível com a articulação da linguagem. Com a ordem. A dor era o caos e o caos não obedecia à gramática, a regências, concordâncias, tempos verbais. Tudo era presente; o passado e o futuro transfiguravam-se em presente. Se escrevesse, seria para dizer << Eu sou a minha dor >> e não era verdade, ela era muito mais do que a sua dor, até porque havia uma hierarquia e a sua ficava longe do topo da pirâmide. Existiam dores tão piores, recordava a si mesma, e enumerava-as, para se lembrar de que a sua era suportável. Mas não era compatível com palavras.”

Destaco esta citação porque, honestamente, poderia escrever muito mais, mas nada do que estou a escrever me parece suficiente para fazer jus à palete de emoções que fui sentindo. Um pormenor lírico belíssimo, que ainda não referi aqui, foram as referências literárias e artísticas ao longo da narrativa, reforçando a vulnerabilidade física e mental retratados na pele da personagem de Adriana.

Para terminar, a última parte do livro foi extremamente dolorosa de ler. Se houve dias em que só consegui ler poucas páginas, para o fim já lia madrugada fora, tentando de alguma forma arranjar cenários mentais para salvar uma situação impossível. O fim, em si, a situação com que Tânia Ganho decidiu fechar o livro, é um fim à filme, mas que, a meu ver, tenta dar alguma esperança a Adriana e Edoardo.

Foi dureza, mas valeu a pena. Obrigada, Tânia Ganho, por nos trazeres esta obra e que a mesma possa inspirar e incentivar todas as componentes envolvidas a agirem.

]]>
https://branmorrighan.com/2021/01/opiniao-apneia-de-tania-ganho.html/feed 7
Passatempo: A Oitava Era, de Filipe Faria https://branmorrighan.com/2021/01/passatempo-a-oitava-era-de-filipe-faria.html https://branmorrighan.com/2021/01/passatempo-a-oitava-era-de-filipe-faria.html#comments Thu, 07 Jan 2021 10:28:12 +0000 https://branmorrighan.com/?p=24762

Viva!

Mais um fantástico passatempo desta vez com a parceria da Editorial Presença, em comemoração dos 12 Anos BranMorrighan, para o exemplar de A Oitava Era, de Filipe Faria! Para se habilitarem a ganhá-lo basta preencherem correctamente o formulário com as seguintes regras:

– O Passatempo termina às 23h59 do dia 12 de Fevereiro
– Só será aceite uma participação por dia
– Só serão aceites participações de Portugal
– Partilhar o link deste post numa rede social não é obrigatório, mas agradece-se a divulgação

Boa Sorte!

]]>
https://branmorrighan.com/2021/01/passatempo-a-oitava-era-de-filipe-faria.html/feed 3
E não é que o Filipe Faria agora está no Youtube? https://branmorrighan.com/2020/10/e-nao-e-que-o-filipe-faria-agora-esta.html https://branmorrighan.com/2020/10/e-nao-e-que-o-filipe-faria-agora-esta.html#respond Sat, 24 Oct 2020 20:53:00 +0000
Ora bem, porquê o meu espanto? Deixem-me começar pelo início.

Eu conheci o Filipe Faria na Feira do Livro de… 2009? 2010? Honestamente, não me lembro bem, mas tenha sido num ano ou no outro, há mais de uma década que conheço este nosso (para sempre) jovem autor português. Entrevistei-o uma série de vezes, li todos os seus livros (menos o último, que foi publicado comigo já nos Estados Unidos) e até sair de Portugal tínhamos a tradição de nos sentarmos todos os anos, numa das tardes da Feira do Livro, a colocar a conversa em dia.

A literatura nacional era sempre um dos assuntos abordados, para além de outros. E um desses outros era “porque raio, Filipe, não tens pelo menos uma página no Facebook para divulgares os teus livros?”. Imaginem que cheguei a oferecer a minha ajuda e tudo! E o Filipe, sempre no seu tom meio altivo (coisa que não é, ele é bastante acessível e um fixe, mas é preciso conhecê-lo para além de apenas conjeturar sobre a sua personalidade) lá me dizia “Sofia, não. Sofia, não. Sofia, não” (claro que não mo dizia desta forma, sempre justificou o porquê de não estar nas redes sociais). No entanto, a verdade é que, hoje em dia, o maior canal de comunicação para qualquer arte são as redes sociais. Para o bem e para o mal.

Daí, qual não é o meu espanto quando recebo uma notificação do seu canal no Telegram a dizer que ele agora tinha um canal Youtube! Chama-se Litortura Nacional e, lol (Filipe, este lol é dedicado à tua discussão sobre como o inglês se infiltrou na nossa linguagem do dia-a-dia), não podia ser um título mais à Filipe Faria.

Neste episódio zero, ele apresenta-se, diz que inicialmente se queria queixar e que depois mudou de ideias, mas a verdade é que se queixa desde o início. Ahahah! Fora de brincadeiras, o Filipe apresenta o propósito do canal, observando por si mesmo que, apesar de tanto criticarmos que não se lê literatura portuguesa, a verdade é que os próprios autores portugueses nem sempre lêem assim tanto literatura portuguesa (não é Filipe? Não se preocupem, ele mostra-vos o seu Goodreads a provar que só leu um livro português nos últimos dez meses).

E o que é engraçado é que o próprio nome do canal “Litortura Nacional” também vem da ideia que se tem que é uma tortura ler autores portugueses. Mas não quero revelar tudo o que o Filipe refere no episódio, quero só reforçar que no meio da resistência a aderir a redes sociais, esta iniciativa mostra uma coragem considerável, porque um canal no YouTube é provavelmente a forma de expressão em que pode existir mais vulnerabilidade.

Eu própria já pensei em começar um mais a sério (na verdade tenho uma ideia mais específica que está em fase de maturação), e acabei por nunca ter a coragem de dar esse passo. Parabéns, Filipe!

Dito isto, este post na verdade é uma brincadeira em tom de divulgação do novo canal do Filipe Faria. O Filipe sempre se distinguiu por ser dos poucos autores portugueses com publicação constante no género do Fantástico. Género este que em Portugal sempre foi um pouco não grato, o que faz com que a sua perseverança e a lealdade dos seus leitores seja ainda mais admirável. Podem seguir toda a sua actividade através do seu sítio: https://www.allaryia.com/

]]>
https://branmorrighan.com/2020/10/e-nao-e-que-o-filipe-faria-agora-esta.html/feed 0