Eimear McBride – Bran Morrighan https://branmorrighan.com Literatura, Leitura, Música e Quotidiano Sat, 02 Dec 2023 19:02:50 +0000 pt-PT hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.9 https://branmorrighan.com/wp-content/uploads/2020/12/cropped-Preto-32x32.png Eimear McBride – Bran Morrighan https://branmorrighan.com 32 32 10 Livros de 2017 que poderia oferecer como prenda de Natal https://branmorrighan.com/2017/12/10-livros-de-2017-que-poderia-oferecer.html https://branmorrighan.com/2017/12/10-livros-de-2017-que-poderia-oferecer.html#respond Sun, 10 Dec 2017 16:15:00 +0000

À semelhança do que fiz em 2016, aqui ficam 10 sugestões de livros para este Natal. Aliás, na verdade, esta imagem pode muito bem reflectir parte dos melhores livros que li este ano. Há algum tempo que decidi não fazer TOPs, mas se recomendamos uma lista de livros é porque eles para nós representam alguma coisa, não? Pois bem, alguns remontam já aos primeiros meses do ano, como Iluminações de uma Mulher Livre, de Samuel Pimenta, enquanto outros saíram recentemente, como Jalan Jalan, de Afonso Cruz. Não estando ordenados por nenhuma ordem ou razão específica, tentei ainda assim equilibrar o número de autores portugueses e autores estrangeiros. Por causa disso, há outros dois livros que estariam ali igualmente bem: “1933 foi um mau ano”, de John Fante (Alfaguara) e “A Sul de Nenhum Norte”, de Charles Bukowski. Acabei por não colocá-los porque são autores que já têm uma boa legião de fãs e nestas recomendações quis colocar livros que talvez não fossem escolhas evidentes à primeira vista. Ora vejamos. 

Afonso Cruz, apesar de para mim ser um dos melhores autores do mundo (é a verdade), parece continuar a ser conhecido apenas num circuito mais restrito, o que escapa à minha compreensão (mas também pode ser só impressão minha). “Jalan Jalan”, a sua mais recente obra, tem sido para mim uma leitura que tem atingido várias dimensões. Nos últimos dois anos devo ter viajado por sete países diferentes, vivi um mês no Japão, etc, e às vezes há aqui coisas sobre essa mobilidade constante que disparam alguns “triggers”. Deixarei essas deambulações para o texto de opinião. O que interessa aqui é: vale COMPLETAMENTE a pena ser adquirido e lido com atenção. 

Eimear McBride, a autora revelação, para mim, de 2016 com o seu “Uma Rapariga É Uma Coisa Inacabada”, lançou este ano o seu segundo romance “Pequenos Boémios”. Foi mais um livro que devorei compulsivamente e foi a concretização da certeza que esta autora se tornou numa das minhas preferidas de sempre. A sua forma de escrita, muitas vezes fragmentada, transporta-nos directamente para o psicológico dos seus protagonistas. Há murros no estômago que merecem ser sentidos. As suas histórias são exemplos disso. 

James Rhodes e a sua história brutal em “Instrumental” são ideais para os que estão dispostos a mergulhar em cenários agressivos, porém também comoventes. Um livro não muito fácil de se ler, mas onde se aprende muito e se acompanha a luta de quem já atravessou estados mentais que passam completamente ao lado da maioria dos humanos durante a sua vida. Só tenho pena de não ter conseguido ir ver nenhum dos concertos que deu recentemente em Portugal.

Angie Thomas foi genial ao escrever “O Ódio Que Semeias”. Apesar de estar categorizado como jovem-adulto, é um livro que recomendaria para qualquer faixa etária. Penso que escrevi isto na opinião: este é um livro necessário! No nosso país não conhecemos assim tantas histórias como aquela, mas é excelente para abrirmos os olhos em relação a outras realidades tão difíceis. E tudo isto é facilmente testemunhado a partir da protagonista com quem a empatia é imediata. 

David Litchfield e as suas maravilhosas ilustrações. “O Urso e o Piano” é toda uma viagem por uma história super querida ilustrada de forma a aquecer e a derreter os nossos corações. Recentemente foi editado “O Gigante Secreto do Avô” que veio comprovar a sua mestria no que toca à forma magnífica como dá cor às suas histórias. Frios e quentes misturam-se num equilíbrio que acabam por reflectir as emoções do que se está a ler. 

