Leituras 2015 – Bran Morrighan https://branmorrighan.com Literatura, Leitura, Música e Quotidiano Sat, 09 Jan 2021 10:18:35 +0000 pt-PT hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.2 https://branmorrighan.com/wp-content/uploads/2020/12/cropped-Preto-32x32.png Leituras 2015 – Bran Morrighan https://branmorrighan.com 32 32 Opinião: Os Enamoramentos, de Javier Marias https://branmorrighan.com/2016/01/opiniao-os-enamoramentos-de-javier.html https://branmorrighan.com/2016/01/opiniao-os-enamoramentos-de-javier.html#comments Sun, 03 Jan 2016 09:59:00 +0000

Os Enamoramentos

Javier Marías

Editora: Alfaguara

Sinopse: O novo romance de um dos mais importantes e respeitados escritores espanhóis. Com obra publicada em mais de 50 países, e mais de 6 milhões de exemplares vendidos em todo o mundo e distinguido com o Prémio Literário Europeu 2011. “Os Enamoramentos” foi considerado o melhor romance do ano 2011 (eleito por um painel de 57 críticos literários espanhóis). O autor aborda o mistério em torno de uma morte acidental para reflectir sobre o estado do “enamoramento”, considerado quase universalmente como algo positivo, quase redentor, que tanto justifica as acções nobres e desinteressadas, como as maiores tragédias e catástrofes.

Opinião: Terminei 2015 a ler este livro. Engraçado como por vezes são mesmo as obras que nos escolhem e não o contrário. Lembro-me de o ter recebido, juntamente com a edição especial de Jesus Cristo Bebia Cerveja, de Afonso Cruz, e de pensar que ia ter que o colocar na pilha por ler. Na verdade não me tinha chamado muito à atenção. Depois voltei a pegar nele e abri numa página ao acaso. Juro que não podia ter havido passagem que me prendesse mais. Já ia no final da página (existem parágrafos que ocupam mais do que uma!) quando me obriguei a parar. Foi a minha leitura seguinte. Demorei algum tempo, mas também não o queria ler com pressa. Cada página era virada com tanto fascínio como assombro, num misto de reconhecimento e admiração enquanto nos apercebemos do quão humano é este romance.

Nunca antes tinha lido Javier Marías e a boa notícia é que já tenho ali outro livro dele para ler. Ao longo da leitura fui partilhando uns quantos excertos e muitos foram os leitores que ficaram curiosos. Alguns até já me disseram que já o compraram e que querem que seja a sua próxima leitura. Espero que não se desiludam, acho que acima de tudo este é um livro muito pessoal, muito íntimo. Quando digo isto não é que tenha passado por qualquer uma das experiências que os protagonistas passaram, mas porque o autor consegue pegar em pequenas coisas e elevá-las a reflexões e a constatações demasiado carnais, demasiado humanas. 

Começamos numa esplanada, com Maria, editora de livros, que em tom de rotina observa um casal. Todos os dias o mesmo ritual. Admira-os, pensa em como serão as suas vidas. Um dia tem de viajar e quando volta o casal, que há tempos e tempos aparecia lá todas as manhãs, não vê ninguém. Isso causa-lhe alguma estranheza, ainda mais quando só a vê a ela. Decide meter conversa e aqui começa uma segunda narrativa. Na verdade este livro está cheio de narrativas dentro de narrativas, histórias que se engolem e se fundem, tramas que passam da imaginação ao papel activo ou então que apenas se desmoronam com uma futura lucidez dos acontecimentos.

O que mais se realça por entre estas personagens é a relatividade das emoções consoante o sujeito em causa e perante o dito Enamoramento. A forma como encaramos as paixões, como muitos cegam ou apenas se submetem ao papel de secundários, sabendo que nunca terão o querem daquela relação, mas ainda aceitando as migalhas com a esperança impossível de que se mude de ideias. No fundo a história de Maria é esta. De sozinha durante tanto tempo, acaba por se enamorar de alguém que a usa, sem rodeios, ela com noção e mesmo assim continuando. Afinal, a esperança é a última a morrer, não é? De qualquer maneira, diga eu o que disser, será sempre redutor em relação à solidez com que Javier Marías confronta o leitor com as suas potenciais fragilidades emocionais e o abana perante as mesmas. Para quem gosta de livros mais densos, que exploram mais as motivações do ser humano e as emoções por trás das mesmas, aconselho vivamente.

Podem ler os excertos aqui: http://www.branmorrighan.com/search/label/Javier%20Mar%C3%ADas

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Opinião: A Hora Solene (Trilogia Freelancer #3), de Nuno Nepomuceno https://branmorrighan.com/2015/12/opiniao-hora-solene-trilogia-freelancer.html https://branmorrighan.com/2015/12/opiniao-hora-solene-trilogia-freelancer.html#respond Sat, 19 Dec 2015 12:23:00 +0000

A Hora Solene (Trilogia Freelancer #3)

Nuno Nepomuceno

Editora: TOPBOOKS

Sinopse: Londres, Reino Unido. 

Numa fria noite de tempestade, um homem é esfaqueado e abandonado na rua. A poucos quilómetros de distância, um terrorista pertencente a uma organização criminosa auto-intitulada O Gótico entrega-se aos serviços secretos. Ao mesmo tempo, um avião sofre um violento atentado ao sobrevoar a Irlanda e um vídeo é enviado à redacção de uma famosa cadeia televisiva.

