Jazz – Bran Morrighan https://branmorrighan.com Literatura, Leitura, Música e Quotidiano Sun, 11 Aug 2024 11:49:14 +0000 pt-PT hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.2 https://branmorrighan.com/wp-content/uploads/2020/12/cropped-Preto-32x32.png Jazz – Bran Morrighan https://branmorrighan.com 32 32 Jazz em Agosto 2024 – Com as cordas da alma [Darius Jones FluxKit Vancouver] https://branmorrighan.com/2024/08/jazz-em-agosto-2024-com-as-cordas-da-alma-darius-jones-fluxkit-vancouver.html https://branmorrighan.com/2024/08/jazz-em-agosto-2024-com-as-cordas-da-alma-darius-jones-fluxkit-vancouver.html#respond Sun, 11 Aug 2024 11:48:19 +0000 https://branmorrighan.com/?p=25522 Jazz em Agosto 2024 – Com as cordas da alma

Este ano em versão reduzida, a presença do Bran Morrighan no Jazz em Agosto mantém-se. E começamos bem, com um dos mais aclamados saxofonistas do momento e um projecto que junta quatro cordas e uma bateria ao seu sax alto. 

Texto: João Morales

Fotos: Vera Marmelo / Gulbenkian Música

Darius Jones e o seu projecto conquistaram o anfiteatro ao ar livre da Fundação Calouste Gulbenkian, amplamente preenchido, rendido à simpatia sonora – que se confirmou quando o músico se dirigiu ao público. O programa para esta noite da 40ª edição do Jazz em Agosto estava delineado, com as antenas apontadas para a apresentação da suite “FLuxKit Vancouver”, construída em quatro partes. E assim foi. Com algo mais, no final.

Unanimemente considerado um dos grandes nomes do Jazz actual (“capaz de «rajadas» articulados e fugazes, bem como sequências equilibradas, confirma que é um dos saxofonistas mais interessantes dos nossos tempos”, escreveu – acertadamente – o português Filipe Freitas no site Jazz Trail, justamente a propósito deste álbum), além dos discos que tutelou, Darius Jones tem deixado a sua marca em álbuns de gente como William Parker, Sabir Mateen, William Hooker ou os Ceramic Dog, de Marc Ribot.

O conceito que nos trouxe, lançado em álbum em 2022, nascido de uma encomenda do Centro de Artes Western Front, em Vancouver, junta elementos de Música de Câmara, com a improvisação fluída do soprador que lidera o combo, algumas passagens com um cheirinho de Jazz-Rock, contando com a experiência e valências criativas de todos os intervenientes.

Logo no início percebemos como Gerald Cleaver, o baterista, será fundamental na definição do ritmo e do ambiente sonoro que impera a cada momento. Um músico extremamente competente (tem deixado a sua marca em diversos trabalhos com Mathew Shipp ou profícuo saxofonista brasileiro Ivo Perelman), sem alaridos exibicionistas. Aliás, um dos factores que marcam todo o concerto é a extrema unidade conseguida entre todos os elementos do sexteto, congregando em si uma espécie de mecanismo orgânico que respira a uma só voz, mesmo quando ela é construída por duas facetas (o que acontecerá, amiúde) – o naipe de cordas e o saxofone, em complemento.

Jones sopra em frases curtas e sincopadas, raramente se deixa arrastar para momentos de elevada continuidade. Mas quando o faz, transporta-nos consigo, espremendo a palheta com a mesma verdade com que nos encantou. Há um elemento constante de espiritualidade na sua música, nas suas ideias, que evocam outros territórios. Se a sua voz transporta heranças como a de Ornette Coleman (e até o formato escolhido para esta apresentação faz lembrar “Skies of America”), há também resquícios da procura de um Coltrane em final de percurso ou até da Mahavisnu Orchestra (na sua versão alargada de “Apocalypse”). E tudo faz sentido.

James Meger, o contrabaixista de serviço, já trabalhou com Kris Davis e Wayne Horvitz ou estevem palco com a Now Orchestra. Discreto, sem ser supérfluo, hipnotizante quando a conjuntura o pedia, também teve o seu tempo de improvisação a solo. 

A dupla de violinos esteve entregue a um par de irmãos, Jesse e Josh Zubot. Filhos de um baterista ouvinte de free jazz, estavam “condenados” à música. O seu papel no que escutámos é essencial, traçando linhas de orientação ao longo de várias passagens, alternado entre si a criação de um fundo com o dedilhar das cordas, correndo em simultâneo os arcos com a rudez pretendida para que se sinta, várias vezes em contraponto à doçura de Jones, contribuindo, em grande medida, para o ambiente vanguardista do início do séc. XX que várias vezes assomou perante nós.  

Claro, o trio de cordas contava com mais um elemento, um nome de peso na improvisação, um dos cartões-de-visita do Canadá.  Colaboradora reconhecida do baterista Dylan van der Shyff, do trompetista Dave Douglas ou do teclista Wayne Horvitz, cruzou-se com sumidades como Butcher Morris, René Lussier ou o “nosso” Carlos Zíngaro, com quem assinou “Western Front; Vancouver 1996”. Isto anda tudo ligado, como diria Eduardo Guerra Carneiro. E a violoncelista não deixou os seus créditos por mãos alheias, assinando alguns momentos de grande cumplicidade, quer com Jones, quer com a dupla de violinos que a acompanhava. 

Referiu-se a dimensão espiritual, e não por acaso. Ainda antes do encore (“não preparámos nada, esta é uma peça completa, que apresentámos, mas alguma coisa se arranjará para vocês”, ironizou Jones), ao apresentar a quarta parte da suite que serviu de trave-mestra ao concerto, o saxofonista (e compositor) explica-nos a razão do título dessa parte, “Damon and Pythias”, vindo de uma lenda grega. Pythias foi preso e pede ao Rei que o liberte, precisa de tratar de alguns assuntos. O Monarca aceita, na condição de alguém tomar o seu lugar, até ao seu regresso. Damon é esse alguém e, contra todas as expectativas, Pythias regressa, para assumir a sua palavra e as suas consequências. O Rei, abismado, liberta ambos. “E vocês, têm algum amigo assim?”, pergunta Jones ao público. Ao longo dessa peça, Darius Jones vogava pelo palco, tocando longe do microfone, mas já muito próximo de nós. 

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Jazz no Parque ao Sábado, em Serralves (com entrevista a Rodrigo Amado, programador) https://branmorrighan.com/2022/07/jazz-no-parque-ao-sabado-em-serralves.html https://branmorrighan.com/2022/07/jazz-no-parque-ao-sabado-em-serralves.html#respond Fri, 01 Jul 2022 20:32:20 +0000 https://branmorrighan.com/?p=25291
Jazz no Parque

Arranca hoje a 31ª edição de Jazz no Parque, a iniciativa que leva a improvisação musical a Serralves. Três datas, três sábados, 2, 9 e 16 de Julho, com curadoria do mais internacional saxofonista português, Rodrigo Amado (que também nos deixa algumas pistas).

