Leituras 2019 – Bran Morrighan https://branmorrighan.com Literatura, Leitura, Música e Quotidiano Sat, 25 Sep 2021 17:59:45 +0000 pt-PT hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.3 https://branmorrighan.com/wp-content/uploads/2020/12/cropped-Preto-32x32.png Leituras 2019 – Bran Morrighan https://branmorrighan.com 32 32 Opinião: Styxx, de Sherrilyn Kenyon https://branmorrighan.com/2020/01/opiniao-styxx-de-sherrilyn-kenyon.html https://branmorrighan.com/2020/01/opiniao-styxx-de-sherrilyn-kenyon.html#respond Tue, 07 Jan 2020 19:25:00 +0000

Styxx – Parte Um e Parte Dois

Sherrilyn Kenyon

Editora: Edições Saída de Emergência (Chá das Cinco)

Sinopse: Os gémeos Styxx e Acheron tiveram poucos anos de paz antes de serem separados pelas intrigas que os pretendem destruir a ambos. Styxx vive na sombra do irmão, relegado para fora do reino e atormentado pelos deuses que veem nele um perigo para todo o panteão. As traições são constantes. E a lealdade é uma palavra que Styxx não conhece. Quando conhece Bethany, todo o mundo de Styxx se transforma. Escondendo a sua identidade para evitar mais tormentos, Styxx começa a confiar na mulher que revolucionou o seu mundo. Mas, mais uma vez, a sua confiança é abalada com segredos mais dolorosos do que a traição. E quando já não há ninguém em quem confiar e a escuridão ameaça a alma, haverá algum caminho para a redenção?

OPINIÃO: Estava a tentar lembrar-me há quantos anos leio Sherrilyn Kenyon, mas já lhe perdi a conta. E é com grande ânimo que volto a escrever sobre mais um dos seus capítulos na saga Dark Hunters (ou Predadores da Noite, em português). Confesso que os últimos volumes não me entusiasmaram muito, mas com Styxx, e as mais de mil páginas dos dois volumes, foi fácil relembrar-me do porquê de continuar a ler história após história. No entanto, aviso-vos já: Styxx está longe de ser uma leitura fácil e animada. Segundo aviso: amantes de Acheron, preparem-se… No final deste livro conheceremos uma versão (talvez) inesperada do tão amado guerreiro.

Por norma, a receita da autora é bastante simples: vidas difíceis, traumas inimagináveis, um amor que ultrapassa tudo e todos, uma ponta de esperança e a tão aguardada redenção. Paz não é coisa que dure muito tempo, porém em Styxx testemunhamos todo um novo nível de inferno, agonia e vergonha. Acheron e Styxx nasceram como irmãos gémeos, mas as parcas souberam como amaldiçoá-los bem. Ambos são de uma beleza sobrenatural, mas o primeiro tem olhos que o denunciam como pertencendo aos deuses. Styxx, sem esses olhos, acaba por ser o mortal de aspecto sobrenatural que todos desejam, de todas as maneiras possíveis e imaginárias. Como se cada um não tivesse a sua própria cruz para carregar, Styxx foi ainda abençoado com os pensamentos dos que o que lhe rodeiam e de cada vez que Acheron é castigado, ele sente os castigos como se fosse ele mesmo a sofrê-los. Já não bastava ser castigado a torto e a direito só por respirar, nos poucos momentos em que a esperança de paz parece alcançável, chegam-lhe dores impossíveis de superar. Só podem significar uma coisa: Acheron está a ser alvo de violência física. 

Percorrer estas centenas de páginas, dos dois volumes, foi uma autêntica epopeia. A autora foi de uma sensibilidade e de uma brutalidade tão intensas, que tanto fiquei de coração comovido com os irmãos a tentarem dormir no mesmo quarto de pés colados um ao outro, como também tive acessos de náusea com algumas das suas descrições de violações e abusos a todos os níveis. Sherrilyn Kenyon já nos habitou a histórias violentas e sangrentas, mas a narrativa de Styxx parece ter saído do pior dos pesadelos em tantas dimensões… Os sentimentos de isolamento, desespero, solidão, desapego, loucura e insanidade estão presentes ao longo de quase toda a narrativa. Se quem leu Acheron achava que não podia haver evolução mais tortuosa, pois bem, apresento-vos Styxx. Isto causa-me um misto de sentimentos em relação ao livro. Se por um lado admiro a escrita da SK, por outro lado, pela primeira vez, senti que não havia qualquer equilíbrio ou qualquer história de amor que pudesse compensar a brutalidade horrorosa com que Styxx teve que lidar ao longo de milhares de anos. 