A intriga acentua-se quando um milionário começa a ser alvo de extorsão. No centro destes acontecimentos, encontra-se André Marques-Smith. Alto funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros, o espião português é obrigado a protegê-lo. Mas não está sozinho. Foragidos, dois colegas dissidentes regressam e revelam ao mundo a verdadeira génese de um antigo projeto de manipulação genética. E há ainda uma mulher. Em parte incerta, esta enigmática espia de feições orientais poderá ser a chave de todo o mistério. Mas que explicação haverá para o seu desaparecimento? Conseguirão os dois agentes ultrapassar o fosso criado entre eles?

Através de uma viagem frenética por entre os deslumbrantes cenários reais de Moscovo, Londres, Hong Kong, Macau, Praga, o Grande Buraco Azul e Lisboa, os perigos multiplicam-se e André dá por si a lutar pela sobrevivência. Questões sobre ética, moral, religião, família e o valor da vida humana são levantadas. E uma teia de falsas verdades, ilusões e complexas relações interpessoais é desvendada no derradeiro capítulo de uma série policial que já marcou a ficção portuguesa.

Inspirado num discurso de guerra de Winston Churchill, depois de ver o talento confirmado com A Espia do Oriente, revelado ao público através da vitória no Prémio Literário Note! 2012 com O Espião Português, Nuno Nepomuceno apresenta A Hora Solene, a terceira e última parte da trilogia Freelancer. Um romance de espionagem imprevisível, no já característico estilo sofisticado e intimista do autor, onde os valores tradicionais da cultura nacional se fundem com uma abordagem inovadora e única que o irá surpreender. 

Opinião: Serei sempre suspeita a falar dos livros do Nuno. Aliás, esta opinião vai ser bastante informal, com pouco ou nenhum cuidado em ter frases de citação, porque na verdade acho que há outros valores que aqui se impõem. Sei que a maior parte de vocês não esteve na apresentação de A Hora Solene – que teve uma sala cheia de pessoas bonitas – e que provavelmente não sabem, mas fui eu e a Vera Brandão (A Menina dos Policiais) que apresentámos esta obra. Correndo o risco de me repetir, e peço desculpa a quem esteve presente, quero deixar registado por escrito umas quantas coisas sobre o percurso literário do Nuno e o fecho desta trilogia. 

A Trilogia Freelancer começou há mais tempo do que qualquer um de nós possa ter noção. Apesar da recente reedição do premiado O Espião Português e da célere publicação de A Espia do Oriente e de A Hora Solene, a verdade é que o percurso, a certa altura, teve o seu quê de espinhoso. Foi preciso uma grande força de vontade, uma grande luta e sentido de resistência para que todos estes livros vissem a luz do dia. Tenho um grande orgulho no autor e na pessoa que Nuno Nepomuceno é. Antes de me dedicar a A Hora Solene, penso que não será demais notar como poucos autores tratam os seus leitores com tanto carinho e dedicação como o Nuno, e isso tem feito toda a diferença. Está sempre disposto a falar com os seus leitores, a enviar livros autografados, a estar presente sempre que possível. É quase de estranhar, não é? Dado que a maior parte das vezes estamos habituados àquela proximidade distante que tanto caracteriza a maior parte dos escritores. 

E é esta humanidade que se destaca na sua escrita e que acaba por tornar esta trilogia única. Não tanto policial, mais de espionagem, mas certamente emocionante, esta foi uma aventura de características singulares em que o mistério deu uma mão à adrenalina e outra ao romance. O Nuno soube como equilibrar bem estes três ingredientes tornando cada livro pessoal, cativando quem lê ao mostrar uma inteligência narrativa que se reflecte no facto de ter conseguido conquistar um público tão vasto e distinto em personalidades. Se muitas vezes o público feminino não se deixa cativar pela frieza dos livros de espionagem, com esta trilogia o Nuno conseguiu duas apresentações em que o público era maioritariamente feminino. Se isto o torna lamechas? Não, sinceramente acho que não, mas quem é que não sei deixa levar por um bom romance? 

Temos ainda o facto de que tudo o que é narrado no livro, cenários e paisagens, é feito com uma precisão a que poucos se dão ao trabalho. Existe muito tempo de estudo e de investigação ali empregue. Dito isto, A Hora Solene está tão bom quanto se podia esperar. O final do segundo livro deixou-nos a fervilhar de nervos e de incertezas. Mesmo este terceiro começa de forma algo dúbia, o que faz com que não o larguemos até descansarmos as nossas inseguranças. A intriga está bem formulada, as respostas que tanto procurávamos vão-nos sendo dadas a um bom ritmo e é com um sorriso nos lábios que fechamos o livro. Como dizia o Nuno nas redes sociais “Keep Calm and… Trust Nuno!” Eheh, é mais ou menos isto, mas nada consegue impedir que por vezes fiquemos algo assustados com o rumo da trama. 

Resumindo, sim, sou suspeita porque adoro o Nuno, gostei da trilogia desde o início e tendo eu apresentado os últimos dois livros é claro que também acabei por criar uma maior ligação com eles. Ainda assim, para quem me segue há mais tempo, sabem que se eu não gostasse nem sequer tinha aceite o convite do Nuno ou então não falava sobre os seus livros. Claro que todos temos gostos diferentes e as opiniões poderão sempre divergir, mas esta é a minha. Só posso desejar que o Nuno continue a escrever, ouvi dizer que teremos coisas novas em 2016! Boas leituras e Feliz Natal! 

