James Rhodes – Bran Morrighan https://branmorrighan.com Literatura, Leitura, Música e Quotidiano Mon, 28 Dec 2020 05:55:49 +0000 pt-PT hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.3 https://branmorrighan.com/wp-content/uploads/2020/12/cropped-Preto-32x32.png James Rhodes – Bran Morrighan https://branmorrighan.com 32 32 10 Livros de 2017 que poderia oferecer como prenda de Natal https://branmorrighan.com/2017/12/10-livros-de-2017-que-poderia-oferecer.html https://branmorrighan.com/2017/12/10-livros-de-2017-que-poderia-oferecer.html#respond Sun, 10 Dec 2017 16:15:00 +0000

À semelhança do que fiz em 2016, aqui ficam 10 sugestões de livros para este Natal. Aliás, na verdade, esta imagem pode muito bem reflectir parte dos melhores livros que li este ano. Há algum tempo que decidi não fazer TOPs, mas se recomendamos uma lista de livros é porque eles para nós representam alguma coisa, não? Pois bem, alguns remontam já aos primeiros meses do ano, como Iluminações de uma Mulher Livre, de Samuel Pimenta, enquanto outros saíram recentemente, como Jalan Jalan, de Afonso Cruz. Não estando ordenados por nenhuma ordem ou razão específica, tentei ainda assim equilibrar o número de autores portugueses e autores estrangeiros. Por causa disso, há outros dois livros que estariam ali igualmente bem: “1933 foi um mau ano”, de John Fante (Alfaguara) e “A Sul de Nenhum Norte”, de Charles Bukowski. Acabei por não colocá-los porque são autores que já têm uma boa legião de fãs e nestas recomendações quis colocar livros que talvez não fossem escolhas evidentes à primeira vista. Ora vejamos. 

Afonso Cruz, apesar de para mim ser um dos melhores autores do mundo (é a verdade), parece continuar a ser conhecido apenas num circuito mais restrito, o que escapa à minha compreensão (mas também pode ser só impressão minha). “Jalan Jalan”, a sua mais recente obra, tem sido para mim uma leitura que tem atingido várias dimensões. Nos últimos dois anos devo ter viajado por sete países diferentes, vivi um mês no Japão, etc, e às vezes há aqui coisas sobre essa mobilidade constante que disparam alguns “triggers”. Deixarei essas deambulações para o texto de opinião. O que interessa aqui é: vale COMPLETAMENTE a pena ser adquirido e lido com atenção. 

Eimear McBride, a autora revelação, para mim, de 2016 com o seu “Uma Rapariga É Uma Coisa Inacabada”, lançou este ano o seu segundo romance “Pequenos Boémios”. Foi mais um livro que devorei compulsivamente e foi a concretização da certeza que esta autora se tornou numa das minhas preferidas de sempre. A sua forma de escrita, muitas vezes fragmentada, transporta-nos directamente para o psicológico dos seus protagonistas. Há murros no estômago que merecem ser sentidos. As suas histórias são exemplos disso. 

James Rhodes e a sua história brutal em “Instrumental” são ideais para os que estão dispostos a mergulhar em cenários agressivos, porém também comoventes. Um livro não muito fácil de se ler, mas onde se aprende muito e se acompanha a luta de quem já atravessou estados mentais que passam completamente ao lado da maioria dos humanos durante a sua vida. Só tenho pena de não ter conseguido ir ver nenhum dos concertos que deu recentemente em Portugal.

Angie Thomas foi genial ao escrever “O Ódio Que Semeias”. Apesar de estar categorizado como jovem-adulto, é um livro que recomendaria para qualquer faixa etária. Penso que escrevi isto na opinião: este é um livro necessário! No nosso país não conhecemos assim tantas histórias como aquela, mas é excelente para abrirmos os olhos em relação a outras realidades tão difíceis. E tudo isto é facilmente testemunhado a partir da protagonista com quem a empatia é imediata. 

David Litchfield e as suas maravilhosas ilustrações. “O Urso e o Piano” é toda uma viagem por uma história super querida ilustrada de forma a aquecer e a derreter os nossos corações. Recentemente foi editado “O Gigante Secreto do Avô” que veio comprovar a sua mestria no que toca à forma magnífica como dá cor às suas histórias. Frios e quentes misturam-se num equilíbrio que acabam por reflectir as emoções do que se está a ler. 

