Diário de Bordo da Bateria – Bran Morrighan https://branmorrighan.com Literatura, Leitura, Música e Quotidiano Mon, 28 Dec 2020 05:44:17 +0000 pt-PT hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.3 https://branmorrighan.com/wp-content/uploads/2020/12/cropped-Preto-32x32.png Diário de Bordo da Bateria – Bran Morrighan https://branmorrighan.com 32 32 DIÁRIO DE BORDO DA BATERIA NA INDONÉSIA #3 – A Especial Região de Yogyakarta. https://branmorrighan.com/2017/10/diario-de-bordo-da-bateria-na-indonesia.html https://branmorrighan.com/2017/10/diario-de-bordo-da-bateria-na-indonesia.html#respond Fri, 06 Oct 2017 08:53:00 +0000

#3 – A Especial Região de Yogyakarta.

É certo e sabido que escrever não é tarefa fácil. Os constrangimentos à escrita específicos da Indonésia, por sua vez, já não são assim tão conhecidos. Ainda há pouco, estava o Miguel a escrever ali em cima do banco corrido do nosso alpendre, com uma caneca de água à frente, quando cai um cicak (leia-se ‘tchi-tchák‘) em cheio na caneca! Os cicak são umas sardaniscas cantarolantes, que vivem nas paredes e tectos dos interiores e exteriores das casas de cá, enquanto vão cantando o seu próprio nome. Nunca perdem a aderência, mas às vezes caem. Acontece que no quotidiano dos tectos e das paredes, às vezes os cicak também têm aqueles espasmos típicos da intimidade – são bichos! A folha estava quase passada a limpo, mas lá teve que se passar a limpo outra vez…

As variedades na Daerah Istimewa Yogyakarta (Região Especial de Yogyakarta) vão assim surgindo inesperadamente. E os trocadilhos com iogurtes acabam por nem ter piada, porque pela Indonésia fora toda a gente diz “Djogdjakarta”, e no próprio Sultanato de Yogyakarta só se diz Ngayogyokarto Hadiningrat. Yogyakarta é a capital de uma região especial com o seu próprio nome, na ilha mais povoada do mundo – Java. Para além de nos ter cá, também é especial por ser a única zona governada por um Sultanato com a idade das descobertas portuguesas. É conhecida como o centro das artes tradicionais javanesas, tal como se vê por todo o lado. Tem uma programação cultural que nunca mais acaba, com concertos ou ensaios de gamelão, leituras de poesia javanesa, danças tradicionais e contemporâneas, teatros de sombras e espectáculos de marionetas, um pouco por todo o lado e a toda a hora, e está carregada de pinturas nas mais variadas paredes e muros. De nossa casa, ouvem-se gongos que tanto estão a cinquenta como mil metros de distância, praticamente todas as noites. É uma região tão especial que em pouco mais de sete anos viu a sua população a aumentar cerca de dez vezes, mas que continua a ser uma cidade pequenina com mais de três milhões de habitantes.

Na nossa universidade – Institut Seni Indonesia (Instituto Indonésio das Artes) – todos os dias há ensaios, concertos, teatros, danças e outros espectáculos, tanto de dia como de noite. A Fakultas Seni Pertunjukan(Faculdade das Artes do Espectáculo) tem departamentos específicos para Tari, Dalang e Karawitan, e um peculiaríssimo departamento de Etnomusikologi. Em Indonésio a dança tem dois nomes, Dansa e Tari. Dansa, tal como se vê, é uma palavra portuguesa, mas que cá só se utiliza para aquelas danças “agarradinhas” dos bailaricos dos arraiais, porque Tari é a palavra que se utiliza para as danças tradicionais, que normalmente consistem nas coreografias de grupo que os dançarinos começam a estudar antes de entrar para a escola. O Dalang é o sujeito que fica atrás do pano branco e à frente da lamparina nos teatros de sombras, a manusear as marionetas, a declamar os diálogos e monólogos, a narrar a acção da história, mas que como tem muito pouco para fazer, ainda dá as indicações das entradas e dinâmicas à orquestra de gamelão com um utensílio que percute com um dos pés, enquanto segura uma personagem em cada uma das mãos. Embora Karawitan seja a palavra que designa toda a forma de expressão musical original, produzida pelas culturas nativas do arquipélago da Indonésia, tanto por recurso a instrumentos como vozes e outras formas de produção sonora (porque bater palmas também conta!), que englobem um sistema melódico, rítmico e harmónico autóctone – ou seja, é a expressão que designa a “música de cá” – a actividade do departamento centra-se na música de gamelão, e sem qualquer tipo de problema, visto que os restantes conjuntos orquestrais da Indonésia se estudam de forma aprofundada no departamento de Etnomusikologi, tanto nas suas vertentes práticas como teóricas.