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Opinião: Os Números que Venceram os Nome, de Samuel Pimenta https://branmorrighan.com/2015/12/opiniao-os-numeros-que-venceram-os-nome.html https://branmorrighan.com/2015/12/opiniao-os-numeros-que-venceram-os-nome.html#respond Wed, 09 Dec 2015 19:37:00 +0000

Os Números que Venceram os Nomes

Samuel Pimenta

Editora: Marcador

Sinopse: Em Os Números Que Venceram os Nomes, Samuel Pimenta consegue, com uma destreza literária que nos prende do início ao fim, contar uma história empolgante, que, embora passando-se num futuro imaginário, questiona muitos dos problemas das sociedades contemporâneas – a substituição estéril de um mundo espiritual por uma realidade puramente material.

Num futuro distante, comprovada matematicamente a existência de Deus, os homens são obrigados a trocar os seus nomes por números. Ergue-se uma ditadura global, em que todos são controlados e descaracterizados, uma sociedade de uma única religião, em que os algarismos definem tudo – pessoas, países, ruas, animais -, em detrimento da essência de cada um.

Opinião: Existem livros que nos ficam na memória durante muito, muito tempo. Mesmo tendo terminado este livro há umas boas semanas, mantenho aquele burburinho na minha cabeça, como que a actuar em background, alertando-me para os lugares comuns em que posso cair. Penso que é esse o maior poder de Os Números que Venceram os Nomes – o causar um tal impacto que receamos transformar-nos em autómatos seguidores de massas e tendências, dando tudo como certo, aceitando tudo sem questionar, sem nunca levantar a dúvida ou ousar pensar diferente. 

É uma obra pequena, que se lê num fôlego e em poucas horas, porém enorme no significado, na (re)descoberta interior das nossas motivações e convicções. O mundo distópico que nos é apresentado arrepia, revolve as entranhas e assusta por não ser tão difícil assim imaginar um futuro onde estamos despersonalizados, onde não passamos de marionetas. Imaginam um mundo onde a poesia, a música, a arte em geral não significa nada? O mais alarmante é o quão redutora se torna a existência, a experiência humana enquanto ser vivo. Um Nove Um Seis, o protagonista desta obra, é quem nos dá a mão no romper entre o sonho e a loucura, a dúvida e a determinação, o bater com o pé contra tudo aquilo que nos é imposto e induzido. A escrita do Samuel, mesmo em prosa, consegue ser poética, bela e aterradora ao mesmo tempo. Em tão tenra idade, já tanta maturidade.

Confesso que me causa algum espanto não ouvir falar mais sobre este livro do que tenho ouvido. Talvez por isso esta opinião também chegue umas boas semanas mais tarde do que o término na leitura, que foi aquando da sua publicação, em Setembro. É necessário manter estas obras vivas, o nome na memória e nos olhos das pessoas. Conheço o Samuel Pimenta quase há tanto tempo como o que tenho o blogue, já lá vão pelo menos cinco anos, e conheço poucas pessoas tão conscientes e sensíveis às fragilidades do ser humano. Em harmonia, é também das pessoas mais corajosas e lutadoras. Este livro reflecte muito da sua personalidade, da sua ousadia e da não conformação com a estagnação. Está mais do que recomendado. Que escreva muito mais obras, é o que posso desejar!

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Opinião: O Peregrino, de Terry Hayes https://branmorrighan.com/2015/12/opiniao-o-peregrino-de-terry-hayes.html https://branmorrighan.com/2015/12/opiniao-o-peregrino-de-terry-hayes.html#respond Mon, 07 Dec 2015 19:25:00 +0000

Peregrino

Terry Hayes

Editora: TOPSELLER

Sinopse: Uma corrida vertiginosa contra o tempo e um inimigo implacável.

Uma jovem mulher brutalmente assassinada num hotel barato de Manhattan.

Um pai decapitado em praça pública sob o sol escaldante da Arábia Saudita.

Os olhos de um homem roubados do seu corpo ainda vivo.

Restos humanos ardendo em fogo lento na montanha de uma cordilheira no Afeganistão.

Uma conspiração para levar a cabo um crime terrível contra a Humanidade.

E um único homem para descobrir o ponto preciso onde estas histórias se cruzam: Peregrino.

Opinião: Muito se tem falado sobre este livro, Peregrino, e quem pega nela nem que seja por instantes, para ler as primeiras páginas nem que seja por curiosidade, percebe rapidamente porquê. O volume assusta, é verdade, são mais de seis centenas de páginas, mas valem a pena. Estamos perante uma obra que mistura o policial com o thriller, mete espionagem e terrorismo pelo meio, e ainda aborda motivações religiosas e amorosas para justificar as acções que se vão desenrolando. Não há como o leitor saber, ao início, a calamidade e a intensidade de tudo o que ainda está para decorrer. O que parece ser um caso de homicídio, em que o mistério deve-se ao facto deste seguir passos que antes haviam sido descritos num livro de um agente secreto, passa para algo muito, muito maior.

Sou da opinião que este livro tem o sucesso que tem graças à capacidade de organização e exaltação do autor. Passo a explicar: num livro em que abundam os saltos temporais e as mudanças de cenário, nem sempre está ao alcance de todos uma coordenação e um equilíbrio entre a adrenalina, a pausa e um desenvolvimento mais narrativo dos cenários. Imaginem quase 700 páginas de puro êxtase… Não parece muito possível, pois não? Pouco recheio poderia haver pelo meio. Terry Hayes soube ser paciente quando necessário para um maior aprofundamento das personagens. A construção de cada uma não foi linear, foi compassada ao ritmo em que os factos eram revelados e em que mesmo assim a dúvida se mantinha sempre.