João Morales

A edição deste ano do Jazz no Parque sublinha o perfil da instituição que o acolhe, aglomerando propostas variadas com um carácter contemporâneo em comum, bem como uma evidente intenção de ultrapassar as fronteiras previsíveis para um festival assim designado, de Jazz.

Maria da Rocha @ Pedro Sadio

O certame arranca esta tarde, às 16h, na casa de Serralves, com a violinista Maria da Rocha, viajante que se move num experimentalismo electro-acústico, malgrado a sua experiência com orquestras clássicas, executando Beethoven, Hindemith, Hoffmeister ou Telemann.

Com um interessante percurso internacional, que passa pela apresentação de peças suas no Reino Unido, Alemanha, Suécia, Bélgica ou Polónia, deixou já registos gravados, como a presença no álbum Pink (em duo com Maria W. Horn;Creative Sources; 2015) ou o impactante registo a solo Beetroot and Other Stories (Shhpuma Records; 2021).

Luís Vicente @ Cees van de Ven

Pelas 18h será a vez do Luís Vicente 4tet se apresentar no Ténis do Parque de Serralves. Reconhecido como uma das mais carismáticas presenças na nova vaga de improvisadores portugueses o trompetista, que já gravou com Michael Moore, William Parker, Hamid Drake, Roger Turner, Gabriel Ferrandini ou Gonçalo Almeida, apresenta-se acompanhado de uma secção rítmica composta por Luke Stuart (contrabaixo) e Pedro Melo Alves (bateria), emparelhando os sopros com o saxofonista americano John Dikeman (com quem gravou, entre outros, o extraordinário Goes Without Saying, But it’s Got to Be Sad (com os referidos Parker e Drake; JACC Records; 2020).

Mette Rasmussen @ Francesco Saggio

A música regressa dia 9 ao Ténis do Parque de Serralves, pelas 18h, desta vez com o Mette Rasmussen Trio North. A saxofonista dinamarquesa, figura marcante que já trabalhou com Chris Corsano, Joe McPhee ou Ken Vandermark, mas arriscou igualmente apresentar-se a solo ao longo de toda uma tournée da banda de pós-rock Godspeed You! Black Emperor, surgirá em palco acompanhada de dois noruegueses, o contrabaixista Ingebrigt Håker Flaten, membro da Exploding Star Orchestra e dos nórdicos Atomic, bem como do baterista Olaf Olsen, membro da banda rock Bigbang.

Sara Serpa @ Ebru Yildiz

Uma das grandes incógnitas, expectativas, surpresas (escolher adjectivo a gosto) foi deixada para o final. O terceiro e último Sábado do festival, dia 16, abre com um espectáculo onde a palavra estará no centro das atenções, com o projecto Intimate Strangers, liderado pela cantora Sara Serpa. Inserida na cena nova-iorquina desde 2008, conta com uma lista impressionante de colaborações artísticas no seu percurso, incluindo nomes como John Zorn, Ingrid Laubrock, Erik Friedlander, Nicole Mitchell, Kris Davis, Angelica Sanchez, Matt Mitchell, Zeena Parkins, Mark Turner ou Ashley Fure.

Na prestação preparada para o Jazz no Parque 2022 surgirá acompanhada de duas outras cantoras, Sofía Rei e Aubrey Johnson; de Erin Pettigrew, cuja intervenção se deverá prestar no âmbito da chamada spoken word, e dois outros músicos: Fabian Almazan, jovem pianista cubano, e Qasim Naqvi, mais conhecido como baterista, ou compositor de música para filmes, dança ou teatro. Contudo, em Serralves terá nas mãos um sintetizador modular.

Ricardo Toscano @ Miguel Estima

E o festival encerra às 18h, com um trio constituído por três músicos portugueses, incluindo uma das confirmações da última década, o jovem saxofonista Ricardo Toscano (n. 1993) que, entre outras aventuras, tem demonstrado as suas potencialidades com The Mingus Project ou Lisbon Underground Music Ensemble. Ao seu lado, estarão o acordeonista João Barradas (com Mark Turner, Avishai Cohen, Jim Black ou Frank Mobus num curriculum com espaço para acompanhamento regular em algumas formações recentes de Jorge Palma) e o baterista João Pereira, músico com um percurso internacional onde se cruzou com nomes como Mário Laginha, Jeffery Davis, John Ellis, Matt Pavolka, Perico Sambeat, Maria João ou Peter Bernstein.

Entrevista Rápida a Rodrigo Amado, Programador da edição Jazz no Parque 2022

Rodrigo Amado @ Luis Lopes

Em cinco questões, Rodrigo Amado, programador desta edição do Jazz no Parque, músico português internacionalmente reconhecido, explica-nos as escolhas.

Quais foram os critérios para a composição deste programa?

Antes de mais, queria dar continuidade ao excelente trabalho feito pelo Rui Eduardo Paes, o meu antecessor na programação do ciclo. Talvez procurando agora dar um pouco mais de destaque à componente jazz do programa. Para mim, o ponto mais importante era sem dúvida apostar inequivocamente nos músicos e na cena jazz nacional. Somos já considerados uma das comunidades jazz mais vibrantes e activas da Europa e este apoio a nível interno é fundamental para dar continuidade a esse processo.

Por outro lado, queria também prestar particular atenção à representatividade de género. O número de mulheres a desenvolverem um trabalho interessante e consistente nas áreas do jazz e da música improvisada é cada vez maior, com algumas delas a atingirem já as linhas da frente. Este é, na minha opinião, um ponto fundamental. Por fim, quis também apostar em músicos que ultrapassam e desafiam as fronteiras do género, contribuindo para algo em que acredito – um jazz vivo, aberto a influências e contaminações exteriores. Um jazz profundamente de agora, onde a liberdade e criatividade não têm limites.

Sendo tu músico, de que forma isso pode influenciar as tuas escolhas como programador de um festival?

Penso que essa influência se dá a variadíssimos níveis, sendo talvez o mais importante o facto de que, como músico que se move no circuito Europeu, estou dentro da cena. Conheço pessoalmente muitos dos músicos e tenho uma visão privilegiada do que está a acontecer, num determinado momento, a nível internacional. Por outro lado, acredito também que as características principais que fazem de alguém um bom programador nesta área não estão ligadas ao facto de se ser músico. Isso não deve ser sobrevalorizado.

Pode haver músicos com quais te interesse, a título pessoal, mas que consideres inadequados ao programa que estás a preparar? Como se processa essa separação, digamos, na tua selecção?

Claro que sim. A actividade de programação envolve um fortíssimo exercício de contenção, análise e auto-crítica. Isto, no sentido de que o nosso próprio gosto é apenas um dos critérios de escolha. Essa é, aliás, a chave para esta disciplina, ou seja, o modo como equilibramos gosto pessoal, perfil do ciclo ou festival, prioridades sociológicas, preferências do público, tendência actuais, visões futuras… enfim, um sem número de factores que, combinados de uma determinada forma, fazem a personalidade do programador.

Tens tocado muito fora de Portugal, como comentas a presença de músicos portugueses, de gerações mais novas, além-fronteiras?