Para pôr em cena todas estas formas artísticas, utiliza-se um edifício extremamente emblemático. O Pendapa (leia-se ‘pêndópó‘) é uma estrutura arquitectónica tipicamente javanesa concebida com o intuito primordial de albergar cerimónias rituais. Há vestígios de Pendapas que remontam ao século IX, e evidências de que com o passar dos tempos se tenha tornado na estrutura predilecta para realizar as mais diversas actividades sociais, culturais e até mesmo industriais (como armazém, etc…), vindo por fim a tornar-se na fachada das típicas casas javanesas. Actualmente assume um papel fundamental enquanto palco para concertos e ensaios de gamelão, danças, peças de Wayang Kulit (teatro de sombras com marionetas recortadas em couro), Wayang Golek (marionetas articuladas que imitam os movimentos das danças tradicionais) ou Wayang Wong (peças de teatro estilizadas que se baseiam nas restantes formas de Wayang).

Mas como a cultura não enche barrigas, há que falar de desporto. Há dias fui almoçar a um burjo, um tipo de estabelecimento que costuma estar aberto durante 24 horas, no qual, em tempos que já lá vão, segundo me disseram, havia sempre um cozinhado pronto a servir chamado bubur kacang hijau. Como este burjo até tinha uma televisão, na altura estava a dar um jogo entre a Indonésia e a Malásia, que parecia ser de futebol, a avaliar pelo campo e pela presença de balizas. Enquanto comia um nasi goreng telur – ou se preferirem ‘arroz frito com ovo’ – os cicaks iam comendo mosquitos, volta e meia apareciam uns tikus a passar apressadamente nas traves do telhado – acho que perceberam o que era, e não vou traduzir para não influenciar as tendências turísticas – e havia três ou quatro clientes que se iam rindo do jogo, com o mesmo entusiasmo dos espectadores dos malucos do riso. O ambiente do interior contrastava abruptamente com a emoção da rua. Este burjo fica na Jalan Parangtritis, a Estrada Nacional N.º 1 que agora fica mais perto de nossa casa, mas que tal como qualquer uma das outras estradas de cá se pode considerar uma verdadeira Estrada Olímpica. Embora o badminton seja o desporto nacional da Indonésia, é na estrada que toda a gente pratica os desportos mais populares. De todas as modalidades que conheci até agora, há duas de que gosto particularmente, não só porque se praticam em toda e qualquer estrada, mas acima de tudo pela destreza e sangue frio que os concorrentes demonstram. Ainda ninguém lhes deu nome porque são uma espécie de jogos populares, que se aprendem por cá tal como em Portugal se aprendia a jogar ao pião ou ao berlinde. Mas não me pude conter, e tive que lhes atribuir designações – em indonésio, obviamente! – porque assistir a tais proezas… é pura adrenalina!

A primeira é uma Maraton Rintangan (Maratona de Obstáculos) e consiste num percurso todo-o-terreno de transporte de mercadorias. Apesar da minha curta experiência nas estradas indonésias, já percebi que por cá a Regra Geral de Cedência de Prioridade do Código da Estrada deve ter uma redacção muito semelhante àquela de “avance o mais destemido”, que a malta leva ainda mais à letra. Há efectivamente boa vontade, e um estado de espírito que se faz sentir: ninguém quer bater! Esta modalidade é tão inesperada quanto surpreendente, uma vez que tanto nos podemos deparar com uma banca de um restaurante com rodas de bicicleta a ser puxada à mão ou atrelada a uma motorizada, ou com uma scooter com oito garrafões de dezanove litros de água potável cada um. Durante o trajecto que se pretende realizar tanto se pode ultrapassar pela direita como pela esquerda, mas nunca se sabe se aparece alguém em contramão, um monte de pneus com uma mota por baixo, ou até um carro a ultrapassar uma mota que está a ultrapassar uma carroça que por sua vez está a ultrapassar uma bicicleta que se vinha a desviar de um camião que estava a ser ultrapassado por um autocarro. A prova ainda é acompanhada por uma sinfonia constante de buzinas, orquestrada à moda de um gamelão tipicamente javanês. É uma exibição ímpar de pura destreza técnica! Mas para quem ainda não encontre aqui emoção suficiente, lanço o desafio de experimentar levar com um espelho num braço logo nos primeiros ‘quinhentos metros em contramão’ – a prova que se segue.