Nos tempos que correm, e com os atentados em França e pelos restantes pontos do globo, este livro contém nele uma assertividade assustadora. Não acho que seja um livro que vá clarificar muito em relação a jihadistas ou ao auto proclamado estado islâmico, mas a simplicidade com que as questões religiosas são abordadas, contrastando com as consequências das acções e das escolhas, revela um poder e uma maturidade na escrita raros. Aliás, é assustador como é que o facto de uma mulher decidir lutar pelo sustento da sua família, tendo que para isso quebrar algumas regras culturais, seja razão suficiente para alguém enveredar pelo mundo do terrorismo e começar uma demanda pela destruição do mundo ocidental. Dito assim pode parecer estúpido, mas acreditem que a forma como o escritor expõe tudo tem coerência.

Foi uma leitura algo morosa porque a versão que eu recebi tinha letras muito pequeninas e quando pegava no livro o cansaço já apertava, mas acredito que para os leitores ávidos deste género literário seja bem mais rápido. Também acredito que seja um livro que divide opiniões por alguns dos pontos que mencionei antes: o facto de a narrativa evoluir com muitos eventos paralelos, saltos temporais, e um desenvolvimento mais lento quando se calhar por vezes o leitor queria andar mais depressa ou saber mais, pode deixar alguns leitores mais impacientes algures pelo meio da leitura, mas acredito que a espera vale a pena. O fim deixa-nos com um sabor agridoce. Existe aquele sentimento de conformismo, mas ao mesmo tempo de revolta em relação a tudo o que nos foi mostrado. Tenho pena que o Peregrino e o Sarraceno, o seu némesis, se tenham cruzado tão pouco e fica a curiosidade do destino do primeiro depois de tudo terminar. Venha o próximo livro do autor! 

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Opinião: Contos de cães e maus lobos, de Valter Hugo Mãe https://branmorrighan.com/2015/11/opiniao-contos-de-caes-e-maus-lobos-de.html https://branmorrighan.com/2015/11/opiniao-contos-de-caes-e-maus-lobos-de.html#respond Mon, 30 Nov 2015 21:03:00 +0000

Contos de cães e maus lobos

Valter Hugo Mãe

Editora: Porto Editora

Sinopse: Esta obra, prefaciada por Mia Couto, é composta por 11 contos, ilustrados por trabalhos de artistas como Graça Morais, Joana Vasconcelos ou José Rodrigues. Ilustram estes Contos de cães e maus lobos os artistas Ana Aragão, Cadão Volpato, Daniela Nunes, David de la Mano, Duarte Vitória, Filipe Rodrigues, Graça Morais, JAS, Joana Vasconcelos com Alice Vasconcelos, José Rodrigues, Luís Silveirinha, Nino Cais e Paulo Damião. Recentemente, através da chancela digital do Grupo Porto Editora, a Coolbooks, um dos contos que integram este novo livro foi publicado em formato ebook, com 6 ilustrações de Paulo Damião.

Opinião: Não sou uma especialista nas obras de Valter Hugo Mãe, pelo contrário, transporto comigo a vergonha de ter lido pouco mais do que A Desumanização e algumas das suas crónicas. Tive foi o privilégio de o conhecer há pouco mais de um ano e de o entrevistar. Não será demais dizer que sou hoje uma pessoa mais rica depois de o ter ouvido e ainda mais depois de ter lido esta pequena pérola que é este livro de contos. Sem bajulações ou qualquer tipo de elogios fáceis, digo-vos isto porque sou mesmo da opinião que estamos perante um escritor que tem a capacidade de transformar o feio no belo, o triste no belo, as coisas banais e pragmáticas em obras que independentemente das emoções que transmitem são belas à sua maneira. 

Contos de cães e maus lobos transportam-nos para vários imaginários onde tudo toma uma profundidade digna de reflexão e de um despertar urgente. São 11 contos com 11 ilustrações cujo trabalho deve ser admirado, e que ilustram de forma particular cada um dos contos. Nas linhas que seguem cada ilustração que puxa à imaginação, deixamo-nos ser engolidos e conquistados. A escrita é simples, os cenários são simples, mas o reboliço no meu coração ao longo de grande parte das páginas foi tudo menos simples. Acho que é importante esta capacidade de através das palavras fazer pulsar mais forte os corações de quem as lê. Talvez pelo que tem sido a minha vida desde há um ano, os contos O Menino de Água e As mais belas coisas do mundo me tenham tocado particularmente. No primeiro são apenas duas páginas e meia e, no entanto, senti  que o mundo todo cabia e era sugado nelas. O segundo é um pouco maior, mas também o percurso vai sendo através de uma sensação de procura e descoberta. Não há nada como o sentimento de perda para nos unir profundamente a emoções que por vezes não compreendemos.

Há também que enaltecer o prefácio de Mia Couto, e penso que vale a pena frisar uma passagem com a qual me identifiquei desde logo: “Há na escrita de Valter Hugo Mãe algo que nos desconcerta e nos fragiliza.” Estou tentada a adicionar que no fim também nos deixa mais fortes, mais capazes, com mais esperança na mudança. Os 11 contos são tão diferentes uns dos outros e ainda assim tão parecidos na candura que carregam com eles. Sabem porque é que já reli e hei-de reler novamente estes contos? Porque me fazem sentir menos sozinha, porque encontro reconciliação e até regeneração do meu espírito naquelas linhas. Se isto não quer dizer que estamos perante uma obra de arte única, não sei o que quer dizer. Acredito na capacidade redentora da escrita. Tanto para quem escreve como para quem lê.