Dulce Garcia e o seu “Quando Perdes Tudo Não Tens Pressa de Ir a Lado Nenhum” foram uma das melhores descobertas de 2017. Confesso que foi o título que me atraiu. A vida prega-nos rasteiras e às vezes, mesmo que não seja bem assim, sentimos que perdemos tudo e que então a vida parece que pode esperar que lhe voltemos a dar atenção. Foi um romance sentido, dramático, mas com um sentido real bastante apurado. Um romance de estreia muito bem conseguido. 

Carla M. Soares já é bem conhecida por estes lados. No início do ano lançou “O Ano da Dançarina” e foi uma excelente maneira de recordar alguma história e de ao mesmo tempo viver um romance que poderia mesmo ter acontecido. Sei que entretanto lançou outro romance, mas ainda não o tenho nem li. Como tal, fica esta sugestão que irá deliciar os amantes de romance histórico. 

Sandra Carvalho é uma das autoras mais queridas de Portugal. A cada Feira do Livro está horas e horas a assinar livros e foi este ano que terminou a trilogia Crónicas da Terra e do Mar, que recomendo por completo. A Sandra é uma autora que inspira um carinho enorme e uma devoção completamente merecida. As suas narrativas proporcionam-nos viagens fantásticas, sempre com aquele olhar romântico. Nunca são histórias fáceis, existe sempre muita luta, mas também o amor vence sempre no fim. Leiam-na e deixem-se conquistar. Vale a pena!

Rosa Montero, outra escritora que é das minhas preferidas. Lembro-me do impacto que teve o primeiro livro que li seu. “A Ridícula Ideia de Não Voltar a Ver-te”. Tinha perdido dois grandes amigos meus recentemente e, apesar de a história ter um contexto amoroso e autobiográfico, as emoções foram tão fortes que foi impossível não me sentir atingida por elas. Em “A Carne”, Rosa Montero expõe a peito aberto as fragilidades emocionais que a idade pode trazer com elas. Como será o amor quando sentimos que o nosso tempo já passou? Um romance duro, mas que vale a pena. 

Samuel Pimenta é um jovem autor português que continua a passar ao lado de muita gente, mas cuja voz merece ser ouvida. É um poeta notável e um romancista acutilante. Depois de em 2016 ter lançado o romance “Os Números Que Venceram os Nomes”, uma chamada à atenção à forma como a humanidade pode progredir, este ano presenteou-nos com “Iluminações de Uma Mulher Livre”, que pretende dar uma nova força à imagem e ao poder interior da mulher. É um dos autores nos quais vale a pena apostar. 

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Opinião: Instrumental, de James Rhodes https://branmorrighan.com/2017/09/opiniao-instrumental-de-james-rhodes.html https://branmorrighan.com/2017/09/opiniao-instrumental-de-james-rhodes.html#respond Tue, 26 Sep 2017 10:00:00 +0000

Instrumental

James Rhodes

Editora: Alfaguara

Sinopse: «Abusaram de mim aos seis anos. Internaram-me num hospital psiquiátrico. Fui viciado em drogas e álcool. Tentei suicidar-me cinco vezes. Separaram-me do meu filho. Mas não vou falar disso. Vou falar de música. Porque Bach salvou-me a vida. E eu amo a vida.» James confiava naquele homem simpático. Por que não haveria de confiar? Era seu professor na escola primária. A primeira oferta foi uma caixa de fósforos, um maravilhoso objecto de desejo para um menino de seis anos. Depois seguiram-se outros pequenos presentes, acompanhados de sorrisos, palavras de incentivo, gestos atenciosos. Depois começaram os abusos sexuais, que duraram vários anos, sem que ninguém na escola e na família se apercebesse. Quando terminaram, James afundou-se progressivamente num abismo de relações obsessivas, hospitais psiquiátricos e vícios destrutivos, uma espiral que o afastou do piano, para o qual revelara talento precoce.  Mas foi um adágio de Bach, escutado durante um internamento, que o salvou de anos e anos no fundo do poço. Ao descobrir que também os génios por trás das mais sublimes composições eram homens com existências dramáticas, James encontrou nos pequenos milagres da música o reduto para sobreviver aos seus demónios pessoais. Um encontro inesperado com um desconhecido deu-lhe o impulso que James para reencontrar o seu caminho na música. Hoje é um pianista aclamado em todo o mundo. Instrumental é um testemunho apaixonado e apaixonante, negro e luminoso sobre o poder terapêutico da música e a sua capacidade de transformar as nossas vidas, mas também, e sobretudo, sobre a nossa própria capacidade de reinvenção.