A internacionalização da nossa música é muito importante. Não para dizermos que vamos lá fora, mas porque esse movimento é essencial para o crescimento e desenvolvimento da própria música. É como viajar. Aquilo que aprendemos é enorme, importantíssimo. De qualquer forma estamos no bom caminho. Nunca houve tantos músicos nacionais a circular na Europa. Mas é preciso fazer mais.

E quanto ao nível dos festivais de jazz que se realizam no nosso país, podemos estar orgulhosos do percurso feito nestas décadas?

Portugal tem alguns festivais de jazz com enorme qualidade e alcance internacional. No entanto penso que os grandes festivais têm falhado de forma sistemática no espaço e destaque dado aos músicos portugueses. Parece que são eles os primeiros a não acreditar na nossa música. Acho que poderíamos estar mais orgulhosos.

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JAZZ EM AGOSTO 2021 – ROOTS MAGIC – Raízes bem regadas https://branmorrighan.com/2021/08/jazz-em-agosto-2021-roots-magic-raizes-bem-regadas.html https://branmorrighan.com/2021/08/jazz-em-agosto-2021-roots-magic-raizes-bem-regadas.html#respond Tue, 10 Aug 2021 10:27:30 +0000 https://branmorrighan.com/?p=25147 Roots Magic
Fotografia: Vera Marmelo – Gulbenkian Música

Roots Magic, aqui em formato de sexteto, encerraram o Jazz em Agosto 2021, na Fundação Calouste Gulbenkian. Bom trabalho de equipa, com dedicatórias especiais a alguns nomes emblemáticos e um olhar abrangente. Descontraído. 

A mestria de cada um destes músicos, no entendimento que este projecto implica, passa por uma noção apurada de como defender uma voz própria sem trair a arquitectura global, como improvisar de forma viva e orgânica sem que isso provoque alguma disrupção face ao pano de fundo que faz as vezes de palco sonoro onde cada um deles actua. Designam-se Roots Magic e encerraram o Jazz em Agosto 2021, perfazendo uma espécie de moldura com o concerto de abertura do festival. É essa a magia das boas raízes, mesmo quando invisíveis, suportarem um crescimento saudável das ramificações emergentes.

Com três álbuns disponíveis na sempre atenta editora Clean Feed, os Roots Magic Passaram pelo Jazz im Goethe Garten, em 2017, e pelo Seixal Jazz, no ano seguinte, ambas as vezes em quarteto. Desta vez, a Alberto Popolla (clarinetes), Errico De Fabritiis (saxofone alto), Gianfranco Tedeschi (contrabaixo) e Fabrizio Spera (bateria) juntaram-se Francesco Lo Cascio (vibrafone) e Eugenio Colombo (flauta). 

Assistimos a uma noite musical alimentada por uma dualidade consciente e sabiamente gerida, fazendo-nos passar de momentos de grande delicadeza, quase sempre mantidos pelo flautista Eugenio Colombo (colaborador habitual da Italian Instabile Orchestra), contando com a cumplicidade dos dois elementos da percussão, recorrendo sobejamente a sinos, metais, pequenos gongs e outros artefactos. O clima etéreo, a cadência de caravana em marcha, ganharam com essa opção. Contudo, a outra face da moeda foi a investida dos sopros, com Alberto Popolla a evidenciar alguma coordenação (como se via, por exemplo, nas passagens articuladas com Francesco Lo Cascio, ao qual instruía curtas indicações que pontuariam passagens). Colombo usou o saxofone soprano, no primeiro tema e no penúltimo, antes do encore.

Fotografia: Vera Marmelo – Gulbenkian Música

Fabrizio Spera, que conta com uma lista impressionante de sumidades com quem já partilhou os palcos (incluindo Peter Kowald, Wadada Leo Smith, Butch Morris, ROVA, Tim Hodgkinson, Lol Coxhill, Alfred Harth, Evan Parker, Phil Minton, Alvin Curran ou Frank Gratkovski), mostrou-se sempre muito dinâmico, uma peça fundamental nessa transição entre os ambientes amenos e as dinâmicas mais possantes.

As linhas de orientação, traçaram rotas que denunciam passagens por África, Ásia, mas também os mares e ares do Pacífico, com uma base de latinidade, mais ou menos latente, em diversos momentos, acolhendo o ritmo para depois servirem de rampa de lançamento, recordando que, não apenas os blues, mas a o todo da espiritualidade negra que assombrou o Jazz, em especial na década de 60, não é um elemento de somenos nesta equação. O ritmo nunca foi renegado, num concerto que contou com passagens que poderiam remeter a memória para Cannoball Aderlely ou o New York Jazz Quartet

“Devil Got my Woman”, um blues originalmente composto e interpretado por Skip James, um dos músicos que esta formação homenageia em diversos momentos, e identifica como uma das suas influências seminais, foi um bom exemplo desse entendimento minucioso, que contemplou momentos onde a flauta de Colombo e o contrabaixo de Gianfranco Tedeschi vaguearam com subtileza, em prólogo à intervenção colectiva da gama de sopros, visitando até terrenos muito, muito próximos do jazz-rock, para tudo isso permitir chegar à tal improvisação, sem nunca macular a base rítmica.

De Marion Brown, saxofonista que integrou a gravação do histórico Ascension, de John Coltrane, trouxeram-nos “November Cotton Flower”, com reminiscências telúricas do sul americano e as suas plantações, teatralizadas numa discreta harmónica soprada por Errico De Fabritiis.

Fotografia: Vera Marmelo – Gulbenkian Música

A herança de Chicago (ou não fosse de um dos seus mais ilustres representantes, justamente o Art Ensemble of Chicago, o mantra “great black music, ancient to the future”), assumiu-se e fulanizou-se em dois momentos altos do concerto, uma evocação a Muhal Richard Abrams, através do tema “Blue Lines”, e a Kalaparusha Maurice McIntyre, dedicando ao contrabaixista Milford Graves, falecido em Fevereiro deste ano, uma recriação do mítico “Humility in the Light of the Creator”, tema que titula o álbum de estreia do saxofonista, disco de 1969.

Um concerto muito interessante, repita-se, pela ligação que estabeleceu com a memória, embora de forma distinta do que os Broken Shadows fizeram na noite de abertura, porém, acima de tudo, pela forma orgânica como todos os elementos se relacionam e pelo respeito constante pelo ritmo, mesmo quando a voz é dada, em primeiro plano, a cada solista. Quando as raízes são de qualidade, devidamente acarinhadas, o jardim está seguro. 

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JAZZ EM AGOSTO 2021 – BROKEN SHADOWS – Ornette is in the House! https://branmorrighan.com/2021/08/jazz-em-agosto-2021-broken-shadows-ornette-is-in-the-house.html https://branmorrighan.com/2021/08/jazz-em-agosto-2021-broken-shadows-ornette-is-in-the-house.html#respond Sun, 01 Aug 2021 15:18:15 +0000 https://branmorrighan.com/?p=25131
BROKEN SHADOWS
Fotografia: Vera Marmelo – Gulbenkian Música

O mais recente projecto de Tim Berne, o quarteto Broken Shadows, celebra a música de Ornette Coleman porque, o que é genuinamente novo, nunca envelhece. A primeira noite do Jazz em Agosto 2021 foi uma demonstração de como é importante conhecer o passado para ter razão no presente. Excelente! 