Estamos perante um livro intemporal que serve tanto para crianças como para adultos. Só posso agradecer ao Valter Hugo Mãe por todo o amor e carinho que emprega na sua escrita, pelo modo como encara a vida e tão sinceramente se expressa sobre a mesma. E termino com a última frase de As mais belas coisas do mundo: “Quero sempre inventar a vida.”.

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Opinião: Uma Casa na Escuridão, de José Luís Peixoto https://branmorrighan.com/2015/10/opiniao-uma-casa-na-escuridao-de-jose.html https://branmorrighan.com/2015/10/opiniao-uma-casa-na-escuridao-de-jose.html#comments Sun, 18 Oct 2015 19:11:00 +0000

Uma Casa na Escuridão

José Luís Peixoto

Editora: Quetzal

Sinopse: «Então, fechei os olhos com força e fixei-me no que via. Esta era uma das coisas que fazia desde pequeno, que tinha descoberto por acaso e que imaginava ser eu a única pessoa a fazer no mundo. Fechava os olhos e via. Via o que se vê com os olhos fechados (…) Isto é o que se vê quando fechados os olhos e continuamos a ver: a cor negra e os pequenos seres de luz que a habitam. E não se consegue olhar fixamente nem para o negro nem para a luz. Os pontos ou as linhas ou as figuras de luz fogem da atenção. O negro é tão absoluto, tão profundo, tão infinito que o olhar avança por ele sem encontrar um lugar onde possa deter-se. Mas, naquela noite, comecei a distinguir algo dentro desse negro.»

Opinião: Este foi o primeiro livro que li de José Luís Peixoto e foi quase sem querer. Estava na casa do meu afilhado e ao passar pela sua estante deparei-me com Uma Casa na Escuridão, entre outros, mas um qualquer impulso fez-me pegar nele e pedi-o emprestado. Isto numa altura em que tinha imensos livros da rentrée literária que queria ler… Ainda assim, acredito que cada obra literária tem o seu timing, que existem livros que querem ser lidos em certas alturas e não quando nós queremos. Gosto quando são os livros que me chamam, que me convocam, e não o contrário. Por isso não resisti. Terminei a leitura que tinha em mãos naquela altura e comecei este. Não sabia ao que ia e acho que ainda não sei explicar bem em que estado fiquei quando terminei. 

Estamos perante uma obra que poderia ser dividida em duas ou três partes. Duas se formos mais genéricos – uma belíssima e sonhadora, outra terrível e arrebatadora. Ao longo da leitura fui deixando alguns excertos no blogue, mas dificilmente alguma fará jus à oscilação entre o deslumbre e o horror que se fez sentir do início ao fim. Nunca irei esquecer a sensação que foi acabar de sublinhar um excerto por achá-lo tão bonito e na página seguinte (mais coisa menos coisa) ficar quase fisicamente mal disposta com o cenário violento que se desenrolou. Foi frustrante, muito frustrante, ser uma espectadora inerte perante tudo o que se desenrolava na minha mente enquanto lia. 

É um livro que tem tanto de humano como de pérfido, na dormência que se faz notar quando a desesperança e o desespero se instalam. Existe um surrealismo patente na escrita de José Luís Peixoto, uma estética que coloca em causa os limites daquilo que é real e possível dentro da sua história. Muito resumidamente imaginem um escritor que um dia tem uma visão de uma bela mulher e a forma de comunicar com ela é escrevendo. Ele vive intensamente aquela paixão, escrevendo fervorosamente, ao mesmo tempo que vamos sabendo mais sobre a sua família. O seu pai está morto, a sua mãe apenas respira, já desistiu de qualquer outra forma de vida, mas pequenas coisas começam a mudar depois de a sua mãe descobrir a música e do seu melhor amigo de infância voltarem. Temos aqui o pico de êxtase de que as coisas até estão bem, para logo a seguir a casa ser invadida por uma série de soldados e todas as pessoas presentes ficarem mutiladas. Mutiladas, mas vivas, porque o sofrimento é algo que só é sentido verdadeiramente quando prolongado. 

Uma Casa na Escuridão representa a mortandade interior, a solidão, o sofrimento e até uma certa apatia. Ainda assim não quero que pensem que é um livro totalmente negro, não. Existe uma beleza muito profunda e perturbadora em boa parte das páginas que exploramos sofregamente. Tinham-me dito que provavelmente este não era o melhor livro do autor para uma primeira vez, mas talvez tenha sido melhor assim porque quero ler mais. Recomendo, mas com a cautela das emoções fortes e da violência breve, mas atroz, que algumas passagens contêm.

Citações:

http://www.branmorrighan.com/2015/10/citacoes-aleatorias-22-jose-luis-peixoto.html

http://www.branmorrighan.com/2015/10/citacoes-aleatorias-23-jose-luis-peixoto.html

http://www.branmorrighan.com/2015/10/citacoes-aleatorias-24-jose-luis-peixoto.html

http://www.branmorrighan.com/2015/10/citacoes-aleatorias-25-jose-luis-peixoto.html

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Opinião: O Herói das Eras (Saga Mistborn – Nascida das Brumas Nº 3), de Brandon Sanderson https://branmorrighan.com/2015/10/opiniao-o-heroi-das-eras-saga-mistborn.html https://branmorrighan.com/2015/10/opiniao-o-heroi-das-eras-saga-mistborn.html#respond Sun, 11 Oct 2015 18:55:00 +0000

O Herói das Eras (Saga Mistborn – Nascida das Brumas Nº 3)

Brandon Sanderson

Editora: Edições Saída de Emergência

Colecção: Bang! 

