Citações Aleatórias – Bran Morrighan https://branmorrighan.com Literatura, Leitura, Música e Quotidiano Tue, 26 Jan 2021 14:02:04 +0000 pt-PT hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.2 https://branmorrighan.com/wp-content/uploads/2020/12/cropped-Preto-32x32.png Citações Aleatórias – Bran Morrighan https://branmorrighan.com 32 32 Citando a Rosa Montero em relação aos #Excêntricos e aos Criativos https://branmorrighan.com/2018/08/citando-rosa-montero-em-relacao-aos.html https://branmorrighan.com/2018/08/citando-rosa-montero-em-relacao-aos.html#respond Sun, 05 Aug 2018 13:25:00 +0000
Póvoa de Santa Iria

“Permite-me que faça aqui um ligeiro desvio para cantar louvores aos #Excêntricos, aos diferentes, aos monstros, que costumam ser as pessoas que mais me interessam. Por acréscimo, descobri com o tempo que a normalidade não existe; que não vem da palavra «normal», como sinónimo do que é mais comum, mais abundante, mais habitual, mas de «norma», de regulação e mandato.

A normalidade é um marco convencional que pretende a homogeneização dos humanos, como ovelhas fechadas num redil; mas, se olhares bem de perto, somos todos diferentes. Quem nunca se sentiu um monstro alguma vez? Além do mais, ser diferente pode ter algumas vantagens. Em 2009, a universidade húngara de Semmelweis publicou um estudo fascinante efectuado pelo seu Departamento de Psiquiatria.

Pegaram em trezentos e vinte e oito indivíduos sãos e sem antecedentes de doenças neuropsiquiátricas e fizeram-lhes um teste de criatividade. Depois verificaram se os sujeitos revelavam uma determinada mutação num gene do cérebro chamado, espirituosamente, «neuregulin 1». Calcula-se que cinquenta por cento dos europeus sãos possui uma cópia deste gene alterado, quinze por cento duas cópias e os restantes trinta e cinco, nenhuma. Acontece que o gene de nome inverosímil apresenta ter uma relação directa com a criatividade: os mais criativos teriam precisamente duas cópias e os menos criativos, nenhuma.

Segue-se a parte melhor: possuir a mutação também implica um aumento do risco de contrair transtornos psíquicos, como uma memória pior e… uma sensibilidade disparatada às críticas! Não te parece ser o perfeito retrato-robô do artista? Doido e pateticamente inseguro? O reverso da medalha é que essas pessoas um pouco excêntricas, bastante neuróticas e possivelmente fragilizadas parecem ser as mais imaginativas, o que não é nada mau. O estudo poderia explicar, aliás, a existência dos génios.”

Rosa Montero, A Ridícula Ideia de Não Voltar a Ver-te 

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Citando Rosa Montero Sobre a Loucura, Crises de Angústia e Ataques de Pânico https://branmorrighan.com/2018/07/citando-rosa-montero-sobre-loucura.html https://branmorrighan.com/2018/07/citando-rosa-montero-sobre-loucura.html#respond Tue, 31 Jul 2018 14:57:00 +0000 Fotografia tirada em Lipari


A verdadeira dor é indizível. Se conseguimos falar do que nos angustia estamos com sorte: significa que não é assim tão importante. Porque quando a dor cai sobre nós sem paliativos, a primeira coisa que nos arranca é a #Palavra. É provável que reconheças o que digo; talvez tenhas sentido, porque o sofrimento (tal como a alegria) é algo comum em todas as vidas. Falo daquela dor que é tão grande que nem sequer parece que nos nasce de dentro, que é como se tivéssemos sido sepultados por uma avalancha. E assim ficamos, tão enterrados sob toneladas pedregosas de pena que nem conseguimos falar. Temos a certeza de que ninguém nos vai ouvir. 