João Morales

Se um pequeno marciano tivesse acabado de aterrar entre nós e, alimentando uma curiosidade natural, pretendesse descobrir ao que soa o Jazz, o concerto de Broken Sahdows, projecto recente conduzido por Tim Berne, criado para reviver e homenagear as composições desse génio maior que foi Ornette Coleman, seria uma óptima oportunidade. Depois do concerto inicial (o trio-maravilha que junta Peter Brötzmann, Alexander von Schlippenbach e Han Bennink) ter sido cancelado, o festival abriu na tarde de dia 30 com um solo do trompetista Luís Vicente. Mas esta foi a escolha do programador Rui Neves, para a primeira noite de música, em substituição dos The End, igualmente cancelados.

“Isto de ser moderno é como ser elegante: não é uma maneira de vestir, mas sim uma maneira de ser”, escreveu José de Almada Negreiros. Pois, é com uma enorme elegância, que o quarteto, com Berne em saxofone alto, Chris Speed em tenor, acompanhados por dois terços dos Bad Plus, Reid Anderson, em contrabaixo, e Dave King, na bateria, entraram em cena (e a abertura da cortina em fundo, com a luz final do dia a permitir ainda ver o jardim no exterior, num ano em que todos os concertos decorrem em salas interiores, pede bem esta expressão). 

Fotografia: Vera Marmelo – Gulbenkian Música

A sombra de Coleman é evidente, como será ao longo de todo o concerto, criando um equilíbrio entre a forma do Jazz que estava para vir e a actualização do discurso e da abordagem, tendo em conta que os músicos em questão, não só conhecem bem o trabalho de onde partem, como são já protagonistas de um percurso avantajado, o que lhes implica a integração de um vocabulário não só próprio, pessoal, como bem artilhado.

A limpidez do reportório foi respeitada, da mesma forma que a sua flexibilidade sabiamente explorada (de uma forma bem distinta do que Berne já tinha feito na companhia de John Zorn, com quem gravou Spy Vs Spy, disco constituído por composições do autor de álbuns seminais, como The Shape of Jazz to Come, Tomorrow is The Question ou Change of The Century, ainda no final da década de 50).

Berne flutua com facilidade por cima das melodias e dos riffs, os dois sopros, ora nos brindam com conjugações sábias, em apenas aparente uníssono que, no fundo, constituem um diálogo em que cada um completa a intervenção do outro, como nos brindam com solos límpidos e certeiros. Speed mostra-se um parceiro seguro na linha da frente, com uma libertação ascendente ao longo do concerto (que se estendeu por uns generosos 90 minutos). O swing e o pós-bop, com ampla margem de manobra para a improvisação e apropriação, fizeram a sua parte, numa refeição sonora de qualidade requintada, confecionada por mãos sábias e ouvidos – muito – bem alimentados. 

Fotografia: Vera Marmelo – Gulbenkian Música

David King confirmou-se como um músico irrequieto, desde o início, assegurando uma pulsação desafiante, mesmo em passagens aparentemente mais calmas, recorrendo a ritmos rápidos e passagens bruscas, evocando estilistas como o já referido Bennink ou o seu contemporâneo Joy Baron, demonstrando uma enorme expressividade, entrega, e até humor, num sentido alargado do termo.

Reid Anderson completou adequadamente o quadrilátero, com alguns momentos a solo, passagens com arco, e ocupando o centro das atenções durante a revisitação de um dos títulos icónicos do legado de Ornette, “Song For Che”, o tema que incendiou o palco do 1º Cascais Jazz, em 1971, quando foi dedicado «aos movimentos de libertação de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau», pelo seu compositor… o contrabaixista Charlie Haden.

O penúltimo tema, peça icónica, “Lonely Woman”, representou um momento de comunhão entre os quatro e uma audiência há muito rendida, com a noite já plena em plano de fundo, um excelente trabalho de luzes a acentuar a convergência e a espiritualidade a fazer valer uma ponte intergeracional, que justifica o Jazz como uma dualidade constante entre transformação e coerência, tradição e modernidade, reencontro e surpresa.

Berne, assumidamente cansado (a presença deste projecto foi necessária há poucos dias), porém, visivelmente feliz. Tempo ainda para uma delicadeza, um encore de dois ou três minutos. Mesmo com as máscaras, o pequeno marciano parecia sorrir.

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Jazz 2020: encerramento em dose dupla, por João Morales https://branmorrighan.com/2020/08/jazz-2020-encerramento-em-dose-dupla.html https://branmorrighan.com/2020/08/jazz-2020-encerramento-em-dose-dupla.html#respond Tue, 11 Aug 2020 18:18:00 +0000 © Fundação Calouste Gulbenkian – Vera Marmelo

O Jazz 2020 encerrou com uma dupla prestação, Lantana, um colectivo assente na improvisação e João Mortágua – Dentro da Janela, um quinteto alegre e dinâmico.

João Morales

Já, por mais que uma vez, explicaram a origem do nome. Lantana é uma planta, cujas flores podem ter cores bastante diferentes. Uma metáfora para a diversidade que encaram como mote, na vida e na criação musical. Sexteto exclusivamente feminino, abriram a última noite do Jazz 2020, o festival criado para substituir o habitual Jazz em Agosto, no anfiteatro da Fundação Calouste Gulbenkian, recorrendo apenas a músicos portugueses ou residentes em Portugal.

A música destas seis mulheres assenta numa cumplicidade sonora, surgindo por improvisação livre, embora combinada entre os seis instrumentos. Uma formação que conta com três cordofones (dois violoncelos – Joana Guerra e Helena Espvall e um violino – Maria do Mar), um trompete (tocado com surdina e o auxílio de alguns efeitos), uma voz (Maria Radich), um trompete (Anna Piosik) e a electrónica manipulada (por Carla Santana).

O ambiente remete para o que se poderia chamar uma improvisação de câmara, com intervenções curtas de cada interveniente, todas entrelaçadas, o que resulta na malha sonora para a qual todas contribuem de igual modo. O violino funciona como um vértice. Os dois violoncelos alternam entre a construção comum de um pilar rítmico, seguro e possante, destinado a acolher sonoridades laterais e o manuseamento de um dele através do dedilhado, como um pequeno contrabaixo.

O texto dito por Radich funciona como um mantra, não são as palavras em evidência, mas a textura, entre um sussurro fantasmagórico ou onírico e o estraçalhar da escala, evocando influências de Lauren Newton ou Maggie Nicols. Em redor dos três instrumentos de cordas, saltitam o discreto trompete de Piosik, com surdina, levando amiúde a pensar em Jon Hassell. Muitas das vezes, aliado próximo dos efeitos gerados por Santana, como um curioso amplificar de água vertida, fazendo do microfone o instrumento. Cerca de 30 minutos, durou esta (demasiado) curta actuação, preenchidos com um tema único.

Mas a noite era de visita dupla e seguiu-se o quinteto Dentro da janela, liderado por João Mortágua. Essencialmente em alto, mas com uma excelente prestação no soprano, acompanhado por José Pedro Coelho (saxofone tenor), 

Miguel Moreira (guitarra), José Carlos Barbosa (contrabaixo) e José Marrucho (bateria).