A história de amor é bonita e a personagem feminina, Bethany, é uma protagonista forte e empática, mas apesar do caminho de redescoberta que Styxx faz com Bethany, a verdade é que a certa altura eu já só pensava que tudo era injusto e impossível demais para ser verdade. Como é que Styxx ainda prevalecia episódio após episódio de horrores de nos deixarem a ponto de vomitar várias vezes. A segunda parte é ligeiramente mais leve, porém ainda assim tem outro tipo de crueldade. Por exemplo, todos sabemos que Acheron é capaz de visualizar passado/presente/futuro de quase todos menos dos que lhe são próximos. E Acheron tem ajudado dezenas de guerreiros a alcançarem a sua redenção. Seria de esperar que o tipo de postura que ele tem com os outros predadores da noite, em termos de lhes dar uma oportunidade de provarem o seu valor, se estendesse também aos que lhe são próximos. Como o irmão, Styxx, por exemplo. Mas até isto vamos descobrir que não é assim tão simples. 

Resumindo e concluindo: se ainda não leram, preparem-se para o que aí vem. Desculpem algum spoiler involuntário, mas penso que não escrevi nada que coloque em causa a leitura. Quanto muito estou imensamente curiosa por saber o que acham de Styxx, o que acham desta faceta da escritora e, por último, se o Acheron continua a ser o vosso preferido! De qualquer maneira, mesmo após mais de vinte livros da escritora, esta é uma saga que quero continuar a acompanhar e que bate os meus records de números de livros lidos de uma escritora. 

]]>
https://branmorrighan.com/2020/01/opiniao-styxx-de-sherrilyn-kenyon.html/feed 0
Opinião: A Noite do Caçador, de Sandra Carvalho https://branmorrighan.com/2020/01/opiniao-noite-do-cacador-de-sandra.html https://branmorrighan.com/2020/01/opiniao-noite-do-cacador-de-sandra.html#respond Sun, 05 Jan 2020 18:53:00 +0000

A Noite do Caçador

Sandra Carvalho

Editora: Editorial Presença

Sinopse: Amaldiçoada pelos pares, a feiticeira Korinna implora ao renegado Theron que encontre uma cura para o seu tormento. O feiticeiro aceita ajudá-la, sem imaginar que o plano que engendrou resultará em danos maiores. Mikkel, o rapaz nascido da perversidade de Theron, irá crescer no seio de uma tribo humana, no Norte do Mundo, ignorando as suas origens e o propósito para o qual foi gerado. Ciente de que é diferente dos demais, terá de lutar para conquistar a confiança dos seus líderes e defender o povo dos implacáveis norrenos. Confrontado com o seu destino, será forçado a empreender a arrepiante travessia dos Pântanos dos Danados. Porém, na terra onde lhe fora prometida salvação, a sorte armou-lhe outra cilada. Conseguirá Mikkel salvar a família dos feiticeiros que o perseguem, contrariar a maldição que o assombra e libertar a sua amada Kitta da cobiça do rei Uruz, enquanto explora a magia que pulsa no seu sangue? Ou sucumbirá à herança paterna que o compele a alimentar-se de vida, e acabará por se tornar o mais terrível dos Caçadores? Uma aventura fantástica de autodescoberta e constante superação, construída sobre os laços da família, da amizade e do amor, e onde a força, a coragem, a lealdade e a determinação serão testadas a cada fôlego.

OPINIÃO: Não podia deixar 2020 avançar muito sem escrever, finalmente, sobre este livro. Há tantas razões pelas quais A Noite do Caçador é especial que vou tentar focar-me e não me dispersar demasiado. No entanto, antes de avançar, tenho que referir que esta foi uma das minhas últimas leituras antes de partir para os Estados Unidos, tendo depois o privilégio de o apresentar dois dias antes de apanhar o avião. Se os preparativos já andavam a ser emotivos, a leitura e a apresentação derreteram-me por completo o coração. Quem esteve presente na Comic Con em Lisboa, onde decorreu a apresentação, testemunhou um turbilhão de emoções que culminaram numa atrapalhação amorosa de sorrisos, lágrimas e abraços sentidos. Reflectindo um pouco, também a experiência da leitura pode ser descrita desta forma: uma luta em que os laços mais fortes sobrevivem e prosperam, mesmo entre momentos que podem oscilar entre a grande escuridão e a resplandescente luz.