Agora que penso nisso, parece-se muito com a loucura. Na minha adolescência e primeira juventude sofri de várias crises de angústia. Eram ataques de pânico repentinos: enjoos, sensação aguda de perda de realidade, terror de estar a enlouquecer. Justamente por isso estudei Psicologia na Universidade Complutense (desisti no quarto ano): na verdade, creio que é a razão pela qual noventa e nove por cento dos profissionais do ramo estudam Psicologia ou Psiquiatria (os restantes são filhos de psicólogos ou psiquiatras e esses ainda estão pior). Que conste que não acho mal mal que assim seja: aproximar-se do exercício terapêutico tendo conhecido o que é o desequilíbrio mental pode proporcionar-nos mais compreensão, mais empatia. A mim, as crises de angústia aumentaram-me o conhecimento do mundo. Hoje alegro-me por as ter sofrido: assim soube o que era a dor psíquica, devastadora porque inefável. Porque a característica essencial daquilo a que chamamos loucura é a solidão, mas uma solidão monumental. Uma solidão tão grande que não cabe dentro da palavra é que não consegues sequer imaginar se nunca lá estiveste. É sentir que nos desligámos do mundo, que não vão conseguir entender-nos, que não temos palavras para nos expressarmos. É como falar uma linguagem que mais ninguém conhece. É ser um astronauta flutuando à deriva na vastidão negra do espaço exterior. É a este tamanho de solidão que me refiro. E acontece que na verdadeira dor, dor-avalanche, se passa uma coisa semelhante. Embora a sensação de alheamento não seja tão extrema, também não conseguimos partilhar ou explicar o nosso sofrimento. Já o diz a sabedoria popular: fulano enlouqueceu de dor. A mágoa é uma alienação. Calamo-nos e fechamo-nos. 

Rosa Montero, A Ridícula Ideia de Não Voltar a Ver-te

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Citações Aleatórias – Afonso Cruz https://branmorrighan.com/2017/12/citacoes-aleatorias-afonso-cruz_29.html https://branmorrighan.com/2017/12/citacoes-aleatorias-afonso-cruz_29.html#respond Fri, 29 Dec 2017 10:45:00 +0000

“Ao viajar à noite num carro alugado, pelas curvas do Atlas, encontrei um cachorro no meio da estrada. Percebi que fora abandonado e que, muito provavelmente, morreria. Estava deitado, enrolado, a tremer de frio. Decidi trazê-lo para Portugal. Peguei nele ao colo. Era um cão malhado, inteligente e meigo. No comboio tive de o esconder dos revisores, entre malas, dentro de malas, com a ajuda de outras pessoas. Em Marraquexe enquanto o carregava nos braços pelas ruas do souk, fez sucesso e queriam comprá-lo, perguntavam-me quanto queria por ele, ofereciam dinheiro, por vezes quantias relativamente avultadas. Há muito poucos cães por ali. No entanto, há muitos gatos, pois o Profeta gostava deles. Recusei todas as ofertas que me foram feitas. Um cão, ao que parece, tal como um boné dos Yankees [aqui falta uma entrada anterior para se perceber ainda melhor], é muito mais valioso do que a pornografia ou o whisky. Consegui passá-lo na fronteira, escondendo-o da polícia, e o cachorro clandestino viajou de barco até Espanha e, depois, de autocarro até Lisboa. 

Foi baptizado de Berbere. E foi o melhor negócio que não fiz.”

Afonso Cruz, em Jalan Jalan

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Citações Aleatórias – Afonso Cruz https://branmorrighan.com/2017/12/citacoes-aleatorias-afonso-cruz_23.html https://branmorrighan.com/2017/12/citacoes-aleatorias-afonso-cruz_23.html#respond Sat, 23 Dec 2017 17:32:00 +0000

“Há uma moda omnipresente entre os jovens: passar o tempo a fazer exercício e a ter um estilo de vida saudável. Para mim, saudável, nesta altura, nesta idade, é fazer do corpo um abismo, um apocalipse. O prazer de ser jovem reside na ausência da preocupação com a salubridade e numa conquista do barro, da imersão no erro, no caos. A higienização da vida, na juventude, é um envelhecimento precoce. Procuram um ideal de saúde e beleza no momento em que esse ideal já faz parte das suas vidas. Não imagino como se lhes será dolorosa a velhice. 