Os cinco músicos passearam-se por um pós-bop encorpado e alegre, com alguns momentos de diálogo, mas sem nunca se assistir a um “duelo de saxes”. A guitarra de Miguel Moreira, aparelhada com pedais e efeitos, que, contudo, não escondem uma técnica apurada e aperfeiçoada, funciona como elemento fundamental no grupo, concedendo-lhe uma tonalidade identitária especial. Um léxico que comporta ecos, repetições e o uso cuidados do delay, o efeito de atraso no som que permite repescá-lo e utilizá-lo de novo. Um músico a manter debaixo de olho.

Os dois sopros visitaram espaços musicais habitados pelos fantasmas de Pharoah Sanders ou Henry Threadgill, pela dimensão espiritual experimentada, ou pela evidente componente lúdica, construindo um pequeno jogo de encaixes em que a diversão era evidente. Um ou outro momento, denunciando leves toques de Funk ou Bossa, completavam o ramalhete.

O tema em que Mortágua pegou no soprano levou-nos para outras paragens, até mesmo para um certo ambiente de Jazz-rock que poderia ser herdeiro dos Embryo (de Charlie Mariano) ou The Whole World (com Lol Coxhill), com uma melodia em crescendo que acabou por se espraiar. Uma última nota para a presença de José Marrucho, que já escutáramos no concerto de abertura do festival, com o colectivo Coreto, mas que, neste contexto, se revelou muito mais interventivo e dinâmico.

Este segundo concerto durou perto de hora e meia. Foi o encerramento desta iniciativa, preenchida pelas escolhas musicais de Rui Neves, concebida para assegurar que o Jazz, em Agosto, marca presença na Fundação Calouste Gulbenkian, mesmo quando a audiência é totalmente composta por mascarados, forçosamente afastado entre si por (dois) lugares vazios. Todos queremos voltar a ver aquele auditório a abarrotar…

© Fundação Calouste Gulbenkian – Vera Marmelo
© Fundação Calouste Gulbenkian – Vera Marmelo
© Fundação Calouste Gulbenkian – Vera Marmelo
© Fundação Calouste Gulbenkian – Vera Marmelo
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Jazz 2020: a mão de sete dedos, por João Morales https://branmorrighan.com/2020/08/jazz-2020-mao-de-sete-dedos-por-joao.html https://branmorrighan.com/2020/08/jazz-2020-mao-de-sete-dedos-por-joao.html#respond Mon, 10 Aug 2020 14:57:00 +0000
© Fundação Calouste Gulbenkian – Vera Marmelo

Um trio clássico de Jazz e um quarteto de percussões oriundo da Contemporânea entram em palco e mostram ao que vêm. Daniel Bernardes e Drumming GP revelaram-se uma história bem contada, no antepenúltimo concerto do Jazz 2020, da Fundação Calouste Gulbenkian. 

João Morales

Um auditório muitíssimo bem composto, apesar de restringido à diminuição de lugares que a pandemia implica, foi o cenário que acolheu na Sexta-feira, dia 7, este curioso projecto conduzido pelo pianista Daniel Bernardes, e ao qual deu a designação de Liturgia dos Pássaros, como referência ao compositor Olivier Messiaen. Estava inaugurado o segundo fim-de-semana do Jazz 2020, a iniciativa que assegura a presença desta música no anfiteatro da Fundação Calouste Gulbenkian. 

Os primeiros sons que se escutaram foram produzidos por arcos em contacto com os dois vibrafones (manejados por Pedro Góis e Jeffrey Davis), produzindo harpejos cristalinos e quase celestiais. O cenário sonoro foi completado pela passagem bem enquadrada de um avião, dos muitos que os habituais frequentadores do anfiteatro da Fundação Calouste Gulbenkian, estão mais que habituados bestas noites de Jazz. A marimba de Miguel Bernat e o xilofone de João Dias completavam o quarteto percussivo que dá pelo nome de Drumming GP.

A eles, juntava-se um trio clássico de Jazz, com Daniel Bernardes no piano (e composição), António Quintino (contrabaixo) e Mário Costa (bateria). No total, um septeto quase improvável que, não renegando toda uma herança mais que evidente da Música Contemporânea, conseguiu por diversas vezes introduzir a dinâmica da improvisação e a surpresa de tocar em conjunto, ao vivo, de forma irrepetível.

A parede rítmica inicial ergueu-se à sombra de um minimalismo encorpado e devedor da articulação colectiva, com algumas passagens mais suaves do piano a fazerem lembrar alguns momentos delicados de Bill Evans. A bateria de Mário Costa funciona como uma espécie de relógio, de metrónomo, de fiel que permite ao conjunto balançar sem pender demasiado. 

O líder do projecto vai deslizando os dedos pelas teclas numa demonstração de subtileza, sugerindo um clima que seria adequado à banda sonora de um melodrama, melancólico e sentido. As nuances que garantem a dinâmica da música jogam-se na diversidade de timbres.

Jeffrey Davis vai dando um ar da sua graça em alguns curtos solos, Bernat, apesar de ser o mentor do agrupamento de percussão, mantém uma serena discrição nas suas intervenções. Ligeiros apontamentos conseguidos com outros elementos de percussão ajudam a compor o ambiente.

O pianista vai apresentando os temas. “19”, que abriu o set; “Bolero” (com um conjunto de falsos finais que ia baralhando os aplausos mais afoitos); “Ao Olivier” (reconhecendo, mais uma vez, o Mestre inspirador); “Globular Clusters” ou “Sobre Kieślowski”, em homenagem ao realizador da trilogia com as cores da bandeira francesa, como o compositor fez questão de referir.

Este concerto foi mais uma demonstração das relações quase incestuosas que o Jazz e a Música Contemporânea podem desenvolver, preconizando um papel fundamental para a composição, embora sem qualquer desprimor para a mestria e capacidade de interpretação de cada um dos envolvidos. É também um reflexo da forma como uma nova geração (Daniel Bernardes nasceu em 1986) conduzirá um legado devedor das pautas e da intuição. Afinal, Daniel foi o primeiro licenciado em Piano Jazz, na Escola Superior de Música de Lisboa, em 2011, oito anos depois de ter participado nos Seminários de Composição da Fundação Calouste Gulbenkian, orientados por Emmanuel Nunes.

A noite encerrou com a multidão mascarada escutando “Ostinato Interlúdio e Canção nº 5”, com um início em que a marimba sobressai, o piano parece ganhar asas e há espaço para alguns solos esclarecedores, como os de, novamente, Jeffrey Davis ou o baterista Mário Costa. 

No fundo, os sete músicos funcionaram de forma coerente, como os dedos ginasticados de uma mesma mão. Uma noite bem passada e com algumas pistas sobre a forma como se podem conjugar duas linguagens sonoras que transportam consigo a vanguarda e a evolução constante, herança de um séc. XX profícuo em vanguardas e avanços estéticos, que agora urge conservar e manter em forma, recorrendo sempre à idiossincrasia de cada projecto. Ainda mais num caso como este, que aposta numa formação muito pouco habitual, apesar do resultado final se pautar por uma salutar e quase imediata osmose com a audiência.