Dulce Garcia e o seu “Quando Perdes Tudo Não Tens Pressa de Ir a Lado Nenhum” foram uma das melhores descobertas de 2017. Confesso que foi o título que me atraiu. A vida prega-nos rasteiras e às vezes, mesmo que não seja bem assim, sentimos que perdemos tudo e que então a vida parece que pode esperar que lhe voltemos a dar atenção. Foi um romance sentido, dramático, mas com um sentido real bastante apurado. Um romance de estreia muito bem conseguido. 

Carla M. Soares já é bem conhecida por estes lados. No início do ano lançou “O Ano da Dançarina” e foi uma excelente maneira de recordar alguma história e de ao mesmo tempo viver um romance que poderia mesmo ter acontecido. Sei que entretanto lançou outro romance, mas ainda não o tenho nem li. Como tal, fica esta sugestão que irá deliciar os amantes de romance histórico. 

Sandra Carvalho é uma das autoras mais queridas de Portugal. A cada Feira do Livro está horas e horas a assinar livros e foi este ano que terminou a trilogia Crónicas da Terra e do Mar, que recomendo por completo. A Sandra é uma autora que inspira um carinho enorme e uma devoção completamente merecida. As suas narrativas proporcionam-nos viagens fantásticas, sempre com aquele olhar romântico. Nunca são histórias fáceis, existe sempre muita luta, mas também o amor vence sempre no fim. Leiam-na e deixem-se conquistar. Vale a pena!

Rosa Montero, outra escritora que é das minhas preferidas. Lembro-me do impacto que teve o primeiro livro que li seu. “A Ridícula Ideia de Não Voltar a Ver-te”. Tinha perdido dois grandes amigos meus recentemente e, apesar de a história ter um contexto amoroso e autobiográfico, as emoções foram tão fortes que foi impossível não me sentir atingida por elas. Em “A Carne”, Rosa Montero expõe a peito aberto as fragilidades emocionais que a idade pode trazer com elas. Como será o amor quando sentimos que o nosso tempo já passou? Um romance duro, mas que vale a pena. 

Samuel Pimenta é um jovem autor português que continua a passar ao lado de muita gente, mas cuja voz merece ser ouvida. É um poeta notável e um romancista acutilante. Depois de em 2016 ter lançado o romance “Os Números Que Venceram os Nomes”, uma chamada à atenção à forma como a humanidade pode progredir, este ano presenteou-nos com “Iluminações de Uma Mulher Livre”, que pretende dar uma nova força à imagem e ao poder interior da mulher. É um dos autores nos quais vale a pena apostar. 

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Opinião: Pequenos Boémios, de Eimear McBride https://branmorrighan.com/2017/08/opiniao-pequenos-boemios-de-eimear.html https://branmorrighan.com/2017/08/opiniao-pequenos-boemios-de-eimear.html#respond Mon, 28 Aug 2017 15:11:00 +0000

Pequenos Boémios

Eimear McBride

Editora: Elsinore

Sinopse: Uma rapariga de 18 anos, recentemente chegada a Londres para estudar Teatro, apaixona-se por um homem mais velho, um ator estabelecido e bem-sucedido. Uma rapariga de 18 anos, ingénua e carregada de expetativas sobre a vida numa grande cidade e um homem acompanhado por fantasmas de uma vida conturbada acabam por se apaixonar. Londres vibra, aproximando-se do novo milénio. A rapariga e o homem vivem um ano que poderá acabar por consumi-los, sem hipótese de retorno. Entre o épico e o delicadamente íntimo, Pequenos Boémios é a celebração da luz e da escuridão, das ansiedades de envelhecer e da intensidade transformadora do amor.