OPINIÃO: Ler este livro foi toda uma experiência. A primeira publicação deste livro foi a 25 de Maio de 2015, e a primeira pergunta que me ocorreu quando pousei o livro foi: como será que tem sido a sua vida até agora? Poderão perguntar-se porque é que um intervalo relativamente pequeno poderia causar tanta comoção, mas quem decidir pegar neste livro e mergulhar nele vai perceber que dois anos é tempo suficiente para uma vida levar uma volta de 180 graus (pernas para o ar) ou mais. E a James Rhodes isso aconteceu, não raras vezes. Este é um livro de coragem, de loucura, de emoções fortes e de alguma agressão também. Ninguém fica impune. Nem James Rhodes, que certamente enfrentou uns quantos demónios para o escrever, nem o leitor, que volta e meia leva com um murro no estômago, quer queira, quer não. 

Há um aviso que o autor faz, e que eu acho que merece ser reforçado: para quem já sofreu de abusos sexuais, teve tendências suicidas ou alguma experiência/internamento em alas psiquiátricas, sem dúvida que se arriscam a que uma série de gatilhos sejam activados, sem preparação, de forma crua e brutal. Uma vez, em conversa com um psiquiatra este disse: “Não importa o que vivemos no passado, os acontecimentos em si. Não podemos voltar atrás e mudar o que se passou, nem o podemos apagar da memória. O que também não podemos fazer é trazer esses acontecimentos e essas memórias constantemente para o presente. Já não interessa o que se viveu, interessa o que se faz com o que se viveu. E ninguém aguenta trazer consigo, constantemente, no presente, todo o peso do que já foi vivido.” Vocês poderão argumentar: “é mais fácil dizer do que fazer”, ou então “qual é a novidade?”. E a novidade aqui pode não ser nenhuma, mas a forma como se olha para si mesmo pode mudar. E esse é o trabalho deste livro. Parece-me que este livro era algo extremamente necessário para James Rhodes de alguma maneira também se perdoar. Porque quem sofre de abusos traz sempre consigo um sentimento de culpa enorme, mesmo que completamente estapafúrdio e injustificado (pelo menos para quem está de fora e tem dois dedos de testa). 

Há passagens que vão ficar marcadas durante muito tempo. Continua-me a parecer incrível, de uma forma aterradora, como é que ninguém desconfia seriamente, nem tenta averiguar, sobre o que se passa com uma criança de cinco ou seis anos que chora porque não quer ir para a aula de ginástica – quando antes adorava – e chega a aparecer com sangue a escorrer pelas pernas. Perdoem-me o grafismo, mas como é que se fecha os olhos a estas coisas? Bem, não me cabe a mim criticar professores e pais, ou outra coisa que o valha, mas que este livro sirva de abre-olhos a quem o ler. O impacto que estas sucessivas violações tiveram na sua vida só têm descrição possível pelas suas próprias palavras. Será sempre de louvar todo o amor que o pianista demonstra pelo seu filho. Esse sentimento tão visceral que lhe provocou tanto medo como admiração. 

O livro está organizado de forma curiosa. Apesar de ser uma obra autobiográfica, cada capítulo tem uma introdução biográfica de compositores e intérpretes que James Rhodes admira. Claro que, como poderia ser previsível, James foca-se tanto na genialidade dos músicos, como na sua instabilidade mental. É engraçado que ao mesmo tempo deste livro estava a ler outro, Carne, de Rosa Montero, em que a protagonista quer fazer uma exposição sobre escritores malditos – escritores que ou se suicidaram ou mataram alguém, portanto, escritores geniais que tiveram algum tipo de perturbação. Não pude deixar quase de sorrir, mesmo que tristemente, por esta coincidência. As introduções de cada capítulo poderiam figurar numa exposição de compositores malditos. Génios em composição e ao piano, um desastre socialmente e pessoalmente. 

Poderia estar aqui eternamente a falar deste livro, mas penso que basta resumir que esta é uma leitura urgente, se bem que com consequências imprevisíveis. Terá um impacto diferente para cada pessoa e até poderá afectar nervos diferentes consoante a profissão. James Rhodes não se fez de rogado a criticar a rigidez que normalmente se associa à música clássica, e os últimos capítulos servem precisamente para marcar posição em relação a isso mesmo. James não vê problema nenhum em ir confortavelmente de sapatilhas para uma performance, ou em falar com o público entre músicas: coisa impensável nas performances clássicas. Termino este texto com uma nota pessoal: um adágio de Bach salvou James Rhodes, comigo, numa fase difícil, lembro-me que foi a clássica Moonlight Sonata de Beethoven. E é verdade o que Rhodes diz, a música salva pessoas. Para quem é mais resistente à música clássica, se calhar também está na hora de lhe dar uma nova oportunidade 🙂 

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