© Fundação Calouste Gulbenkian – Vera Marmelo
© Fundação Calouste Gulbenkian – Vera Marmelo
© Fundação Calouste Gulbenkian – Vera Marmelo
© Fundação Calouste Gulbenkian – Vera Marmelo
© Fundação Calouste Gulbenkian – Vera Marmelo
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JAZZ 2020: UM CORETO BEM COMPORTADO, por João Morales https://branmorrighan.com/2020/08/jazz-2020-um-coreto-bem-comportado-por.html https://branmorrighan.com/2020/08/jazz-2020-um-coreto-bem-comportado-por.html#respond Mon, 03 Aug 2020 00:02:00 +0000 © Fundação Calouste Gulbenkian – Vera Marmelo

O Jazz 2020, festival que substitui este ano o Jazz em Agosto, abriu com o colectivo Coreto. Aprumados e competentes, mas sem o rasgo e o risco que sublinhariam o optimismo com que avançámos para o anfiteatro da Fundação Calouste Gulbenkian. 


João Morales 

O aumento do número de colaboradores que durante cerca de meia hora orientaram o público até aos lugares certos, todos de máscara (apesar de estarmos ao ar livre), espectadores e funcionários, não deixava margem para dúvidas: um concerto na Era Covid. 

Como já muitos sabem, a pandemia que se faz sentir internacionalmente também afectou o Jazz em Agosto. Impossibilitada de contar com músicos vindos do estrangeiro, a Fundação Calouste Gulbenkian suspendeu o festival e trocou-o pela iniciativa Jazz 2020, em parceria com duas associações: Jazz ao Centro (de Coimbra) e Porta-Jazz (do Porto). 

E foi pela mão da – também – editora da Invicta que chegou, a 31 de Julho, ao Anfiteatro, o grupo escolhido para estrear este festival, completamente preenchido com músicos portugueses ou residentes em território nacional. Coreto, assim se designa este projecto, com 12 músicos em palco – piano contrabaixo, bateria, guitarra, quatro saxofones, dois trompetes e dois trombones. 

O essencial deste agrupamento, herdeiro das orquestras de Jazz, mas com uma linguagem actualizada, sem que isso implique uma postura permanentemente experimentalista ou assumidamente atonal, passa pela riqueza dos arranjos e pelo entrecruzar dos seus músicos, assegurando uma manta de matizes semelhantes, que acolhem o carisma próprio de cada um. 

O ambiente sonoro inicial quase remetia para o genérico de uma série policial, nórdica possivelmente, e rapidamente se evidenciou a dinâmica colectiva que norteia o grupo, numa actuação que, a espaços, faria evocar nomes como Gil Evans ou George Russell, pela forma como trabalharam colectivos de músicos em ambiente Jazz, sem nunca alinhar numa postura histriónica, mas mantendo um grau de originalidade considerável. 

Durante o primeiro tema, “Raiz”, Ricardo Formoso destacou o seu trompete, melódico mas incisivo, acompanhando o tapete móvel que a restante parafernália de metais lhe oferecia. Depois, “Sob Escuta” iniciou-se com solos e riffs, sublinhado novamente a importância da escrita nesta música, mas também de uma aperfeiçoada cumplicidade. 

Susana Santos Silva solou, mas nunca se destacou ao longo da noite, possivelmente por ser aqui convidada, e líder de outro agrupamento, no dia seguinte. Ao longo de outros temas, com títulos como “Rádio”, “Transistor” ou “Curto-circuito” fomos conhecendo melhor o contrabaixo de José Carlos Barbosa, o piano de Hugo Raro, o tenor de Hugo Siríaco ou, a merecer algum destaque, o trombone de Daniel Dias e a bateria sincopada de José Marrucho, que nos mostrou como minimalismo não é sinónimo de recursos reduzidos. Alguma condução ia sendo assegurada pelo saxofonista e flautista João Pedro Brandão. 

Apesar da competência, não se pode afirmar que tenha sido uma abertura espampanante, antes um desfilar de bom comportamento, até pouco habitual neste espaço, pelo mês de Agosto. Num tempo em que o contacto físico está cerceado, a ansiedade paira sobre as cidades, a distância entre as pessoas deixou de ser uma metáfora e a frieza do virtual cibernético tomou conta do nosso quotidiano, será bom que os restantes convidados para este Jazz 2020 tenham a capacidade nos arrebatar e insuflar. E como precisamos de um bom sopro divino… 

© Fundação Calouste Gulbenkian – Vera Marmelo
© Fundação Calouste Gulbenkian – Vera Marmelo
© Fundação Calouste Gulbenkian – Vera Marmelo
© Fundação Calouste Gulbenkian – Vera Marmelo
© Fundação Calouste Gulbenkian – Vera Marmelo

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Jazz em Agosto 2019: Mary Halvorson Code Girl – A canção do futuro https://branmorrighan.com/2019/08/jazz-em-agosto-2019-mary-halvorson-code.html https://branmorrighan.com/2019/08/jazz-em-agosto-2019-mary-halvorson-code.html#respond Mon, 19 Aug 2019 09:50:00 +0000 © Jazz em Agosto / Petra Cvelbar    

Para encerrar o Jazz em Agosto deste ano, Mary Halvorson regressou com um novo formato, onde a contemporaneidade e a improvisação servem de pretexto para operar sobre o formato de canção. O resultado é excelente.

Por João Morales

Já nos visitou por diversas vezes, mas continua a ter o dom de brindar o auditório com propostas inovadoras, dando a conhecer de uma forma cada vez mais ampla o universo de possibilidades que tem arriscado explorar. Mary Halvorson não é só uma interessante e criativa guitarrista e compositora, é também responsável pela concepção e coordenação de diferentes formações, explorando e forçando com inteligência os limites do Jazz contemporâneo.

Code Girl é a designação do sexteto que nos trouxe para encerrar o Jazz em Agosto 2019. A primeira vez que nos visitou integrava um colectivo liderado pelo gigante Anthony Braxton e as coisas acabam por fazer sentido em consonância, uma vez que, lemos na folha de sala deste espectáculo (tal como as restantes da autoria de Rui Eduardo Paes) «o termo “code girl” foi usado por Braxton para aludir à forma como, nas mãos desta nova-iorquina, a guitarra é uma máquina que serve para codificar e descodificar emoções».

Acompanhando os sucessivos aviões que há muito cruzam os céus do anfiteatro da Fundação Calouste Gulbenkian (embora hoje sejam em maior número do que há dez, vinte, trinta anos) o ensemble liderado pela discreta Mary Halvorson foi criando uma densidade sonora segura e estável, sem recorrer a momentos de grande ruptura, passando por alguns elementos dignos de um pós-bop sem preconceitos, integrando algumas passagens mais devedoras da improvisação, a própria Halvorson tirando partido dos efeitos dos pedais, mas tudo em conformidade com uma pintura de grupo que não procurou momentos de espectacularidade, apesar de ela se ter imposto pela qualidade orgânica da proposta.

