Hugo Ferreira – Bran Morrighan https://branmorrighan.com Literatura, Leitura, Música e Quotidiano Mon, 28 Dec 2020 05:34:49 +0000 pt-PT hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.3 https://branmorrighan.com/wp-content/uploads/2020/12/cropped-Preto-32x32.png Hugo Ferreira – Bran Morrighan https://branmorrighan.com 32 32 [Playlist da Quinzena] 1 a 15 de Junho de 2015 – As Escolhas de Hugo Ferreira (Omnichord Records) https://branmorrighan.com/2015/06/playlist-da-quinzena-1-15-de-junho-de-2.html https://branmorrighan.com/2015/06/playlist-da-quinzena-1-15-de-junho-de-2.html#respond Tue, 02 Jun 2015 10:30:00 +0000 Fotografia Luís Macedo

Ontem comemorei 27 anos! Por ser a 1 de Junho, escolhi duas pessoas muito especiais para fazerem a playlist da quinzena no antes e no depois. A primeira foi a da querida Raquel Lains, que terminou no último dia de Maio e agora até dia 15 temos a do Hugo Ferreira, uma pessoa que não só é muito especial como representa algo que muito respeito e admiro. Conheci o Hugo por causa da Omnichord Records e desde Janeiro de 2014, altura em que os Les Crazy Coconuts actuaram pela primeira vez, em acústico, num evento meu, que mantemos contacto. Quis o acaso que o meu envolvimento não só com a Omnichord Records como com a própria cidade de Leiria se tornasse algo muito próximo de uma segunda família. Como quem não quer a coisa vi-me a conhecer e a apreciar cada uma das bandas e a evolução das mais jovens tem sido uma delícia de acompanhar. Por trás está o Hugo Ferreira, incansável, lutador e de uma cultura musical invejável. Esta é uma daquelas playlists que guardamos e revisitamos vezes sem conta. Em mim guardo uma gratidão enorme por tudo o que o Hugo faz e pelas influências tão positivas. Por esta altura, de certeza que o BranMorrighan não era o mesmo sem ele e restante comitivia leiriense. Prova disso foi os The Allstar Project terem actuado no 6º Aniversário do blogue no Musicbox (eu só os venero, mais nada) e é também o dia de amanhã – mais uma noite de concertos no Musicbox com música 100% de origem leiriense. Uma grande honra sentir-me parte de todo este conjunto de pessoas maravilhosas. Quem quiser, é só aparecer no Musicbox a partir das 21h30. Temos Surma (Débora Umbelino, ex-Backwater and the Screaming Fantasy), Twin Transistors e os maravilhosos Les Crazy Coconuts! É dançar até mais não! Obrigada, Hugo, pela tua amizade, carinho e apoio tão importantes! 

Quando a Sofia Teixeira, do Blog BranMorrighan me desafiou a fazer uma playlist a única ideia que tive foi ir buscar algumas músicas que, de certa forma, me marcaram e me levaram a querer fazer e ir a cada vez mais concertos e, depois, a lançar discos. Sem pegar nas datas FADE IN e nos lançamentos Omnichord Records ( que foram e são tantas coisas boas e me dizem muito mas podiam soar a promoção/publicidade), preferi ir vasculhar o passado. No dia do 27º aniversário da autora do Blogue, aqui fica uma lista de vinte e sete momentos. Amanhã alguns iam ser diferentes, mas… uma playlist é mesmo isto.

1. Beach Boys – God Only Knows

O primeiro vinil que me lembro de ter pedido aos meus pais e que realmente rodei até à exaustão era uma colectânea dos Beach Boys. Trauteava todos os temas do alinhamento, mas o “God Only Knows” foi seguramente o que me mais me marcou e ainda hoje continuo a ouvi-la como uma das mais bonitas canções alguma vez feitas.

2. Bjork – Violently Happy (MTV Unplugged)

Uma cassete gravada com o concerto que a Antena 3 tinha transmitido rodou até não poder ter mais remendos na fita. O disco de estreia da Björk tinha sido uma pequena revolução mas a forma com foi adaptado para o unplugged da MTV superava qualquer expectativa.

