John Fante – Bran Morrighan https://branmorrighan.com Literatura, Leitura, Música e Quotidiano Mon, 28 Dec 2020 05:58:46 +0000 pt-PT hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.1 https://branmorrighan.com/wp-content/uploads/2020/12/cropped-Preto-32x32.png John Fante – Bran Morrighan https://branmorrighan.com 32 32 Opinião: 1933 foi um mau ano, de John Fante https://branmorrighan.com/2017/05/opiniao-1933-foi-um-mau-ano-de-john.html https://branmorrighan.com/2017/05/opiniao-1933-foi-um-mau-ano-de-john.html#respond Tue, 16 May 2017 08:03:00 +0000

1933 foi um ano mau

John Fante

Editora: Alfaguara

Sinopse: A história de um jovem dividido entre a tradição e a liberdade, entre a família e a autodeterminação, numa sociedade ressequida por uma devastadora crise económica. Um romance cómico e comovente sobre a juventude e a sua dissolução na vida adulta.

OPINIÃO: Que a sociedade em que vivemos nos afecta, todos sabemos. O que, às vezes, não temos noção é de como a sociedade já foi tão diferente e de como, ainda assim, se mantém a eterna demanda pela liberdade e pelos sonhos. 1933 foi um ano mau é um exemplo disto, em que a realidade nos parece tão distante e impessoal, para depois sermos arrebatados com a simplicidade e a humanidade dos seus protagonistas. Neste pequeno, porém grandioso, romance conhecemos Dominic Molise, descendente de uma família de italianos (tal como o autor). Família essa que tem mais dívidas do que aquilo que consegue angariar, com um pai pedreiro que passa mais tempo a jogar do que a trabalhar e uma mãe tão religiosa que se agarra à possibilidade de um milagre, através das suas preces constantes, de que tudo melhore. Existe ainda a extraordinária avó Bettina. 

Dominic almeja no seu “sonho americano” ser jogador de baseball. Está convencido de que o seu “O Braço” é a máquina que lhe trará a devida liberdade e reconhecimento. Entre treinos e produtos que deixam um rasto olfactivo que o tornou característico, mas que servem para preservar “O Braço”, tudo fará para se tentar libertar do destino malfadado que é tornar-se pedreiro como o seu pai. Pelo caminho apaixona-se, tenta trair a família, perde-se por entre fés e credos que tanto lhe dão esperança como o machucam. O drama é inevitável, a liberdade tem um preço e há que pagar por ela. As acções de Dominic levam a um sentimento de irreversibilidade e o fatalismo que o autor consegue através da sua escrita simples, directa, sem adornos, mas completamente certeira, deixa-nos compadecidos não só por Dominic como pela família, presa num ciclo difícil de quebrar.

Temos de agradecer a Bukowski por, hoje em dia, termos acesso às obras de Fante. Após este o ter descoberto numa livraria e de o ter caracterizado como “o seu Deus”, tratou de cuidar que os seus escritos não ficassem esquecidos e só podemos ficar gratos. John Fante é o mestre da simplicidade e do carácter de uma narrativa mortal. Cada obra sua faz com que desçamos dos nossos pedestais e sejamos confrontados com as fragilidades inerentes à condição humana. Sejamos ricos, pobres, afortunados ou azarentos, haverá sempre uma centelha de reconhecimento em algum momento da narrativa inteligente de Fante. Afinal, somos todos humanos, todos falíveis, todos (potenciais) conquistadores. 

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Opinião: Cheio de Vida, de John Fante https://branmorrighan.com/2016/10/opiniao-cheio-de-vida-de-john-fante.html https://branmorrighan.com/2016/10/opiniao-cheio-de-vida-de-john-fante.html#respond Thu, 20 Oct 2016 19:07:00 +0000

Cheio de Vida

John Fante

Editora: Alfaguara

Sinopse: Entre a ficção e a autobiografia, Cheio de Vida é contado na primeira pessoa por uma personagem chamada John Fante. O narrador é americano de ascendência italiana a viver em Los Angeles com a sua mulher, Joyce, que está grávida.

Ao longo da gravidez, John vai acompanhando e relatando as drásticas mudanças de humor da mulher, o seu interesse crescente pela igreja católica (de que o próprio John já se tinha afastado) e a infestação de térmitas em sua casa. Tudo isto vem complicar ainda mais a já problemática relação de John com o pai, Nick, um assentador de tijolos reformado que não se coíbe nunca de opinar sobre a vida familiar do filho.

É, de facto, um livro cheio de vida: uma mistura de comédia e drama povoado por personagens fortíssimos, como Nick Fante, o pai, teimoso e terno, dedicado à família e ao seu ofício.

É um romance que leva a religião a sério, que formula o poder emocional e a natureza problemática da Igreja Católica Romana para muitos italo-americanos. E é ainda uma história forte e comovente sobre laços familiares que contribui de forma notável para a herança literária multiétnica dos Estados Unidos.

Opinião: A d o r e i. Tinha de começar a opinião assim porque poucas vezes se lê um livro de forma tão fácil, em que a narrativa nos faz reflectir, rir, até enternecer ou comover, muitas vezes tudo em simultâneo. Foi a minha estreia com John Fante, mas acredito que tenha sido o primeiro da sua vasta bibliografia, pois a vontade de ler mais obras suas ficou. Em Cheio de Vida, título que faz jus tanto à trama e ao enredo, desde o início que se sente uma certa inquietação: Joyce está grávida e muda a olhos vistos com o decorrer da gravidez. Depois é a casa que cede, térmitas no chão da cozinha. Inadmissível! E quem não mais do que o pai de Fante para ajudar a solucionar o problema? E quem melhor do que um padre para revolucionar a fé de Joyce? 

Não me admira que Charles Bukowski tenha considerado e enaltecido John Fante como seu mentor ou inspiração. Existe algo de muito enriquecedor na simplicidade com que este pequeno livro nos é apresentado. Os cenários e os diálogos, reais ou inspirados na realidade, têm um carácter muito próprio, humano. Normalmente só leio as sinopses depois de ter terminado as obras e sem dúvida que esta que aqui está faz justiça a Cheio de Vida. O discurso é tão gráfico que tenho várias passagens que acho que nunca me esquecerei sempre que este livro for mencionado. Uma delas é a viagem de John e Nick na volta para a casa cheia de térmitas. Imaginem que vão com o vosso pai, já nos seus sessenta e muitos anos, numa viagem de comboio. Imaginem também que este se recusa a ir jantar uma refeição decente, opta por debicar umas migalhas de algo que trouxe num saco, e à noite recusa-se a dormir nos beliches disponibilizados, ficando na casa-de-banho. De repente existe toda uma carruagem que vos despreza e só tem pena do vosso pai. Ahahah, tenho de admitir que a personalidade de Nick é qualquer coisa de estonteante. 

A evolução da gravidez de Joyce também foi qualquer coisa digna de registo. O seu comportamento foi mudando com John de forma cada vez mais acentuada. De repente já não podiam dormir na mesma cama, de repente ela passa a ter uma fé inédita e quer ser baptizada. O seu feitio transforma-se numa espécie de mutante que muda constantemente. E enquanto isto John tenta adaptar-se, afinal ama-a tanto! Entre o passivo e o compassivo, sem nunca se tornar aborrecido, John conduz-nos pela mão por entre todas as peripécias do casal e restantes intervenientes. Muito honestamente recomendo a leitura. É rápida, num dia, ou em duas noites (como foi no meu caso), fica lido e bem lido. Entre o drama e a comédia, foi uma leitura deveras inspiradora. 

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