O grupo apresenta-se com duas vozes. Uma, Maria Grand, que além do saxofone tenor acompanhou em diversas passagens a voz principal. Mas foi Amirtha Kidambi, cantora que já trabalhou com nomes como Matana Roberts, Ingrid Laubrock, Trevor Dunn ou William Parker a captar as maiores atenções. De ascendência indiana, integra a modernidade com enorme naturalidade no seu trabalho (já executou peças de Muhal Richard Abrams ou Robert Ashley), demonstrando ao mesmo tempo uma pureza de timbre que faz parecer clássicos os mais inventivos movimentos.

A sua abordagem, inicialmente bastante tradicional (em algumas passagens a fazer lembrar até Joni Mitchel), resulta de uma exposição a várias formas de composição e execução, como sejam a Clássica, a Contemporânea, a tradição indiana e a improvisação – transversal a várias delas. Há indícios do trabalho icónico e incontornável de Maggie Nicols ou Julie Tippett, passando depois a integrar no seu discurso sonoro uma paleta de sons onde cabem onomatopeias, ascensões de timbre e prolongamento de sílabas em diversas palavras, o que provoca um efeito orquestral sub-reptício, mas muito eficaz. Vale a pena descobrir um outro projecto em que está fortemente envolvida, Elder Ones.

Logo no início do concerto esta voz ondulante, serpenteante, surpreende, bem como o swing imediatamente evidente, a capacidade de criar ondas de ritmo e um apelo quase físico demonstrado por um excelente baterista, Tomas Fujiwara, um jovem nascido em 1977 que já tocou com gente como Anthony Braxton ou John Zorn. Ao longo de toda a noite, Fujiwara foi um dos pilares deste agrupamento, sempre na linha da frente, sempre com um ritmo alucinante, sempre a acompanhar cada um dos elementos quando era necessário ir mais adiante. Um outro músico a reter no radar. Aliás, esta é também uma das mais-valias de um festival com a grandiosidade e variedade do Jazz em Agosto; ao trazer grupos que estão no activo há pouco tempo, estamos a assistir em tempo real ao crescimento criativo de alguns dos nomes que serão, certamente, ícones das gerações seguintes.

Dois sopros marcam presença nesta aventura, a já referida Maria Grand no saxofone tenor e o trompetista Adam O’Farrill, que também teve direito a alguns solos, momentos em que pôde demonstrar as suas capacidades. No baixo, Michael Formanek, um veterano. Se, nos anos 70, ainda adolescente, acompanhou o baterista Tony Williams ou o saxofonista Joe Henderson, e na década seguinte juntou ao palmarés dos palcos heróis como Stan Getz, Gerry Mulligan ou Freddie Hubbard, o trabalho consolidado com Dave Burrell, Tim Berne ou Marty Ehrlich sagrou o seu nome. Formanek, cuja segurança foi notória na forma como se articulou ao longo de toda a noite, mantendo quase sempre uma preponderância nas diferentes combinações que surgiam em diferentes passagens, utilizando a sapiência da experiência para mascarar a inventividade com a naturalidade de quem domina as suas diferentes facetas.

Na génese de tudo isto, Mary Halvorson, a personagem mais discreta em palco, uma mulher de pequena estatura que, não obstante os elogios que tem recebido da crítica e dos seus pares, com a consequente oportunidade de arriscar formatos e encontros que não estão ao alcance de todos (Marc Ribot, Peter Evans, Elliott Sharp) se manteve discreta ao longo da noite. As composições são suas (e, ao contrário do que se possa pensar, esta faceta da música que escutamos não será displicente, bastava atentar na quantidade de pautas que todos os músicos tinham – baterista incluído – e na preocupação que um roubo pelo vento causava a cada momento). Apenas no último tema, ainda antes do encore, Halvorson se liberta um pouco, expressando-se através de riffs mais aguerridos, escapando à quase clandestinidade a que se remeteu duramente grande parte do concerto. Regressados para o dito encore, vozes e sopros definem um campo, o trio guitarra-baixo-bateria avança por outro, convergindo os seis músicos para uma caminhada final em comum, símbolo da harmonia que se fez escutar ao longo da noite. Depois dos aplausos finais, Mary coloca a sua bolsa a tiracolo e retiram-se todos. Relembro as piadas que existem sobre a bolsa da Rainha de Inglaterra e não posso deixar de sorrir.

© Jazz em Agosto / Petra Cvelbar    
© Jazz em Agosto / Petra Cvelbar    
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Jazz em Agosto 2019: Freaks – a alegria de tocar e misturar https://branmorrighan.com/2019/08/jazz-em-agosto-2019-freaks-alegria-de.html https://branmorrighan.com/2019/08/jazz-em-agosto-2019-freaks-alegria-de.html#respond Sun, 11 Aug 2019 12:25:00 +0000 © Jazz em Agosto / Petra Cvelbar   

A segunda parte do Jazz em Agosto 2019 começou com Freaks, um sexteto liderado pelo violinista Théo Ceccaldi que nos trouxe uma música intensa e descomprometida, que bebe em várias fontes mas tem um travo muito próprio.

Por João Morales

A pujança colectiva que este sexteto apresentou contrariou o clima acabrunhado de uma noite de Agosto equivocado, deixando bem claro que a energia e a noção unânime de uma sonoridade comum são traços identificativos de um projecto devedor do Jazz, de várias tendências do Rock, mas não só. Freaks, chamam-se eles a si mesmos, e trouxeram uma lufada de som contagiante ao anfiteatro da Fundação Calouste Gulbenkian em mais um concerto do Jazz em Agosto 2019.

Théo Ceccaldi já tinha passado por este festival duas vezes; a primeira, em 2015, integrado na Orchestre National de Jazz (onde a sua forma algo anarquizante de abordar o seu instrumento deu logo nas vistas), a segunda, no ano seguinte, com o quarteto Petite Moutarde, num espectáculo devedor de influências surrealistas, acompanhando filmes de René Clair, Marcel Duchamp e Man Ray. À terceira vez, também não defraudou, com o sexteto Freaks.

Uma parte importante do som deste grupo passa pela conjugação dos dois saxofones (Mathieu Metzger – que se divide actualmente entre este projecto e os Anabasis, de Dominique Pifarély – e Quentin Biardeau) e do violino (nas mãos do próprio Ceccaldi) que, diversas vezes, apresentam o tema em uníssono, integrando uma espécie de caravana pós-moderna, derivando a partir daí para uma miríade de possibilidades. O início do concerto ficou marcado por uma vertente devedora do Jazz-rock, embora com uma musicalidade actualizada, tendência que se escutaria por diversas vezes, o que não é de estranhar, numa abordagem aglutinadora e ecléctica, como a que é levada a cabo por estes Freaks.

A influência de John Zorn é uma pista constante, tanto pelos seus Naked City, que criaram um momento de disrupção na História da Música mais recente, como por outras facetas, nomeadamente, a capacidade de evocar e desconstruir ambientes musicais próximos do easy listening. Nomes como Frank Zappa e alguns compositores do primeiro quartel do século XX (o próprio Ceccaldi realça a influência de Igor Stravinsky) também não estão isentos de responsabilidades no resultado final.