3. Nick Cave & The Bad Seeds – Loverman

Na adolescência, não era devoção, era doença. Acho que o primeiro e-mail que criei foi para poder fazer parte da mailing list Loverman, dedicada a todas as notícias e coscuvilhices sobre o Nick Cave. Os concertos de 1994 em Lisboa e Porto em que se apresentou o disco “Let Love In” foram absolutamente incríveis. Desde os Birthday Party à fase mais baladeira de “Boatman’s Call”, Cave tem sido um nome incontornável na música que ouvi e oiço.

4. The Young Gods – Kissing The Sun

Numa fase em que mundo e meio vibrava com o grunge, eu não entrei facilmente no movimento (ainda que me tenha arrependido profundamente de ter vendido o bilhete que tinha para ver os Nirvana em Cascais – mas na altura doze contos era uma proposta irrecusável). Em vez do grunge, no que toca a descargas intensas refugiava-me frequentemente no Cave e nos Young Gods.

5. Sonic Youth -Bull in the Heather & 6. Velvet Underground – Venus In Furs

Em tempos lembro-me de alguém dizer que o pop-rock moderno assentava muito em duas escolas, a dos Velvet Underground e a dos Sonic Youth. Não sei se é verdade ou não, mas para mim faz sentido na modalidade de assistir frequentemente às aulas das duas.

7. Tindersticks – City Sickness

Os três primeiros discos dos Tindersticks são autênticas obras-primas. Não sei se depois eles perderam o fulgor ou se eu me tornei mais casmurro mas o resto da carreira, ainda que tenha momentos muito interessantes, não consegue ombrear com uma trilogia de luxo que rodou e continua ainda hoje a rodar muito por casa e pelo carro.

8. Morphine – Honey White

Quando entrei para Coimbra a primeira banda que não conhecia e pela qual me apaixonei foram os Morphine. Um trio sem guitarras a fazer rock.. Era bom de mais para ser verdade. Para além da admiração ficou a memória de dois dias passados a acompanhar o gentil Mark Sandman, aquando da sua última passagem por Portugal. Mais tarde Dana e Billy ainda voltaram como Twineman, mas a discografia de Morphine e as suas prestações ao vivo foram marcos incríveis na história do rock.

9. Tricky – Black Steel

Chegamos à fase Massive Attack, Tricky, Portishead, Morcheeba e Lamb e ao trip-hop que nos assaltou nos anos noventa bem medidos e nos ofereceu horas de contemplação sem fim. Mas entre os vários nomes referidos (todos com alguns discos brilhantes) o irrequieto Tricky sempre levou a melhor na minha balança emocional. Tive um dos melhores momentos de sempre no Coliseu de Lisboa aquando da apresentação de Maxinquaye em 1997.

10. Jay Jay Johanson – It Huts Me so

Ainda na ressaca do trip-hop e numa atmosfera de crooner à lá Sinatra ou Scott Walker, o menino sueco que apenas fez um trabalho de final de curso e passou a ser levado ao colo (e bem) por muita imprensa especializada e acabou por abrilhantar a inauguração da primeira FNAC em Portugal. Gostava tanto daquele disco de estreia que acabei por lhe roubar o nome para nickname no mIRC (onde o canal #xfm se tornara num local de discussão e de descoberta, mais tarde exportado para o Forum Sons).

11. Beck – New Polution

O Beck foi, durante muito tempo, um dos autores que mais acompanhei quase com um fervor religioso. Coleccionava tudo o que lançava, acumulava concertos, descobria tradição e novas tendências, tudo ao mesmo tempo e sempre com um extreme bom gosto.

12. dEUS – Feel Off The Floor, Man

Eu já tinha ficado abalado com o “Worst Case Scenario” mas o “In a Bar Under The Sea” foi um dos discos que mais ouvi e com os quais mais me identifiquei. O concerto de apresentação na Aula Magna foi absolutamente mágico e nem o constante ir abaixo do PA impediu que tocassem este tema emblemático (numa quarta tentativa).

13. Pulp – This Is Hardcore

Demorei a pegar em Pulp e creio que comecei a ouvir só depois das fixações que tinha por Smiths, Stone Roses, Blur, Suede ou Divine Comedy. Mais precisamente, quando os vi no Imperial ao Vivo. Depressa suplantaram as referências anteriores na minha lista de preferências. Os Pulp elevaram o nível da Brit pop a um patamar incrível.