É muito provável que a preocupação com um estilo de vida saudável lhes traga alguns benefícios mais tarde, mas retira a experiência de uma vida posta no limite, impede-os da embriaguez, da possibilidade do êxtase, em troca de uma moderação e contenção caquécticas, consumindo bagas exóticas e superalimentos (o que será isso?), folhas de alface e iogurtes com bactérias inventadas pela publicidade. Andam em bicicletas sem rodas e correm esteiras sem paisagens, enquanto ouvem pop nos seus auscultadores e contam os batimentos cardíacos num telefone. Escolhem uma vida sem sobressaltos, absolutamente rendida a uma temperança monástica. Preferem uma vida em quantidade, longa, em vez de intensa, curta e dolorosa. É uma pena. Como escreveu Joaquín Verdaguer, «não criemos, pelo amor de Deus, um mundo de café sem cafeína, tabaco sem nicotina e álcool sem embriaguez. Não façamos do mundo um imenso e feio bolo sem açúcar.»”

Afonso Cruz, Jalan Jalan

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Citações Aleatórias – Afonso Cruz https://branmorrighan.com/2017/12/citacoes-aleatorias-afonso-cruz.html https://branmorrighan.com/2017/12/citacoes-aleatorias-afonso-cruz.html#respond Sat, 09 Dec 2017 12:40:00 +0000

“A literatura é um exercício de empatia em que os leitores e autores se colocam na pele de personagens diversos. É uma prática que ajuda a impedir a erosão da empatia e objectificação do outro, que leva muitas vezes à violência extrema.”

Afonso Cruz, em Jalan Jalan

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Citações Aleatórias – Álvaro de Campos https://branmorrighan.com/2017/11/citacoes-aleatorias-alvaro-de-campos.html https://branmorrighan.com/2017/11/citacoes-aleatorias-alvaro-de-campos.html#respond Thu, 16 Nov 2017 10:25:00 +0000

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Citações Aleatórias – Henry Miller https://branmorrighan.com/2017/11/citacoes-aleatorias-henry-miller.html https://branmorrighan.com/2017/11/citacoes-aleatorias-henry-miller.html#respond Sun, 12 Nov 2017 11:04:00 +0000

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Citações Aleatórias – Valter Hugo Mãe https://branmorrighan.com/2017/05/citacoes-aleatorias-valter-hugo-mae.html https://branmorrighan.com/2017/05/citacoes-aleatorias-valter-hugo-mae.html#respond Fri, 19 May 2017 15:40:00 +0000

O oleiro pedia perdão pelo susto aos aldeões. A sua vontade apenas queria cuidar do mundo. Mas dormia apoquentado com a solidão e o crescente tamanho do amor. O amor, na perda, era tentacular. Uma criatura a expandir, gorda, gorda, gorda. Até tudo em volta ser esse amor sem mais correspondência, sem companhia, sem cura. Que humilhante a solidão do amante. O oleiro disse assim: que humilhante o coração que sobra. O amor deixado sozinho é uma condição doente. Os amigos deviam pensar em Saburo como um homem doente. 

Valter Hugo Mãe, Homens Imprudentemente Poéticos

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Citações Aleatórias – Rachel Cusk https://branmorrighan.com/2017/05/citacoes-aleatorias-rachel-cusk_8.html https://branmorrighan.com/2017/05/citacoes-aleatorias-rachel-cusk_8.html#respond Mon, 08 May 2017 09:37:00 +0000