Sinopse: Para pôr fim ao Império Final e restaurar a harmonia e a liberdade, Vin matou o Senhor Soberano. Mas, infelizmente, isso não significou que o equilíbrio fosse restituído às terras de Luthadel. A sombra simplesmente tomou outras formas, e a Humanidade parece amaldiçoada para sempre.

O poder divino escondido no mítico Poço da Ascensão foi libertado após Elend e Vin terem sido ludibriados. As correntes que aprisionavam essa força destrutiva  foram quebradas e as brumas, agora mais do que nunca, envolvem o mundo, assassinando pessoas na escuridão. Cinzas caem constantemente do céu e terramotos brutais abalam o mundo. O espírito maléfico libertado infiltra-se subtilmente no exército do Imperador Elend e os seus oponentes. Cabe à alomante Vin e a Elend descobrir uma forma de o destruir e assim salvar o mundo. Que escolhas irão ser ambos forçados a tomar para sobreviver?

Opinião: Desde que li Brandon Sanderson pela primeira vez que fiquei maravilhada. Na discussão de géneros literários, é comum encontrar argumentos entre os mais cépticos de que este nada tem a acrescentar, que é tudo uma grande fantasia e que ler coisas que não são reais é uma perda de tempo. Obviamente ainda não se cruzaram com os autores certos. Já nem vou para livros como o 1984 ou o Admirável Mundo Novo, distopias que se tornaram quase absurdamente reais, mas olhando para os livros de Brandon Sanderson há muito que podemos encontrar, por vezes com uma máscara mais mística (ou não), que nos arrepia até ao âmago por sabermos que existem certos níveis de maldade, calculismo, frieza e sede de poder, que conseguem transformar qualquer ser humano num pequeno monstro.

Tudo isto para vos dizer que esta primeira parte do último livro da trilogia Nascidas nas Brumas soube a pouco, como sabe sempre algo que é muito bom e que não temos a oportunidade de terminar. O autor tornou-se num dos meus favoritos de sempre. A sua escrita, a forma perspicaz, inteligente e eloquente com que monta os cenários, desenvolve as personagens e desenlaça as intrigas é notavelmente superior à da grande maioria de autores que já li dentro do género. Exagerada? Talvez sim, talvez não, mas não será sacrilégio dizer que o coloco ao mesmo nível de George R.R. Martin ou Peter V. Brett, outros favoritos.

Elend tem sido a maior surpresa ao longo dos vários episódios. Houve momentos de descrença em relação a este protagonista, mas com o avançar da trama tornou-se claro que o equilíbrio passa também por ele e, ainda agora, mantém-se o mistério sobre qualquer será o seu derradeiro papel.

Sazed é, neste momento, quem mais me aperta o coração. Como é que uma pessoa que baseou toda a sua existência numa série de crenças, consegue agora sobreviver sem qualquer bengala, sem qualquer pessoa ou motivação que o faça acreditar em seja o que for? Mantém-se ao lado dos seus amigos por lealdade, mas já não consegue ser o conselheiro ou a fonte de segurança que era antes.

Vin continua igual a ela mesma. Os medos não desapareceram, alguns aumentaram, mas o facto de se considerar o Herói das Eras traz-lhe todo um peso que muitas vezes tem de repartir com Eland para não sufocar nele.

E chegado a este ponto, à primeira metade do último livro, deparamo-nos com uma total imprevisibilidade no que ao futuro diz respeito.

Uma coisa é certa, a intensidade e a tensão com que os acontecimentos se vão dando nunca estiveram tão fortes, tão em ponto de ruptura. Vão-nos sendo desvendados os mistérios da alomância, da feruquimia e da hemalurgia, sabemos mais sobre os kandra, temos revelações terríveis sobre os colossos, mas nada disto nos apazigua, pelo contrário, temos ainda mais consciência de que algo de muito negro e muito errado pode acontecer a qualquer momento. E é nesta expectativa ansiosa e urgente que aguardo pelo desfecho desta magnífica trilogia. O trabalho do escritor está só soberbo. Aconselho vivamente, quer gostem do género Fantástico, quer não.

Mais sobre a saga: http://www.branmorrighan.com/search/label/Brandon%20Sanderson

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Opinião: Ensina-me a Amar, de Jess Michaels https://branmorrighan.com/2015/09/opiniao-ensina-me-amar-de-jess-michaels.html https://branmorrighan.com/2015/09/opiniao-ensina-me-amar-de-jess-michaels.html#respond Mon, 28 Sep 2015 13:26:00 +0000
Ensina-me a Amar

Ensina-me a Amar
Jess Michaels

Editora: Quinta Essência

Opinião: Jess Michaels, ora aí está uma autora que para mim já tem um carimbo de que (quase) de certeza me vou divertir ou descontrair a ler os seus livros. Comecei com o Tabu, um livro que me surpreendeu pela ousadia de romper tempos idos com uma onda de erotismo tão condenável na altura, e desde então tenho lido todos os seus romances publicados em Portugal. Ensina-me a Amar foi publicado agora em Setembro e pouco depois de ter chegado cá a casa já eu pegava nele. Li-o por inteiro entre uma tarde e noite de Domingo, o que mais uma vez confirmou o quão leve é a leitura, sem que lhe retire o entusiasmo e o fascínio pela descoberta. 

