Hugo Alexandre Cruz – Bran Morrighan https://branmorrighan.com Literatura, Leitura, Música e Quotidiano Mon, 28 Dec 2020 04:57:41 +0000 pt-PT hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.2 https://branmorrighan.com/wp-content/uploads/2020/12/cropped-Preto-32x32.png Hugo Alexandre Cruz – Bran Morrighan https://branmorrighan.com 32 32 Jazz Im Goethe-Garten 2019 – Philip Gropper Philm: a vitalidade do Jazz europeu https://branmorrighan.com/2019/07/jazz-im-goethe-garten-2019-philip.html https://branmorrighan.com/2019/07/jazz-im-goethe-garten-2019-philip.html#respond Mon, 15 Jul 2019 10:52:00 +0000

O Jazz Im Goethe Garten 2019 encerrou com um quarteto alemão, praticante da modernidade, em territórios reconhecíveis. Os Philipp Gropper Philm foram uma excelente opção para demonstrar a vitalidade do Jazz europeu.

João Morales: texto

Hugo Alexandre Cruz: Fotografias

Apesar de integrar quatro elementos relativamente jovens, o Philipp Gropper Philm (que lançou em Maio deste ano o seu quinto álbum) consegue sustentar uma ponte eficaz entre tradição e modernidade, fazendo uma música assaz dinâmica, que se espraia pela improvisação sem nunca perder bases evidentes de ritmo e harmonia, percorrendo um caminho nem sempre fácil de cumprir, onde o discurso de cada um dos seus elementos surge perfeitamente integrado no todo, sem quer isso signifique um apagar das virtualidades individuais.

Philipp Gropper, saxofonista ainda jovem (n. 1978) apresenta já um percurso extenso (participou em mais de quatro dezenas de discos) e ecléctico, onde se registam encontros com figuras Rudi Mahal, Ralph Towner, Bobby McFerrin, Maria João, Günter Baby Sommer, DJ IllVibe ou Peter Evans. Ainda antes de começar o concerto, o músico avisou que a prestação do grupo seria constituída por uma peça única, sem interrupções, podendo aproveitar quando entendessem “para aplaudir ou fazer barulho”. Estava dado o mote.

O quarteto demonstrou uma estreita dinâmica de grupo, fortalecida várias vezes em estruturas que passam por entendimento entre dois instrumentistas (piano e bateria ou baixo e bateria, por exemplo), sem qualquer prejuízo para a prestação dos restantes. Ao longo de uma hora de concerto foram sendo criadas zonas – nunca completamente autónomas, mas identificáveis – que permitiram aos quatro músicos experimentarem conjugações e ambiências mutáveis que lhe permitiam agir enquanto solistas, porém, integrados nessa camada colectiva. A catarse técnica, aqui, não se faz pela primazia das capacidades desenvolvidas por cada um, mas pela adequação das mesmas à defesa de uma linha constante. A prova de que funciona foi a coerência demonstrada ao longo de todo o concerto, sem oscilações, qualitativas ou estéticas.

A fluidez musical desenvolvida acolheu diferentes cambiantes, com margem de manobra para incursões mais experimentais, outras com ramificações num hard-bop encorpado e actualizado ou ainda passagens mais ou menos feéricas onde o piano de Elias Stemeseder cedia lugar ao seu sintetizador, sem que a densidade electrónica alguma vez se tornasse o cerne da voragem dos quatro instrumentistas.

Igualmente membro de uma nova geração de músicos, cuja preparação e o talento permitem adivinhar um conjunto de futuras estrelas num firmamento que se vai engrandecendo através das décadas, Stemeseder (n. 1990), austríaco de nascença, está muitíssimo envolvido com a actual cena nova-iorquina, tendo trabalhado com Jim Black, Nels Cline, Greg Cohen ou até mesmo a figura central de toda essa “movida”, John Zorn, tendo mesmo integrado a sua série Bagatelles.

A secção rítmica deste projecto é representada por Robert Landfermann (n. 1982), que conta igualmente com uma lista impressionante de primeiras figuras, nas colaborações que já protagonizou – Joachim Kühn, John Scofield, Lee Konitz, Yo-Yo Ma, Ralph Towner, Django Bates, Tomasz Stanko, Barre Philips, John Taylor, Dave Liebman, Simon Nabatov, Chris Potter, Jim Black, Peter Evans, Nels Cline, Paul Lytton, Manfred Schoof, Frank Gratkowski, Gerd Dudek ou Charlie Mariano, são apenas alguns, bem como a representação num catálogo português, ao integrar o disco de Luís Lopez Trio, gravado para a Clean Feed. Esteve bem, acompanhando e demonstrando a sua categoria, com o à vontade de quem se sente em casa no agrupamento que o acolhe.

Maior fonte de satisfação ainda, foi admirar a prestação do baterista Oliver Steidle, com uma dinâmica segura e um desempenho absolutamente desenvolto. Um músico a ter em conta, decididamente. Figura de ouvidos atentos e mente aberta, este jovem, nascido em 1975 na cidade do Tribunal que recebeu os maiores criminosos de guerra (Nuremberga) muito cedo deu sinais sobre as suas opções rítmicas e propensão para os ambientes sonoros…mais pesados, digamos assim (aos 14 anos as suas audições iam mais para o Hard Core, com Slayer, Mr. Bungle e Napalm Death a assumirem honras de preferência).