Por mais que uma vez, o mentor do agrupamento tomou conta dos holofotes principais, habitualmente acompanhado pela secção rítmica (Stéphane Decolly, no baixo elétrico, e Etienne Ziemniak – que já tocou com o saxofonista Paul Dunmall ou o contrabaixista Paul Rogers – numa explosiva e endemoninhada bateria, com o mais discreto Giani Caserotto, guitarrista).

A integração de elementos da dance music (com um Ceccaldi visivelmente satisfeito a desfrutar, bamboleando-se pelo palco), sem que nunca se tornem o cerne das atenções, a influência de algum doom rock – sem excessos, revelando a lucidez com tudo isto é misturado, com parcimónia e equilíbrio – o diálogo entre a chançon française e uma quase atonalidade que rapidamente pode dar lugar a um ambiente devedor do rock progressivo ou a um momento de falso lounge rapidamente desmascarado pela ousadia dos intérpretes, são marcas-de-água deste conjunto, que prima pela surpresa sonora e ousadia. Sempre com uma noção epicurista da música, patente no bom humor que lhe conseguem imprimir (no seu site oficial, Ceccaldi fala em “troça e extravagância, como se David Lynch revisitasse Tex Avery”).

Aliás, esta ousadia não se fica pela música, quando atentamos na postura quase queer dos seus elementos (a começar pela saia de Mathieu Metzger), atitude confirmada não pelas fotografias de promoção do grupo, como por outros vídeos de diferente projectos, patentes no youtube. Se tiverem curiosidade, espreitem “Danse de Salon”, interpretado por Ceccaldi e pelo pianista Roberto Negro, com quem mantém um duo regular.

© Jazz em Agosto / Petra Cvelbar   
© Jazz em Agosto / Petra Cvelbar   
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© Jazz em Agosto / Petra Cvelbar  
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Jazz em Agosto 2019: Heroes Are Gang Leaders – Tem a palavra a música negra https://branmorrighan.com/2019/08/jazz-em-agosto-2019-heroes-are-gang.html https://branmorrighan.com/2019/08/jazz-em-agosto-2019-heroes-are-gang.html#respond Mon, 05 Aug 2019 12:50:00 +0000 © Jazz em Agosto / Petra Cvelbar 

A segunda noite do Jazz em Agosto 2019, no anfiteatro da Fundação Calouste Gulbenkian, deveu tanto à música como à teatralização, criando uma bolha espácio-temporal que nos passeou por Harlem, enquanto nos recordava a máxima dos Art Ensemble of Chicago, quando se reclamam da “Great Black Music Ancient to the Future”.

Por João Morales

No centro das atenções, o poeta (e fotógrafo) Thomas Sayers Ellis, uma espécie de mistura entre o moderno MC, o antigo Pastor galvanizante e o actor que questiona continuamente a postura do negro na narrativa tradicional, papel que encontramos há muitos, muitos anos, em pequenas curtas-metragens musicadas, gravadas por estrelas hoje esquecidas. Ao seu lado, uma segunda voz masculina, Randall Horton (poeta e professor de inglês na Universidade de New Haven, no Estado de Connecticut) com quem “contracenou” na perfeição ao longo da noite.

Heroes Are Gang Leaders é um ensemble de doze elementos, quatro vozes à cabeça. The Amiri Baraka Sessions, espectáculo resultante do CD homónimo que apresentaram em Portugal, nasceu com o intuito de homenagear o legado, a postura e o trabalho desenvolvido por Amiri Baraka, poeta e ensaísta nascido LeRoi Jones (1934-2014) que trabalhou com alguns dos grandes nomes do Free Jazz, meio onde forjou a sua arte, ampliando a ligação encetada anteriormente por nomes da beat generation, ainda nos tempo do Be Bop.

Esta escolha do programador do festival, Rui Neves, trouxe-nos um grupo actual que é, simultaneamente, guardião de uma herança importante, amealhada em diversos contextos, hoje integrados numa genealogia que se foi dilatando.

Logo no início do concerto, surgem na memória diversas evocações que ajudam a enquadrar o que aí vem: Jayne Cortez, Sun Ra e as suas tropas espaciais (e a indispensável June Tyson), Cadentia Nova Denica (com quem John Tchicai gravou Afrodisiaca), The Colson Unity Troupe. A forma como as quatro vozes interagem herdou tiques e métodos do teatro radiofónico, enquanto a pose de coro gospel acentua a dimensão étnica e reivindicativa que vamos escutar ao longo de todo o espectáculo. Por vezes, parece que fomos transportados para as gravações de Hair, acrescentado de sopros conhecedores da importância da New Thing no Jazz e seus descendentes e de uma secção rítmica (Luke Stewart, baixo elétrico e contrabaixo; Brandon Moses, guitarra elétrica, e Warren Crudup III, na bateria) com os ensinamentos em dia, quanto às variações ao dispor – Funky e Blues incluídos. ”Somebody Blew up America. Was it You?”, pergunta Thomas…

“Amina” começa com um diálogo entre a viola de Melanie Dyer e o saxofone tenor de James Brandon Lewis, um cúmplice importante ao longo de toda a noite (aliás, um dos fundadores deste projecto), solando amiúde, com fervor mas sem se destacar demasiado, como, aliás, os restantes sopros (Heru Shabaka-Ra, músico da actual formação da Sun Ra Arkestra, no Trompete, e Devin Brahja Waldman, no sax alto, embora na maioria do tempo se tenha dedicado aos teclados).

Nas vozes femininas, destaque para Nettie Chickering, cantora e actriz, juntando-se à também pianista Jenna Camille, que nos brindou com dois momentos próximo da balada em quase solo, num ambiente de relax enquanto as tropas se preparavam para novas investidas, e Thea Matthews, poetisa reconhecida e activista assaz dinâmica).

A noite raramente amainou, passando por momentos com ecos de Reggae, harmonias vocais que não se estranhariam nos primeiros momentos dos Mothers of Invention e uma constante e persistente atenção ao público, fazendo-o sentir que tudo o que era dito, cantado, lido, tocado, não era apenas entretenimento, mas sim uma parte de algo maior e mais importante, uma opção que passa por juntar política, arte, humor e crítica para sublinhar uma postura que coincide com um papel social: «LeRoi LeRoi/ from New York Hill/ if capitalism wont kill you/ racism will», canta-se em palco.

A calorosa recepção rendeu um encore, começado num ambiente ligeiramente psicadélico, baixo eléctrico e voz do trompetista, a que se foram juntando os restantes comparsas. A bateria de Warren revelou-se fulcral nestes últimos momentos, uma espécie de metrónomo libertino que ajudou a levar a bom porto esta embarcação endemoninhada, convés partilhado em comunidade, sem esquecer a influência da Chicago dos anos 60 e todo o ambiente de Free Jazz que a cidade viu nascer e crescer, dando mesmo origem à histórica Association For The Advancement of Creative Musicians. De tudo isto se fez a noite, com a vez de Melanie Dyer a deixar um último recado, cantado em tom celestial: «you gotta get peace and love to get some freedom». E assim partimos.

© Jazz em Agosto / Petra Cvelbar 
© Jazz em Agosto / Petra Cvelbar 
© Jazz em Agosto / Petra Cvelbar 
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