14. Radiohead – Idioteque

Crescer no meio alternativo dos anos noventa significa, quase sempre, ter um carinho muito especial pelos Radiohead e pela sua capacidade de reinvenção (sobretudo na triologia “Ok Computer”, “Kid A” e “Amnesiac”). O caminho entre o concerto quase secreto de antecipação no Paradise Garage e a febre dos Coliseus foi marcante.

15. Serge Gainsbourg – Bonnie & Clyde

SG Gigante. Começou na chanson, passou pelo jazz, pelo pop orquestral, pelo rock, pelo reggae e acabou no disco sound. Com uma carreira tão peculiar quanto genial, Serge Gainsbourg, na minha humilde opinião, gravou e compôs algumas das mais belas canções de expressão francesa do século passado.

16. Tom Waits – Way Down In The Hole

Se em vez do francês escolhermos o inglês o meu herói de serviço chama-se Tom Waits. Por todas as razões e mais algumas, mas sobretudo pela música. E pelos concertos. Nunca paguei tanto para assistir a ninguém ao vivo e tive que embarcar para Berlin e Dublin, mas provavelmente foram os seis melhores concertos a que assisti.

17. Chico Buarque – Construção

Se formos para a língua portuguesa há sempre um Chico (na versão português do Brasil) que escreve como muito pouca gente, criando letras absolutamente imbatíveis e, não raras vezes juntando música e/ou orquestrações irrepreensíveis. O resultado é um banho de bola ara tanto cantautor que está entusiasmado a tentar criar canções.

18. Sigur Rós – Staráflur

Os Sigur Rós apareceram que nem um furacão. Depois de conhecermos o “Von” (e o de remisturas) e sabendo que iam lançar um disco novo marcámos pela RUC um concerto para o Teatro Académico de Gil Vicente. Marcámos a data, definimos o cachet, tudo ok a um ano de distância. Depois assina-se contrato, dizíamos… Entretanto o disco cresceu depressa demais e da editora independente Fatcat passaram para a multinacional PIAS que olhou para o calendário e disse “Coimbra quê? Se vão a Portugal, têm que ir a Lisboa!”. A data estava marcada mas acabou por ser no CCB e, como “vingança”, colocámos os TRANS AM nessa mesma altura, no Jardim da Associação Académica de Coimbra. Foi um festão mas estive vários anos sem conseguir ouvir Sigur Rós. Mais tarde, quando fui à Islândia, encontrei o Jonsi num bar (lá é normal encontrar-se toda a gente) e, depois de desabafar ele pagou uma rodada e apresentou-me um grupo de amigos em que estavam Sin Fang, Borko ou Olafur. Ainda bem que era Julho e a noite não chegou cedo. Pazes feitas e quando voltaram a Portugal, estava lá.

19. Mr Bungle – Ars Moriendi

Mike Patton, outro herói. Correu quase todas as linguagens musicais sempre com uma criatividade e exuberância ímpares. Faith No More, Mr Bungle, Fantômas, Tomahawk, Peeping Tom, Mondo Cane, mil e uma colaborações com nomes que vão de John Zorn a Bjork ou Dan The Automator e a criação da sua própria editora fazem de Patton um dos maiores. E ainda tem tempo para dar voz a filmes e tratar de mais uma série de aventuras. Mr. Bungle ao vivo ocupa, a par dos Arcade Fire e dos Flaming Lips, o meu pódio de Paredes de Coura.

20. The Walkmen – The Rat

Um dos meus críticos musicais de eleição e referência foi Miguel Esteves Cardoso e, depois das aventuras na Kapa e no Independente faz um retiro e volta, passado uns bons anos, a escrever para o Blitz. A primeira crónica, salvo erro, era de uma página e inteiramente dedicada a um único tema que ele julgava perfeito e explicava porquê. Subscrevi por inteiro. Deixo a vénia a este “The Rat”.

21. Gonzales – Supervillan Music

Gonzales é um dos tipos com mais piada do mundo da música. Exímio pianista clássico, apaixonado pelo hip hop, produtor de nomes como Daft Punk, Gonzales é magia e ironia num mercado que parece tantas vezes cinzento. Ele bateu o record do Guinness de duração de concerto de piano, ele protagonizou alguns dos momentos mais caricatos nas batalhas de piano do canal televisivo arte e há pouco tempo resolveu cruzar os dois universos (aparentemente antagónicos) num disco em que faz rap acompanhado por uma orquestra. Já por cá passou três vezes (entre Lisboa e o Fundão). Temos saudades.