Hoje, depois de já ter trabalhado com Alexander von Schlippenbach, Aki Takase ou Peter Brötzmann, é um nome seguro no panorama actual, com diferentes projectos e presenças em formações, gravando em trio com Frank Mobüs e Rudi Mahal, ou com o seu quarteto The Killling Popes (que até já gravaram, na portuguesa Shhpuma, o álbum Ego Pills), projecto onde as referidas influências de juventude marcam assumida presença. Ciclos da vida!

A prestigiada revista Wire não lhe poupa elogios: “um colaborador convergente com muitos músicos de renome, desenvolveu admiravelmente um estilo distintivo; ele percute, sussurra e controla seu instrumento tão fabulosamente como se fosse a coisa mais fácil do mundo”.

Dito isto, já se entendeu que o Jazz Im Goethe 2019 terminou da melhor forma, com uma formação demonstrativa da vitalidade do jazz europeu, que é, no fundo, o campo de acção de onde são provenientes os criadores que anualmente competem com os pássaros, moradores residentes deste magnífico jardim. De modo a assinalar os 15 anos deste festival (parabéns!) o espaço acolheu, a partir das 21h, uma festa, com DJ Johnny. Porém, quando tudo isso aconteceu, já nós andávamos por outras paragens…

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Jazz Im Goethe-Garten 2019 – Ghost Trio: afinal, ainda havia outra https://branmorrighan.com/2019/07/jazz-im-goethe-garten-ghost-trio-afinal.html https://branmorrighan.com/2019/07/jazz-im-goethe-garten-ghost-trio-afinal.html#respond Thu, 11 Jul 2019 09:11:00 +0000

O final da tarde de dia 10 foi entregue aos italianos Ghost Trio, que cumpriram o desígnio. Ficámos a conhecer melhor como se improvisa hoje por terras de Garibaldi. Mesmo no final, uma surpresa enorme a abrir o apetite para uma próxima visita.

Texto João Morales

Fotos: Hugo Alexandre Cruz

O início foi suave, em jeito de divagação, fazendo corresponder entre si as opções tomadas e as consequências para a avanço do manto sonoro tecido em conjunto, em tempo real, já que a música deste trio italiano preza pela improvisação total, não obstante a sua experimentada relação, patente na cumplicidade demonstrada a cada passo.

O clima de Música de Câmara favorecia o embalo tripartido, com cada um destes músicos italianos a devolver no seu discurso pequenos comentários ao exposto pelo anterior, dando origem a uma trama suave, um manto diáfano onde a criação ganhou contornos de celebração. No Jardim do Goethe Institut acolhia-se um Jazz livre, contudo, pacato, onde a exuberância dera lugar à precisão e a partilha fez as vezes de qualquer mestria exibicionista, com os três instrumentistas a acomodarem entre si as honras do palco.

Marco Colonna apresentou-se em clarinete e, principalmente, clarinete baixo, tendo mesmo efectuado algumas intervenções em que recorreu ao segundo com o bocal do primeiro em simultâneo, numa espécie de revisitação da imagem de Roland kirk, transportada para um contexto onde a herança transalpina comum aos três executantes não esteve completamente arredada.

Colonna, que já trabalhou com Eugenio Colombo, Ben Golberg ou Perry Robinson, e gravou em 2018 um curioso álbum a solo designado Sketches for Victor Jara, usou as palhetas de uma forma que evocava, por vezes, Michel Doneda, nos tempos de Open Paper Tree (FMP; 1995), um sopro fugidio, mas controlado, uma dinâmica que não se impõe pela forma, mas pelo carisma, em diálogo constante com os seus dois parceiros.

A contrabaixista Silvia Bolognesi, a quem coube as honras de apresentação, esteve igualmente à altura das circunstâncias, percorrendo o braço do seu instrumento com mestria, saltitando entre escalas, intercalando camadas de intensidade. Entre os projectos que integrou nos anos mais recentes, está a composição festiva dos Art Ensemble of Chicago (reunida nos 50 anos do colectivo) e uma das orquestras de Butch Morris, um dos mestres da direcção instantânea, em palco, em tempo real. Numa passagem em que acedeu ao microfone, as suas palavras debitadas sob o fundo musical ganharam dimensão transatlântica e, por instantes, o fantasma de Jayne Cortez pairou sorridente.

A trindade completa-se com o baterista, figura descontraída, de reflexos consistentes e uma aproximação à bateria que contempla a presença de diversos elementos metálicos, inseridos na cadeia de transmissão como extensão das possibilidades do instrumento, numa lógica muito querida na tradição da dita Música Improvisada. A lista de figuras da improvisação com quem este músico de 60 anos já teve oportunidade de tocar inclui sumidades como Steve Lacy ou (o infelizmente tão esquecido) Gaetano Liguori. Entre os mestres cuja herança será sensível no seu discurso musical, arrisquem-se dois nomes, Tony Oxley e Sunny Murray, patentes na destreza com que distribuía os seus “ataques” pelas diferentes peças do instrumento, ao mesmo tempo que rápidas passagens pelos pratos ajudavam à consolidação da musicalidade global final.