A segunda modalidade é a dos Lima Ratus Meter Melawan Arah, e é uma das minhas provas favoritas. Por cá conduz-se pela esquerda, mas não como se faz em Inglaterra. Ora, quando num qualquer entroncamento se pretende virar à direita, pode-se iniciar o tal percurso de lima ratus meter melawan arah ao virar logo à direita, para depois percorrer a distância necessária para retomar a faixa de rodagem contrária. A distância a percorrer varia sempre entre os cinquenta e os quinhentos metros, e não há sinais de partida, pelo que qualquer atleta pode começar a sua prestação individual assim que esteja pronto, ou até mesmo sem estar pronto, visto que a prova não é cronometrada. É uma prova sem categorias, na qual concorrem crianças e velhos, homens e mulheres, em grupo ou individualmente, em motas com e sem mercadorias, bicicletas, carros, e todo e qualquer outro tipo de veículo, motorizado ou não – os carros de bois também estão homologados! Estes lima ratus meter melawan arah praticam-se tanto em aldeias como em cidades, e percorrem-se em bermas, valetas, passeios, lojas e até restaurantes – vale tudo!

Há outras modalidades, e só não as vou descrever porque ainda não lhes consegui atribuir nomes em Indonésio. Mas como podem ver, tal como comecei por dizer no início deste texto, escrever na Indonésia não é fácil. Há demasiada emoção em todo o lado!

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DIÁRIO DE BORDO DA BATERIA NA INDONÉSIA #2 – Saya orang portugis https://branmorrighan.com/2017/09/diario-de-bordo-da-bateria-na-indonesia-2.html https://branmorrighan.com/2017/09/diario-de-bordo-da-bateria-na-indonesia-2.html#respond Fri, 15 Sep 2017 10:37:00 +0000

Acordei às seis da manhã no hotel Putra Jaya, fresco que nem uma alface, em Yogyakarta! Também é verdade que no dia antes me tinha deitado às cinco e meia da tarde… Quando saí do quarto estava o sol a nascer. Sentei-me numa das cadeiras da varanda, que dava acesso aos restantes quartos, e pus-me a ler um livro chamado Everyday Indonesian, que aborda alguns princípios rudimentares da Língua Indonésia (Bahasa Indonesia) e alguns aspectos culturais que são essenciais para se viver por cá, dada a credibilidade que se deve reconhecer a uma visão norte-americana semelhante à do seu autor.

Ora, estava eu descansadinho, quando me aparece um indonésio com uma vassoura na mão! Disse-me logo uma série de coisas que, nem querendo muito (que até queria), conseguia perceber. Fui simpático, sorri, arredei o sofá para que ele pudesse varrer, e lá percebi que me estava a perguntar o nome. “Saia Sadar, dan kamu?” Ao que eu retorqui “Saia João“, muito antes de fazer ideia de que por cá as “sayas” levavam “y”. Continuou ele a dizer mais uma panóplia de coisas, às quais respondia com sorrisos e um menear de quem não estava a perceber nada, até que identifiquei um “empat puluh“. Ou seja, “quarenta”, tal como toda a gente sabe! Como apontou para mim, disse-lhe logo “Saia dua puluh lima“, que é como quem diz “eu tenho vinte e cinco”, mas sem “y”, obviamente. E lá apareceu o Miguel, que começou a falar com o senhor Sadar naquela língua que aparentemente só a mim e aos restantes estrangeiros era estranha. Ainda que a situação não tenha jeito nenhum, o nome do senhor até tem a sua piada. É que Sadar quer dizer “ter consciência”, ou “aperceber-se de”. Mas tenho cá para mim que ele não tinha lá grande consciência de que eu belum bisa berbahasa indonesia – literalmente, ainda não consigo falar indonésio. Ironias à parte, um abraço para o Sadar!

Fomos dar uma volta, para ver se encontrávamos uma casa para arrendar e alguma coisa para comer. Por não perceber as pessoas, apercebi-me de que as ruas de cá até falam bastante. Até ver, ainda são o que mais me dá informação real acerca da indonésia. Andámos bastante. Muito, até. Tal e qual como quem ainda não tem uma mota ou uma bicicleta. Por cá, as ruas são uma salganhada de informações: publicidades a tabaqueiras e a operadoras de comunicações, oficinas, lojas de tudo-e-mais-alguma-coisa, restaurantes nos passeios, pessoas com muita pressa, pessoas sem pressa nenhuma, e estrangeiros, como nós. O Miguel ia-me tentando explicar o que é que se ia passando, saudando ou recusando as ofertas dos becak – táxis de bicicleta com um banco corrido para duas pessoas na dianteira – sempre naquela língua.