A história que esta obra nos traz é passada, à semelhança dos outros livros, numa sociedade onde o decoro e as aparências têm muito peso, mas onde também as amantes são permitidas e até acarretam algum estatuto com elas. Vivien, uma mulher que se tornou poderosa com o tempo, começou por ser apenas uma amante para agora governar uma casa onde emparelha nobres com mulheres que acha adequadas. A confiança em Vivien é tal, que muitos a procuram. Inclusive mulheres potencialmente desesperadas, como aconteceu com Lysandra.

Por um infortúnio que não pôde controlar, a sua situação familiar e financeira degradou-se a um estado tal de desespero que não viu outra solução senão ser acolhida por um senhor da sociedade como sua amante. Mesmo sendo virgem e totalmente inexperiente, decide arriscar.

Vivien, não conhecedora da totalidade da história, mas em sobreaviso, confia Lysandre a um protector temporário para a iniciar nas lides do amor. Andrew é apresentado a Lysandra à distância, enquanto esta esperava num jardim, ele olhava para ela de uma varanda superior de Vivien. A atracção foi de tal maneira forte que deu por si a dizer que aceitava, mesmo com todo o peso que carregava consigo, incluindo a promessa de nunca mais voltar a um estilo de vida que no passado já tinha sido seu.

A partir dali a trama toma toda a uma vida baseada na curiosidade, na sensualidade, mas também na exploração de emoções não totalmente compreendidas. O que mais gosto na escrita de Jess Michaels é mesmo esta capacidade de criar protagonistas cativantes. As personagens femininas não são desprovidas de cérebro nem vazias, pelo contrário, transmitem as inseguranças e as lutas de mulheres que procuram o seu lugar, mesmo quando passam por provações potencialmente humilhantes. Já os personagens masculinos há-os para todos os gostos.

Aqueles por quem nos afeiçoamos e aqueles que sabemos que vamos detestar desde o início. Existe intriga, paixão, erotismo e suspense suficientes até ao fim para nos manter presos ao enredo até ao fim. Não sou a mais fã leitora de eróticos, embora já tenha lido alguns, mas de todas as autoras que tenho lido, Jess Michaels é das que mais gosto, das que melhor sabe equilibrar os ingredientes que gosto num romance sensual de época. Para quem gosta do género e ainda não leu nada desta escrita, recomendo! 

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Opinião: Half Wild – Entre o Humano e o Selvagem, de Sally Green https://branmorrighan.com/2015/09/opiniao-half-wild-entre-o-humano-e-o.html https://branmorrighan.com/2015/09/opiniao-half-wild-entre-o-humano-e-o.html#respond Sat, 19 Sep 2015 14:35:00 +0000

Half Wild – Entre o Humano e o Selvagem

Sally Green

Editora: Editorial Presença

Sinopse: Nathan consegue finalmente escapar do cativeiro. Depois de encontrar o seu pai e de este lhe oferecer um dom poderosíssimo, completando assim os três dons que o confirmam como bruxo adulto, o jovem sabe, contudo, que ainda não se encontra a salvo e que tem de continuar a fugir. Porque de um lado estão os Bruxos Negros que o odeiam e do outro, os Bruxos Brancos que desejam a sua captura. No meio deste conflito, Nathan tem de conseguir encontrar o seu amigo Gabriel e resgatar Annalise, a jovem que ama e que está prisioneira do temível bruxo negro, Mercury. Mas para ser bem-sucedido, Nathan sabe que terá de aprender a controlar o seu próprio poder…

Half Wild é a continuação do livro Half Bad  ̶  Entre o Bem e o Mal, aclamado internacionalmente pela crítica e pelo público.

Opinião: Sally Green foi uma das autoras surpresa do ano passado, quando li o seu primeiro livro Half Bad – Entre o Bem e o Mal. O género literário é claramente o Fantástico, na categoria da Magia e dos Bruxos, está direccionado para um público jovem-adulto, mas o que é certo é que tem agradado tanto a miúdos como a graúdos. No Goodreads os livros estão todos muito bem classificados e como podem constatar pela minha primeira opinião, também eu me rendi à narrativa. E não só. Antes de avançar para o comentário sobe a continuação da história, acho que é relevante enaltecer o trabalho gráfico que tem sido feito com esta trilogia. Estamos perante mais uma capa belíssima que complementa a história e provoca a nossa imaginação.

Entrando na trama, e porque sendo um segundo livro não quero estar a adiantar muito do seu desenvolvimento para não estragar qualquer tipo de surpresas, esta para mim tem dois lados. O lado obsessivo de Nathan em relação a Annalise e o lado em que Nathan lida com a descoberta do seu poder e ainda com a sua amizade com Gabriel, que passa por algumas zonas mais cinzentas. A obra começa de forma muito intensa, com uma imagética poderosa e que deixa o leitor sobreaviso e curioso sobre o que se segue. Quando depois começam os confrontos interiores entre as várias coisas que Nathan tem de enfrentar é que nem sempre a história mantém um entusiasmo constante.