O mais curioso, acabou por ser, mesmo no final, a demonstração do eclectismo do trio que, embora só tendo um disco gravado, apresenta-se com uma cumplicidade evidente e divertida. Anunciado o encore, somos confrontados com um furacão de Free Jazz devedor directo dos mais viscerais exemplos desta sonoridade nos idos de 60, trazendo à memória as gravações por terras francesas recolhidas no catálogo Byg Actuel. A sonoridade elegante e bem-comportada que pautou grande parte da improvisação neste final de tarde deu lugar a um saudável vendaval, devastador, gerenerador. É caso para dizer: se na sonoridade anterior se revelaram competentes, afinal… ainda havia outra. 

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Jazz Im Goethe-Garten 2019 – Synesthetic 4: Esqui ao final da tarde https://branmorrighan.com/2019/07/jazz-im-goethe-garten-2019-synesthetic.html https://branmorrighan.com/2019/07/jazz-im-goethe-garten-2019-synesthetic.html#respond Sat, 06 Jul 2019 18:05:00 +0000

Quatro contributos para um universo onírico, eléctrico, divagador, mas rígido e contido nas suas premissas. Os Synesthetic 4 trouxeram-nos da Áustria um jazz cerebral e devedor de algum Rock Progressivo.

Texto: João Morales

Fotos: Hugo Alexandre Cruz

Synesthetic 4. O nome do quarteto austríaco, nacionalidade escolhida para ocupar a terceira sessão da 15ª edição do Jazz Im Goethe-Garten, remete para a união de diferentes planos sensoriais, ou então para uma confusão entre eles. Adequada definição, para um projecto musical que assenta numa aparente simplicidade, mas que retira da contenção toda a extensão sonora que consegue produzir, agregando numa gama reduzida de sons uma viagem mental recompensadora.

A sonoridade que aterrou na Sexta-feira no magnífico jardim do Goethe Institut durante mais de uma hora pautou-se por uma ambiência algo espacial, onde os pedais da guitarra e do baixo, mas também o eco associado ao clarinete de Vincent Pongracz desempenham um papel diferenciador. Sem grandes malabarismos, a articulação entre os quatro assenta no ritmo geralmente desencadeado pela guitarra de Peter Rom, de forma discreta, com poucos acordes e riffs curtos.

Ao longo de todo concerto, Pongracz ostentou um halo, uma espécie de coroa, ornamentada com flores e completada com uma máscara primaveril, o que, associado às invectivas vocais com que iniciou alguns dos temas, dava um certo ar de ritual à sua prestação.

A actuação colectiva decorreu sem sobressaltos nem solos individuais (à excepção de pequenos momentos em que a bateria ou o clarinete arranjaram forma de chamar o foco de atenções sobre si), dando corpo a uma opção musical que assenta na congregação dos quatro, articulando entre si uma música não poucas vezes devedora de algum Rock Progressivo (essencialmente de uma corrente mais suave).

Mesmo quando a prestação de cada um parece pairar, sem que algum dos discursos individuais exerça primazia, antes privilegiando uma ambiência, rapidamente descortinamos que existem passagens previamente acertadas que funcionam como apoios axiais da criação colectiva e permitem reencontros regulares entre os quatro.

Dois dos elementos bisaram a sua presença neste festival. O baterista Andreas Lettner (talvez aquele, dos quatro, que mais arriscou ao longo de o set inscrever-se caminhos distintos, sem que isso pusesse em causa a hegemonia global) integra os Namby Pamby Bopy, que actuaram neste mesmo certame em 2017. Já o guitarrista Peter Rom (que conta no seu percurso com colaborações com Max Nagl ou Elliot Sharp) apresentou-se logo numa das primeiras edições. Manu Mayr, o jovem que assegurou o baixo eléctrico terá sido a figura mais comedida do concerto, apesar de contar no seu percurso artístico com diversos concertos em solo absoluto (em especial com o contrabaixo).

O desporto mais popular na Áustria é o esqui, uma descida elegante e artística pelos fiordes gelados que compõem a geografia branca local. Assim foi, de algum modo, com os Synesthetic 4. Desenharam os seus sulcos, assinalaram uma paisagem pacata e regressaram no dia seguinte ao seu país, logo às oito da manhã, como lamentava em antecipação Vincent Pongracz. No final, fica a confirmação de que o Jazz actual (e, em especial, vários dos nomes escolhidos por Rui Neves, comissário do festival) mantém relações cada vez mais íntimas com o Rock e as suas derivações eléctricas, assegurando, no fundo, uma premissa do próprio Jazz, uma expressão musical que, desde a sua génese, nunca parou de aglutinar, mesclar e envolver todas as manifestações musicais que o Século XX foi gerando.

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