Chegámos a um local onde se vendia lotek – uma comida vegetariana cheia de coisas que ainda não consigo nomear nem identificar na totalidade. A senhora que lá estava era a cozinheira e única responsável por um restaurante que consistia em dois bancos corridos, uma mesa, uma bancada onde cozinhava e um toldo por cima. Olhou para o Miguel com bastante atenção, e do alarido que começou a fazer só percebi “Miguel, ya!” e uma série de gestos que diziam, sem sombra de dúvida, “que é do teu cabelo?”. No fundo, armou-se logo ali uma grande festa à borda de uma espécie de Estrada Nacional N.º 1! Pude verificar, efectivamente, que sete anos antes tinha vindo para aqui um português estudar gamelão, pois para além do seu nome ainda percebia a palavra “Portugal” no emaranhado do contínuo sonoro em que se dirigiam um ao outro.

Apareceu então o Lukas, que ainda só conhecia enquanto perfil de redes sociais. Um ou dois dias depois, o nosso amigo Lukas, pediu-me para ir com ele buscar o seu volkswagen carocha, amarelo – sim, ele tem um carro; ganhou-o num sorteio numa feira de tecidos. Saímos na sua mota, passámos por umas quantas ruas iguais a tantas outras, com bancas e esteiras nos passeios, nas quais se vende fruta, pneus, móveis, comida, computadores, e tudo o mais que se possa procurar. Quando já estava perdido, chegámos à oficina. Esperei um pouco, e lá veio ele com o seu carocha amarelo. Abriu o vidro e disse-me, “ikut saya!”, ou seja, “segue-me!” – é verdade, neste momento o meu aprofundado conhecimento de Indonésio já me permite saber que “saya” leva “y”. Deixámos a oficina e percorremos umas quantas ruas, sempre estreitas e cheias de carros, carrinhas de caixa aberta e motas a dar com um pau, que umas vezes rasgavam arrozais, e outras serviam de átrio para as inúmeras lojas dos passeios.

E lá ia o volkswagen carocha amarelo em grande estilo! Sem que nada o fizesse prever, vi saltar uma peça, e a roda traseira do lado direito a ganhar um certo tipo de independência, que lhe permitiu separar-se do eixo e andar sozinha pela direcção que mais lhe apeteceu. Parecia um filme em câmara lenta: um carocha amarelo a andar em três rodas, e uma roda a andar sozinha em contramão, cada qual com o seu próprio destino! Depois voltou tudo ao normal. O carocha lá assentou no chão, e continuou a arrastar-se durante uns bons quinze metros. A roda mais autónoma girou tudo quanto pôde, atravessou a estrada por entre um autêntico formigueiro de motas, desviou-se de uns gajos que estavam sentados num banco corrido, bateu na parede de uma casa, e saltou tal e qual como um géiser, para grande espanto das duas senhoras e de um garoto que estavam sentados a cerca de dois metros do sítio em que bateu.

Parei logo a mota e fui ter com o Lukas, que por ter aprendido português com o miguel saiu do carro a exclamar “carro do caralho!”, com a mais perfeita entoação idiomática! De facto, a única diferença que pude identificar foi que a sua desolação era acompanhada por uma enorme descontracção e não pelo costumeiro acesso raiva. Foi buscar um macaco a um sítio qualquer, e lá tentámos colocar a roda no eixo. Entretanto os donos da casa vieram averiguar o aparato, e apareceu um mecânico a que o Lukas tinha telefonado. Ao fim de bastante tempo lá conseguimos trancar a roda com um prego dobrado, e estacionar o carro num outro local, seguindo um hábito bastante português, uma vez que se tivesse ficado no meio das duas vias nunca estorvaria ao anormal funcionamento da estrada. No meio disto tudo o garoto não parava de olhar para mim, a senhora mais velha também não, a senhora mais nova fazia o mesmo, e um senhor mais velho teve que perguntar ao Lukas de onde é que era o estrangeiro. Mal o Lukas lhe disse “de Portugal”, tive eu o meu primeiro arraial à borda da Nacional N.º 1, com sorrisos, repetições constantes das palavras “Portugal” e “portuguis”, e ainda um garoto a dizer “Cristiano Ronaldo, Cristiano Ronaldo!”.

Enquanto tudo isto – e muito mais! – aconteceu, ainda não se tinha passado uma semana desde que tinha chegado à Indonésia. Garantidamente, é melhor ser um português na Indonésia do que um english man in New York.