22. Mão Morta – A poesia

Foram a banda nacional que mais me marcou pela postura e pela música. Se a carreira tinha seguido um caminho relativamente linear até “Vénus em Chamas”. Creio que a partir daí os Mão Morta se reinventaram e iniciaram uma nova fase que lhes permitiu fazer vários desvios temáticos extremamente bem conseguidos dos quais se destacam os concertos de homenagem a Heiner Müller e ao Conde de Lautréamont. Neste último há “Poesia”.

23. Belle Chase Hotel – Nimaroi

Os Belle Chase Hotel foram o minha primeira grande paixão consumada, a primeira que eu adorava e com que privava e que me possibilitou andar na estrada por várias datas, assistir a ensaios, reuniões, gravações de temas e de vídeos, conhecer Joe Gore, (o guitarrista de Tom Waits que veio produzir o segundo disco). Esta “super banda” criou alguns dos temas que mais me entusiasmaram. Músicos absolutamente incríveis. Escolher um tema é complicado mas, assim de repente, quando a propósito de Nimarói do Mia Couto e sobre esse homem que nadou com todas as forças até chegar à ilha das mulheres o JP se sai, naquela melodia lindíssima, com um… “I’m the cleaning lady of the broken hearts. I’m the Virgin Mary of the psychopaths. I’m god’s only witness that they fall apart When they touch the fire of the ancient stars”.

24. Danae – Meu Mar

Era uma festa de despedida para Erasmus e na cozinha estava, sozinha, uma menina e moça cabo-verdiana a tocar e cantar algumas músicas que me conquistaram de imediato. Fiquei ali uns dez minutos até que chegou alguém e acabei por meter conversa e saber que os temas (letra e música) eram seus. Desafiei-a, logo ali, a ir à Rádio Universidade gravar uma maquete. Depois foi só convencer o Pedro Renato (dos Belle Chase Hotel) a tratar dos arranjos, produção e encontrar banda de suporte (com outros elementos dos Belle Chase). Foi a primeira vez que senti que estava a ajudar a juntar as pessoas que mais gostava para fazer um disco. Saiu pela Nortesul e, inexplicavelmente, não conseguiu chegar como devia ao grande público mas está cheio de momentos absolutamente deliciosos.

25. Sean Riley & The Slowriders – Harry Rivers

Outro concerto de aniversário da RUC que pretendia juntar durante uma semana um músico sueco (Ernesto, que tinha acabado de lançar um disco interessante que cruzava o blues e a electrónica) com Pedro Renato (outra vez o suspeito do costume) e fazerem um espectáculo único e irrepetível. Quando o fui buscar ao Aeroporto ele trazia apenas a sua mochila e confessou que não tocava nada mas tinha trazido um cd para fazer playback. Vi a vida a andar para trás e já estava metade da lotação do Teatro vendido. Pedi a outros músicos de Coimbra para se juntarem (entre os quais Filipe Costa e Bruno Simões) E estes últimos – colegas de programa de rádio e amigos do Afonso Rodrigues – aceitaram também o desafio para para darem corpo a alguns temas maravilhosos que o Afonso andava a gravar quase às escondidas e fazerem uma primeira parte surpresa. Nessa primeira apresentação de apenas quatro temas de Sean Riley ( preparada apenas nessa semana ) senti que estávamos perante um caso sério de composição e interpretação. Continua a ser até hoje uma das minhas formações favoritas no panorama nacional.

26. The Allstar Project – Por Mais Alguns Euros (Tribute to Ennio Morricone and Sergio Leone)

Na génese da fundação da Omnichord está uma banda de Leiria que influenciou decisivamente toda uma geração de novos músicos e que vai, no próximo ano, comemorar quinze anos de carreira. Lançaram discos seminais e proporcionaram alguns dos melhores concertos a que assisti, onde o som e a imagem se cruzam com uma intensidade avassaladora. No seio do pós-rock, os The Allstar Project têm tudo para ser uma referência mundial. Curiosamente, ainda nunca lançaram qualquer disco desde que a editora começou. Para o ano deve haver finalmente novidades e, como recordação, aqui fica uma abordagem revisitada que fizeram de uma homenagem a Ennio Morricone e Sergio Leone (originalmente incluída no seu primeiro Ep “Berlengas Connection”).