OPINIÃO: Este livro arrasou comigo. Na verdade, a minha opinião poderia resumir-se a uma única palavra, o que é raro. IMPLACÁVEL. Se quando li Uma Rapariga É Uma Coisa Inacabada, romance de estreia de Eimear McBride, achei que tinha sido revirada do avesso e que algo de muito profundo tinha ali sido remexido, ao ler Pequenos Boémios houve, novamente, alturas em que tive de o pousar. Acho que o que mais me fascina na escrita desta autora é a capacidade que tem de se imiscuir no nosso psicológico assim como quem não quer a coisa, mas de repente, qual polvo com tentáculos por todo o lado. Apesar de um estilo narrativo experimental semelhante, estes dois livros acabam por tomar rumos bastante diferentes. Não consigo dizer de qual gostei mais, mas consigo dizer, sem qualquer dúvida, que Eimear McBride se tornou numa das minhas autoras preferidas e numa daquelas que vou querer ler de imediato sempre que sair um novo livro.

Em termos de romance, da história em si, Pequenos Boémios não é propriamente inovador. Temos uma rapariga de 18 anos que decide partir para Londres, para uma nova vida, e que conhece um homem mais velho, um homem danificado, cheio de história, mas também ela tem os seus danos e é através da redenção um no outro que os vamos acompanhando. A grande questão nos romances de Eimear McBride é a voz da narrativa e a forma como a autora nos faz olhar e sentir o mundo que construiu. O livro está cheio de descrições sexuais, porém nunca cai nos lugares comuns. É como se conseguíssemos sentir tudo sem ver quase nada. Estar dentro da cabeça de Eily foi, na maior parte do tempo, como oscilar entre estar deitado nas margens de um lago ou estar numa montanha russa sem fim e sem limite de velocidade. Entre a contemplação e a descoberta, entre a vertigem e o nunca se saber onde se vai parar, Pequenos Boémios é um romance genial muito devido às perspectivas interior e exterior que conhecemos de Eily e Stephan. 

A certa altura a narrativa muda. Quando se bate mesmo fundo, quando chegamos a um ponto da nossa vida em que somos apanhados numa encruzilhada em que não aguentamos manter dentro de nós todos os segredos e toda a escuridão, parece que só verbalizando com alguém se consegue aliviar o fardo. E é então que a voz de Stephan entra em cena, sendo que a narradora continua a ser Eily, ela apenas o ouve, e somos bombardeado com páginas e páginas de cenários brutais. Aqui o estilo de escrita muda, pois já não estamos em voz directa, mas ainda assim Eimear McBride vence na intimidade e na violência com que arrebata o leitor. Ao ler os seus romances somos constantemente confrontados com abusos sexuais e as consequências que isso tem na personalidade e na capacidade de acção e discernimento de quem sofreu dos mesmos. Eily ainda só tem 18 anos, mas já conta com a sua dose de perdição, enquanto que Stephan com 41 anos tem uma dose inimaginável, mas suficientemente real, de eventos com uma capacidade de destruição assustadora. 

Honestamente, por muito que me ponha aqui a escrever sobre o livro, tenho a clara noção que me faltam ferramentas para lhe fazer justiça. Mesmo com toda a negritude que muitas vezes se fez sentir, não consegui parar de ler o livro por horas e horas a fio. Tive alturas em que precisei de o pousar e ir fazer alguma coisa diferente, mas logo a adicção falava mais alto e lá voltava eu para aquele “masoquismo” que tanto me aterrorizou como fascinou. Devo avisar, por muito que eu goste tanto de Uma Rapariga É Uma Coisa Inacabada como de Pequenos Boémios, ambos são leituras com um forte teor de abuso e de violência física e psicológica. São livros capazes de invocar ecos e de fazer mergulhar em alguma escuridão. Ainda assim, não deixam de ser leituras magníficas. 

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Citações Aleatórias – Eimear McBride https://branmorrighan.com/2017/08/citacoes-aleatorias-eimear-mcbride.html https://branmorrighan.com/2017/08/citacoes-aleatorias-eimear-mcbride.html#respond Sat, 26 Aug 2017 16:28:00 +0000

Não. Não pertenço a grupo nenhum. Sou a carta fora do baralho, mas intenções as melhores e não logo muito porque Que Se Foda pertencer a grupos – mas não dizia que não a divertir-me mais. Ao menos estou aqui entrei, em vez de ficar a espera e. Peixes na água peixes no mar um dois três vamos saltar. Todos juntos pode ser?