Confesso, tudo o que disse respeito a Annalise teve o seu quê de irritante, às vezes parecia já não fazer sentido o que se passava. Já em relação ao Gabriel acho que a autora esteve excelente, desde às atitudes, à personalidade e às convicções, nunca se rebaixando, mas lutando sempre por aquilo em que acredita. Também o mito da morte do pai de Nathan, tão temido por todos os bruxos – quer brancos, quer negros – foi bem trabalhado e tive realmente pena de como as coisas acabaram por se desenrolar. Achei fascinante a forma como Sally Green foi descrevendo a evolução da relação de Nathan com o seu poder e o fim acaba por ser de uma frieza e coragem brutais.

Resumindo, Half Wild – Entre o Humano e o Selvagem podem fazer sortir opiniões bastante díspares devido a uma ou outra personagem. Eu gostei bastante dos novos intervenientes que foram apresentados, mesmo que nem todos tivessem sobrevivido até ao fim, e acho que esta trilogia também vale por toda a exploração emocional/psicológica não só do protagonista consigo mesmo, mas com os outros. Quando sentimos que não pertencemos a lado nenhum, em quem é que realmente podemos confiar? Falta agora o terceiro e último livro da trilogia que guardarei ansiosamente.

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Opinião: O Lar da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares, de Ransom Riggs https://branmorrighan.com/2015/09/opiniao-o-lar-da-senhora-peregrine-para.html https://branmorrighan.com/2015/09/opiniao-o-lar-da-senhora-peregrine-para.html#respond Sun, 13 Sep 2015 21:41:00 +0000

O Lar da Senhora Peregrine para Crianças Peculiares

Random Riggs

Editora: Contraponto/Bertrand Editora

Sinopse: Uma terrível tragédia familiar leva Jacob, um jovem de 16 anos, a uma ilha remota na costa do País de Gales, onde vai encontrar as ruínas do lar para crianças peculiares, criado pela senhora Peregrine.

Ao explorar os quartos e corredores abandonados, apercebe-se de que as crianças do lar eram mais do que apenas peculiares; podiam também ser perigosas. É possível que tenham sido mantidas enclausuradas numa ilha quase deserta por um bom motivo. E, por incrível que pareça, podem ainda estar vivas…

Um romance arrepiante, ilustrado com fantasmagóricas fotografias vintage, que fará as delícias de adultos, jovens e todos aqueles que apreciam o suspense.

Opinião: Andava com imensa vontade de ler este livro há algum tempo. Desde que saiu que a sua grafia e temática me despertaram o interesse, mas confesso que a saída do segundo livro e o anúncio do filme a realizar pelo Tim Burton foram decisivos na decisão de finalmente pegar nele. E ainda bem que assim foi, pois estava a perder uma bela história que desafia a nossa imaginação e até a nossa realidade. O ambiente está muito bem criado e desenvolvido, as personagens são extremamente cativantes, sendo que a empatia com o nosso protagonista é criado desde o início. Afinal quem é que nunca foi uma criança que em tempos acreditou em histórias extraordinárias, mas que com o crescimento perdeu qualquer crença nessas fantasias? Soa-vos familiar? Acredito que à maioria sim, mas no caso de Jacob ele chega à derradeira conclusão que afinal há coisas que são bem mais reais do que aquilo que alguma vez achou possível serem.

Quer se queira quer não, a parte gráfica de um livro consegue muitas vezes ser tão apaixonante quanto a literatura inserida nele. Ransom Riggs conseguiu aqui um equilíbrio perfeito e complementar no que toca a adornar a sua excelente escrita com imagens que só podiam aumentar ainda mais a curiosidade do leitor. Não faz diferença que estejamos a incorporar a voz de um pequeno adolescente, o adulto que há em nós agradece o descanso e regala-se com a oportunidade de poder voltar a ver o mundo com uma certa inocência, mas também com um alerta renovado, experiente. Podem perguntar-me se este não será um livro mais indicado para crianças/jovens/jovens-adultos, mas na verdade não vos saberei responder com exactidão. Penso que depende do quão receptivo ao desconhecido e ao diferente poderá estar quem pegar neste livro. No meu caso estou sempre disposta a ler algo que possa fugir ao convencional. Mais, se o Tim Burton vai fazer um filme do livro, por alguma razão é! 

Abordando um pouco a história, mas pouco porque acho que a devem descobrir no meio das suas páginas, temos Jacob que cresceu a ouvir as histórias de infância do seu avô, dos seus amigos especiais e da sua tutora, a Senhora Peregrine. Cada um deles tinha uma particularidade muito especial, desde serem invisíveis, a flutuarem, a terem uma força abismal… Havia quase um pouco de tudo, mas o melhor eram as fotografias de aspecto antigo que tornavam tudo tão real, mas que Jacob, no fundo, dizia para si mesmo não passarem de manipulações. Só que não o eram e quando o avô morre e lhe sussurra uma certa mensagem, o pequeno vê-se perdido e sem saber no que acreditar. É então que começa a ir a um psicólogo e este apoia uma viagem à ilha onde o avô cresceu e da qual lhe falou. Essa viagem será um ponto sem retorno na sua vida e todo o caminho é uma incerteza. 

Não é um livro de terror, não daqueles convencionais, mas a narrativa é apaixonada e a violência cresce à medida que esta avança. O fim deixa-nos num certo impasse, num misto de tristeza e apreensão, mas a boa notícia é que Cidade Sem Alma já está nas livrarias e eu já tenho o meu exemplar, pronto a matar a minha sede de saber mais sobre o destino destas crianças peculiares. Entre viagens no tempo, características invulgares e um sentido de humor muito singular, considero que foi uma boa leitura e que vale como um todo pelo artefacto que é – texto e belíssimas fotografias.

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