27. Sufjan Stevens – Should Have Known Better

Para o final, um tema do disco que vai, garantidamente, ser um dos meus favoritos de 2015. Outro nome que teimei em começar a gostar e que achava sobrevalorizado e tal… ainda estou boquiaberto com o regresso de Sufjan Stevens.

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Entrevista a Hugo Ferreira, Responsável pela Omnichord Records/Leiria Calling https://branmorrighan.com/2014/10/entrevista-hugo-ferreira-responsavel.html https://branmorrighan.com/2014/10/entrevista-hugo-ferreira-responsavel.html#respond Mon, 13 Oct 2014 20:30:00 +0000 De vez em quando, nesta “brincadeira” de ir atrás de bandas e de fazer entrevistas, conhecemos pessoas que acabam por dar toda uma nova dimensão ao que começou por ser apenas uma curiosidade. Hugo Ferreira, responsável pela editora discográfica de Leiria – Omnichord Records – foi sem dúvida uma delas. Confesso que não me recordo muito bem como é que se iniciaram os contactos, possivelmente foi por causa dos First Breath After Coma, mas foi graças ao seu dinamismo e à sua capacidade de ver mais à frente do que os nossos tempos que acabei por conhecer os Les Crazy Coconuts que actuaram no evento 5 Anos Blogue Morrighan no Auditório Orlando Ribeiro a 18 de Janeiro de 2014. Desde então, muito temos interagido e trocado opiniões e achei que estava na altura de, pelo menos, dar destaque ao grande movimento que agora se perpetua em Leiria – Leiria Calling. Sou da opinião que pessoas que fazem tanto pela nossa cultura merecem um lugar de destaque nos meios de divulgação e, como tal, aqui estou eu a ceder-lhe o humilde espaço do Morrighan. É uma honra conhecer pessoas como o Hugo que, resumidamente, passou pela rádio Universidade de Coimbra, faz parte da Associação de Acção Cultural Fade In, mas que profissionalmente está ligado ao sector dos moldes e tratamentos térmicos de aço. No meio disto tudo, é senhor de um optimismo e de uma energia inesgotável. 

Fotografia Ricardo Graça

1.Hugo, conta-nos, como é que se iniciou a tua aventura com a música e como é que esta te levou a criar a Omnichord Records.

A aventura com a música deve ter começado ainda no ciclo e com a criação de uma rádio escola na secundária. Depois, chega-se ao 12º ano e escolhem-se seis opções para Coimbra porque o objectivo era poder ir para a Rádio Universidade.

Pela RUC foi fazer de tudo um pouco desde a realização e locução de programas à gestão da rádio, desde o contacto com editoras e distribuidoras à organização de inúmeros concertos… 

Depois do curso (foi Direito) voltei à base (Leiria) e após meia dúzia de anos em que mantinha o trabalho num ramo completamente diferente e continuava a mandar programas gravados para a RUC e a fazer alguns eventos por Leiria (já na equipa da FADE IN) cheguei à conclusão  que era preciso começar a gravar e a lançar algumas bandas que começavam a aparecer em Leiria e outras que já por cá andavam mas nunca tinham tido a projecção devida. Parecia-me uma inevitabilidade ter que documentar o que a cidade estava a começar a produzir (e tão bem). 

Os Nice Weather For Ducks foram o ponto de partida e usavam um instrumento criado pela Suzuki chamado Omnichord. É muito intuitivo e pode ser tocado por qualquer pessoa a como queríamos começar a fazer discos que qualquer pessoa goste de ouvir, pareceu-nos um nome indicado.  

2.Leiria atravessa um momento tão forte a nível de bandas e projectos musicais que acabaste por criar também o movimento Leiria Calling. Em que é que te inspiraste e quais os objectivos principais deste movimento?

Sem qualquer comparação há na Europa dois exemplos ou case-studies (como agora é bonito dizer) que provam a força de um movimento local organizado em torno da música e cujos elementos se sentem quase família. Actualmente, ou nos últimos anos, uma cidade (Reykjavik) e, se recuarmos uns bons anos, uma editora que colocou uma cidade no mapa (a Factory Records, de Manchester).