Pequenos Boémios, Eimear McBride

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Opinião: Uma Rapariga É Uma Coisa Inacabada, de Eimear McBride https://branmorrighan.com/2016/04/opiniao-uma-rapariga-e-uma-coisa.html https://branmorrighan.com/2016/04/opiniao-uma-rapariga-e-uma-coisa.html#respond Tue, 12 Apr 2016 16:13:00 +0000

Uma Rapariga É Uma Coisa Inacabada
Eimear McBride

Editora: Elsinore

De tempos a tempos apanho livros sim, livros que contém em si muito mais do que meras páginas com letras que em sequência formam frases de uma história linear. Uma Rapariga É Uma Coisa Inacabada é, provavelmente, uma das obras mais perturbadoras e brutais que já li. Demorei algum tempo a arrancar com a leitura, esta requer alguma atenção e concentração iniciais para que possamos perceber a (não) estrutura da narrativa e que papel directo outros intervenientes têm na forma como a protagonista expõe as suas vivências. Apanhado o ritmo, e ritmo é coisa que não falta nestas palavras que tanto se atropelam como se parecem estender para lá do infinito, houve alturas em que li dezenas de páginas seguidas, outras que li meia dúzia e parei.

Não acho que seja um livro para o estômago de toda a gente, apesar de o achar acessível a qualquer pessoa. Estamos perante um romance que impressiona, que mostra uma realidade algo fragmentada, mas que toca, que acorda demónios, que incita a que se abram os olhos, a que se limpem os ouvidos, a que se desperte para uma realidade que gostamos de pensar existir só em livros e em filmes, mas que na verdade poderá estar ao virar da esquina. Quero muito ler a versão original deste livro. Não que esteja a criticar a tradução, mas dado o estilo da escrita de Eimear McBride, tenho imensa curiosidade em estar em contacto directo com a língua nativa, quanto mais não sejas pelos preciosismos.

Entremos neste enredo que tanto comove como nos revolve as entranhas. As primeiras páginas, exigência de concentração ultrapassada, mostra-nos uma narradora ainda em criança, com um irmão pouco mais velho às portas da morte. Este sobrevive, mas quando regressa casa é o pai que abandona a família. A mãe é uma mulher católica que usa e abusa da religião como desculpa para agredir tanto fisicamente como psicologicamente os filhos.

Entre um sentido protector em relação ao irmão mais velho e alguma perda de identidade, assistimos ao crescimento da criança em jovem, mais tarde quase adulta, através de uma fragmentação mental que procura na dor um alívio e uma limpeza que só a condenam cada vez mais. Desde a relação precoce e abusiva com o tio, à procura de outras experiências que a libertassem, o percurso da protagonista é feito através de caminhos sinuosos em que assistimos a modos de pensar e de agir que desafiam a lógica e qualquer sentido. São abusos atrás de abusos, alguns provocados por outros, a maioria procurada por ela. O conforto encontrado na violência.

Ao mesmo tempo existe toda a ligação com o irmão, que acaba por crescer sempre com uma espécie de atraso em relação aos da mesma idade, ou assim nos vai parecendo pela narrativa, e que a certa altura sofre uma disrupção. Mais tarde, com novos acontecimento, que não vou referir aqui para não desvendar mais do que desvendei da leitura, existe toda uma tentativa de redenção, do voltar às origens. É uma fase muito sofrida, angustiante, desafiadora.

O que diz na sinopse é totalmente verdade: este livro é uma autêntica descoberta. Uma Rapariga É Uma Coisa Inacabada é daquelas obras em que perdemos consciência real do acto de ler por nos transportarmos para os escombros mentais e para o físico imaginário da protagonista. Sentimos a sua dor, a sua loucura, o seu medo, o seu fascínio, a sua incapacidade de parar, a sua perdição. O fim, para mim, era o único possível. Acho que vivi tanto a personagem que a uma ou duas dezenas de páginas antes de terminar só pensava que aquela era a única via possível. Não tenho qualquer problema em recomendar este livro, fica apenas o aviso que é bom que se preparem, tem tanto de fascinante como de aterrorizador.

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