João Gândara, Bateria


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Diário de Bordo da Bateria na Indonésia #1 – Apresentação https://branmorrighan.com/2017/08/diario-de-bordo-da-bateria-na-indonesia-3.html https://branmorrighan.com/2017/08/diario-de-bordo-da-bateria-na-indonesia-3.html#respond Thu, 31 Aug 2017 09:24:00 +0000 Fotografia Nuno Luz

Facebook da banda: https://www.facebook.com/bateria.gk/

Olá leitores. Antes de passar ao testemunho na primeira pessoa pelo João Gândara, aproveito para vos contextualizar. Bateria é o nome de um projecto musical, do qual o João faz parte, sediado em Leiria e desenvolvido em parceria com a Embaixada da República da Indonésia, que visa a criação de um grupo de instrumentistas dedicados à prática de gamelão Gong Kebyar, por forma a promover o estudo da música e das práticas musicais relativas ao gamelão, em Portugal. Neste momento o João encontra-se na Indonésia e a partir de hoje vamos ter alguns diários de bordo que nos vão dar a conhecer não só o que é um gamelão, mas também um pouco da sua aventura por lá. Muito obrigada, João, por teres aceitado partilhar connosco esta tua aventura! Acho que vamos todos ficar um pouco mais ricos culturalmente 🙂 E assim começa…

Descrever uma Bateria é uma coisa que não lembra a ninguém, pois cada um tem a sua. A minha tem quatro anos, montou-se em Leiria mas quanto à sua nacionalidade nem sei bem o que vos diga… é um grupo de gamelão Gong Kebyar (santinho!). É isso mesmo: soa a asiático. Passo a explicar…


Ora, um gamelão é um tipo de orquestra muito difuso pelo sudeste asiático, mais propriamente na Indonésia, em que dos demais (e há mesmo bués) destaco aqueles como maior importância e exposição: o javanês e o balinês. Falamos de instrumentos feitos de madeira, bronze, bambu, e provavelmente de outros materiais cujos nomes nem se conseguem dizer. São tambores, gongos verticais e horizontais, metalofones, flautas, e às vezes cordas. Por muito que tenham certas parecenças físicas com os instrumentos ocidentais, ao tocar a conversa é outra. A exigência técnica de interpretação é tão distinta como a função dos instrumentos dentro da massa orquestral. Podia estar aqui com uma conversa super cagona a dizer que é o tipo de música extra-europeia que mais influência teve na música ocidental – a começar logo por Claude Debussy em finais do séc. XIX – que não vos mentiria, nem sequer um bocadinho.


Então e porquê o nome Bateria? É pá, vê-se que vocês não percebem nada de Indonésio! Toda a gente sabe que se pegarmos no verbo “bater”, e acrescentarmos o sufixo “-ia”, obtemos o substantivo colectivo (imaginem só!) “bateria”. Em Indonésio, o verbo “bater” diz-se “gamel”, e se pegarmos no sufixo “-an” e o juntarmos a “gamel” obtemos o substantivo colectivo “gamelan”. É óbvio que se um indonésio visse uma “bateria” jamais lhe chamaria “gamelan”, tal como nós nunca chamaríamos “bateria” a um gamelão. Se virmos bem, uma “bateria” é um conjunto de instrumentos – tarolas, pratos, timbalões, bombos… – tal e qual como um gamelão – que tem jublags, gangsas, kantils, reyongs, e outros instrumentos com nomes que nem vale a pena escrever. Espantoso, não é? 


O nosso maior esforço é fazer deste conjunto de instrumentos e deste nome catita mais do que aquilo que são. Porque é aqui que a “bateria” se torna muito diferente em português. A “bateria” também é um conjunto de pessoas que batem nuns instrumentos. A Bateria, por sua vez, é aquele grupo de malta com uns instrumentos exóticos, que faz uma série de actividades em que se exploram os paralelismos culturais entre Portugal e a Indonésia: são concertos, exposições, conferências, actividades com crianças e com pessoas com deficiência, traduções literárias e até ensaios, imaginem só!


Neste momento, a Bateria acabou de aterrar na Indonésia a convite da Embaixada da República da Indonésia em Lisboa, e participar num programa de estudos no ISI de Yogyakarta, que é como quem diz, a universidade das artes. Infelizmente ainda não podemos ir todos mas já não há-de faltar tudo! 


Para já, vamos deixando aqui as nossas histórias da vida na indonésia! 

Sampai jumpa!

João Gândara

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