Os objectivos são simples, tentar levar boa música à maior quantidade de pessoas  e tentar gravar e colocar na estrada jovens músicos que acreditamos terem um enorme potencial.

3.Há uns meses saiu a colectânea Leiria Calling em disco e já têm sido feitos alguns eventos de divulgação do mesmo. Como é que tem sido a recepção do público?

A reacção tem sido muito boa, começa a sedimentar-se a imagem que Leiria tem algumas bandas que vale a pena seguir e há, naturalmente, uma ou outra que tomam a dianteira nesse processo. Se os First Breath After Coma e os Nice Weather For Ducks são os mais notórios, é verdade que há pelo menos mais uns cinco ou seis prontinhos a surpreenderem. 

4.A compilação contém bandas de estilos muito diferentes. Essa diversidade faz parte do teu gosto musical ou para ti é fácil separar o teu gosto pessoal do que achas que tem qualidade?

Acreditamos que se te parece bem e te apetece ouvir é porque, de alguma forma, tem qualidade. 

Como em casa ouvimos desde rock a minimalismo clássico, passando pela electrónica e pelo pop, é normal que haja muito estilo musical diferente associado à Omnichord, no entanto há sempre uma noção de tentar conjugar aquilo que gostamos com o que achamos que faz sentido mostrar a toda a gente.

No início da Omnichord tínhamos algumas frases escritas como uma espécie de manifesto que espero que se continuem a aplicar por muito e bom tempo e uma delas dizia que “Gravamos discos que gostávamos de comprar para nós e  de oferecer aos nossos amigos”.

5.Também os festivais de Verão foram um marco importante para algumas das tuas bandas. Foi feito um esforço nesse sentido? Quão importante achas que é a presença de bandas portuguesas em festivais de Verão?

Os festivais de verão são uma das maiores montras para quem faz música e é muito interessante constatar que há um reforço de nomes portugueses nos cartazes. Parece-me, aliás, um reforço com tendência a crescer. Tentamos fazer o melhor possível na promoção das bandas junto do público em geral e dos promotores e acabámos por ter algumas datas muito interessantes e de ter reacções (do público e da imprensa) muito positivas, apontando muitas vezes as nossas “pequenas” bandas nos melhores concertos do festival ou da noite. 

6.Ainda em relação aos festivais, a realidade é que cada vez existem mais. Na tua opinião, existe assim tanta procura para uma oferta tão vasta?

Acredito que o mercado tem a tendência para se auto-regular e no que toca a música, para mim a oferta nunca é em demasia. Há outras coisas que me preocupam mais como por exemplo o facto de os concertos em nome próprio (fora dos festivais) poderem diminuir, o facto de muitas bandas aceitarem tocar mesmo a perder dinheiro e por vezes não terem condições técnicas e logísticas adequadas ou ainda a sobre-utilização da figura do DJ (que, em alguns locais, passa de complemento essencial do after hours para actor principal da noite). 

7.Estando na vanguarda da nova música portuguesa, com que olhos é que vês o nosso mercado musical? Existe espaço para todas estas bandas ou é uma luta difícil? 

Há algumas (poucas) dezenas de nomes fortes que, felizmente, vão conseguindo fazer carreira da música mas cada vez mais estamos condenados a ter um mercado de bandas de malta que estuda ou de bandas de fim de semana (porque cada um tem o seu emprego).

A maior luta de todas é a música passar a ser respeitada e vista como uma arte que dá  trabalho e não é apenas como um hobby. 

É importante ter prazer em ouvir música ou assistir a um concerto mas ter noção de que há ali muito trabalho envolvido, muito ensaio, muito esforço para comprar material, muita viagem e muita insistência na promoção e na produção. Porque sem isso aquela música ou aquela banda dificilmente se teriam cruzado contigo.  É por isso que enquanto for mais lógico para a generalidade das pessoas gastar cinco euros em copos do que num disco ou num concerto vamos estreitando o espaço das bandas e vamos obrigar músicos tremendos a terem que abandonar a possibilidade de poderem ter tempo para criar e a procurar ou outro trabalho que lhe consiga pagar as contas. Eu tenho a certeza que a qualidade da música que cá se faz podia gerar muito rendimento além fronteiras, mais aí voltamos à mesma guerra de sempre e sem estratégia nem aposta vamos sempre ficar com uma ideia de que, se calhar, aquilo até podia ter dado mas tivemos azar. A falta de visão económica da cultura por parte da grande maioria das entidades públicas em Portugal  é gritante. 