Suponho, continuei eu, que seja uma definição do amor, a crença em alguma coisa que somente aquelas duas pessoas conseguem ver, e, neste caso, veio a revelar-se um fundamento precário da vida. (…) Era difícil, disse eu, não ver nesta transposição do amor para a facticidade um espelho das outras coisas que se estavam a passar na nossa casa naquela altura. O mais surpreendente naquela transição era a pura capacidade negativa da intimidade que eles partilhavam anteriormente: era como se tudo o que estivera no interior se tivesse mudado para o exterior, peça por peça, como mobília tirada de dentro de uma casa e colocada no passeio. Parecia ser tão intenso porque o que estava invisível era agora visível; o que fora útil era agora redundante. O antagonismo entre ambos surgia na exacta proporção à sua anterior harmonia, mas, enquanto a harmonia fora intemporal e inefável, o antagonismo ocupava espaço e tempo. O intangível tornara-se sólido, o visionário encarnara, em guerra, o privado era agora público: quando a paz se transforma em ódio, há alguma coisa que nasce para a vida, um impulso de pura mortalidade. Se o amor é aquilo a que nos agarramos para nos tornarmos imortais, o ódio é o inverso. E o mais espantoso é a profusão de pormenores que este reúne para si mesmo, de modo que nada permanece intocado por si. (…) debatiam-se para se libertarem um do outro, porém a última coisa que poderiam fazer era deixar o outro só. Lutavam por tudo, disputavam  posse do objecto mais insignificante, ficavam enfurecidos pela mais leve variação do discurso e, quando por fim ficavam enlouquecidos pelo pormenor, irrompiam na violência física, golpeando-se e arranhando-se um ou outro; o que, obviamente, os devolvia à loucura do pormenor, pois a violência física acarreta o longo e arrastado processo da justiça e da lei. A história de quem tinha feito o quê a quem tinha de ser contada, e as questões da culpa e do castigo, identificadas, embora tal nunca satisfizesse nenhum dos dois; na realidade, piorava as coisas, porque parecia prometer uma resolução que nunca chegava. Quanto mais os meandros eram particularizados, maior e mais real a discussão se tornava. Cada um deles desejava acima de tudo ser declarado o detentor da razão e que o outro fosse declarado como estando errado, mas era impossível atribuir inteiramente a responsabilidade a qualquer um deles. E acabei por compreender, concluí eu, que isso nunca poderia ser resolvido, pelo menos enquanto o objectivo fosse estabelecer a verdade, pois já não existia uma só verdade, e isso era a questão. Já não existia uma visão partilhada, ou até mesmo uma realidade partilhada. Cada qual via agora as coisas unicamente a parti da sua própria perspectiva: e existia apenas um ponto de vista.


A Contraluz, Rachel Cusk

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Citações Aleatórias – Rachel Cusk https://branmorrighan.com/2017/05/citacoes-aleatorias-rachel-cusk.html https://branmorrighan.com/2017/05/citacoes-aleatorias-rachel-cusk.html#respond Sun, 07 May 2017 12:25:00 +0000

Recordei o modo como os meus filhos, quando eram ainda bebés, deixavam cair deliberadamente as coisas do alto das suas cadeirinhas para as ficarem a observar enquanto caíam no chão, para eles uma atividade tão encantadora quanto as suas consequências eram assustadoras. Ficavam a olhar fixamente para baixo, para a coisa caída no chão – uma tosta meio comida ou uma bola de plástico – e tornavam-se cada vez mais agitados diante da incapacidade de aquele objecto regressar por si às suas mãos. Acabavam por começar a chorar e normalmente descobriam que o objecto caído regressava para eles por essa via. Nunca deixou de me surpreender que a reacção deles perante esta cadeia de acontecimentos fosse repeti-la: mal o objecto se encontrava nas suas mãos, deixavam-no cair outra vez, inclinando-se para o ver cair. O seu prazer nunca diminuía, nem tão-pouco a sua angústia. Eu achava sempre que a determinada altura eles iriam compreender que a sua angústia era desnecessária e que iriam optar por a evitar, mas eles nunca a evitavam. A memória do sofrimento não tinha qualquer efeito sobre o que elegiam fazer: pelo contrário, compelia-os à repetição, pois o sofrimento era o toque de mágica que fazia com que o objecto voltasse a eles e permitia o prazer de o deixar cair novamente fosse possível. Tivesse eu recusado a devolvê-lo na primeira vez que o deixaram cair, julgo que eles teriam aprendido alguma coisa muito diferente, embora não tivesse certa do que tal poderia ser.

A Contraluz, Rachel Cusk

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