8.Lisboa e Porto são sempre grandes centros de divulgação musical, para quem está em Leiria é complicado/ingrato lidar com esse facto ou achas que também isso está a mudar?

É compreensível que as coisas das grandes cidades tenham mais atenção. Se os centros da indústria e dos media se centram numa cidade ou duas isso acaba por ter reflexos pois mais facilmente falamos de aquilo que vai acontecendo em nosso redor ou que os nossos colegas e amigos falam. Saem discos e aparecem bandas a uma velocidade estonteante, recebem-se centenas de mails e é difícil descobrir quando muitas vezes nem sequer há tempo para seguir o que aqui se passa e o que nos garantem que é bom. A verdade é que várias bandas ou músicos acabam por se mudar para Lisboa para conseguirem estar no local onde realmente se pode fazer mercado. Assim de repente (e provavelmente por causa dos cortes e das crises) até o Porto me parece ter perdido algum protagonismo. Há empresas do sector ou dos media que passam a ter apenas delegação em Lisboa e verbas ou tempo para saírem à procura do que quer que seja são histórias “do tempo das vacas gordas”, como por exemplo em 1998 (quando nos dez ou quinze melhores do ano tinhas os Belle Chase Hotel de Coimbra, os Gift de Alcobaça, os Três Tristes Tigres do Porto, os Silence 4 de Leiria e uma compilação como o Tejo Beat que juntava pessoal de vários pontos).  

Os meios são escassos, o tempo é pouco mas há realmente muita coisa boa fora das grandes cidades que está e vai continuar a ficar pelo caminho por não conseguir chamar a atenção dos meios centrais. 

A contrapartida é que numa cidade como Leiria há uma qualidade de vida invejável e, à sua proporção, uma possibilidade de participar, promover e usufruir de actividades culturais impensável para uma grande cidade.

9.Que empurrão é que achas que é necessário no nosso país para os projectos musicais terem maior facilidade de crescimento e de expansão?

Quando a arte for vista como uma mais valia que pode e deve gerar dividendos e se definir uma estratégia  estamos no caminho certo. Não basta dizermos que a música portuguesa é incrível, que nos orgulhamos muito e tal e coisa, temos que a mostrar e promover lá fora … É como chegares a Madrid e dizeres que tens em Portugal uma praia como a Figueira da Foz que é impecável. Não lhes aquece nem arrefece. Mas se colocares Outdoors com uma foto bem tirada a dizer “esta paisagem, preços baixos e boa comida a cinco horas de auto-estrada” se calhar tens resultados… Apoiar digressões e promoções internacionais era realmente um investimento seguro.   

10.Consideras que é fundamental conseguir destaque fora de Portugal para se deixar de ser invisível por cá?

Não sendo fundamental é verdade que pode ajudar. Mas também todos conhecemos vários casos que nunca tiveram destaque lá fora e são muito acarinhados cá. E vice versa. É muito dificil tentar prever o que é que pode vir a resultar ou não e de que forma é alguém te pode descobrir e destacar. Resta-nos, quando temos noção de que a tua música tem qualidade, tentar trabalhar ao máximo e bater a muitas portas.  E nunca desanimar pela ausência de resposta.

11.O que é que podemos esperar do movimento Leiria Calling agora num futuro próximo?

Queremos fazer muita coisa mas o tempo e os meios não ajudam, no entanto arrancámos com as One Hundred Candles Sessions, há seis discos em pré-produção (Bússola, Les Crazy Coconuts, Nuno Rancho & A Few Fingers, The Allstar Project, Nice Weather For Ducks e First Breath After Coma) e datas a serem agendadas para Portugal e Espanha. Para além disso temos desenvolvido um trabalho de recolha de documentos e de filmagens para se trabalhar um documentário que retrate este movimento.

Omnichord Recordshttps://www.facebook.com/Omnichordrecords

Leiria Calling: https://www.facebook.com/LeiriaCalling

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