A Noite do Caçador passa-se então no mesmo universo d’A Saga das Pedras Mágicas, mas numa era muito anterior ao primeiro volume da mesma. Claro que se deu logo uma espécie de nostalgia, mas para quem ainda não leu a Saga, não se preocupe, este livro pode ler-se de forma independente sem que se sinta que falta informação. Depois de alguns anos sem este universo, admito que foi bom voltar. É engraçado que cada vez que penso, para mim mesma, qual dos livros da Sandra Carvalho é que gostei mais, uma dura batalha se dá, já que cada universo criado pela autora é tão especial à sua maneira. 

Não sou nada fã, pois não? Continuando… Prometi focar-me e não é de todo o que está a acontecer. Desculpem-me! 

Este décimo segundo livro de Sandra Carvalho mostra-nos uma faceta muito intensa, muito madura, muito… vivida da autora. A narrativa está estruturada a três partes, cada uma delas com um pequeno salto temporal. Na primeira parte conhecemos Theron, o protagonista que queremos odiar, mas que não conseguimos. O caminho que percorremos com ele está cheio de intriga, enganos e traições. Ainda assim, havendo um rasgo de luz na escuridão, a redenção torna-se uma possibilidade, mesmo que não de forma imediata. Na segunda parte, conhecemos Mikkel, o rasgo de luz, rapaz e guerreiro, que atravessa uma adolescência cheia de dúvidas. Sobre quem realmente é, sobre a sua lealdade, sobre a lealdade dos que o rodeiam. A epopeia final não nos dá hipótese senão virar página após página até ao sorriso final. 

E digo sorriso final porque Sandra Carvalho, mesmo no meio de todas as tormentas e tempestades, é sempre capaz de encontrar esperança, redenção, amor e beleza. Esta é uma das coisas que mais admiro na sua escrita. Não são finais felizes só porque sim. São finais felizes porque se sente, genuinamente, que existe uma recusa a que seja de forma diferente. E isto aquece-nos o coração e dá-nos força para transportarmos esta escrita guerreira para a nossa vida real. Reforçando, A Noite do Caçador é mais do que um brilhante livro de fantasia, é uma aventura por entre as zonas cinzentas que fazem parte da vida, havendo perda e conquista, um grande sentido de lealdade, tudo envolto numa narrativa mágica e apaixonante. Ansiosa pela próxima obra da autora! 

]]>
https://branmorrighan.com/2020/01/opiniao-noite-do-cacador-de-sandra.html/feed 0
Opinião: A Jaula do Rei, de Victoria Aveyard https://branmorrighan.com/2019/09/opiniao-jaula-do-rei-de-victoria-aveyard.html https://branmorrighan.com/2019/09/opiniao-jaula-do-rei-de-victoria-aveyard.html#respond Wed, 04 Sep 2019 10:03:00 +0000

A Jaula do Rei

Victoria Aveyard

Editora: Edições Saída de Emergência

Sinopse: Quando a faísca da rapariga-relâmpago se apaga, quem ilumina o caminho para a rebelião? Mare Barrow foi capturada e está impotente sem o seu poder, vivendo atormentada pelos erros do passado. Ela está à mercê do rapaz por quem um dia se apaixonou, um jovem dissimulado que a enganou e traiu. Agora rei, Maven continua com os planos da sua mãe, fazendo de tudo para manter o controlo de Norta — e de sua prisioneira. Enquanto Mare tenta aguentar o peso sufocante da Pedra Silenciosa, a Guarda Escarlate organiza-se, deixando de agir nas sombras e preparando-se para a guerra. Entre os guerreiros está Cal, o príncipe exilado, que no meio das dúvidas tem apenas uma certeza: ele não vai descansar enquanto não trouxer Mare de volta. Sangue vermelho e prateado correrá pelas ruas. A guerra está a chegar…

OPINIÃO: Mare, Maven e Cal. Bem, mas que trio mais… desconcertante! Não há maneira de eu me ligar completamente a qualquer um deles. O que não é necessariamente mau. Passo a explicar. A Jaula do Rei é o terceiro livro da série Rainha Vermelha. O primeiro livro surpreendeu-me e foi com enorme avidez que o li. O segundo livro também li com um ritmo bastante grande, porém, confesso, aborreceu-me. Na altura justifiquei: a escrita da autora é bastante boa, mas Mare é um tiro no escuro. A forma como as personagens têm vindo a ser construídas tem tanto de momentos altos como de momentos vazios de significado. 

No início de A Jaula do Rei, eu tinha a esperança que, de alguma maneira, o enredo voltasse a ser vibrante, intrigante e, de preferência, o mais imprevisível possível. As expectativas saíram um pouco ao lado, embora ache que houve uma evolução mais consistente neste volume do que no anterior. Do trio que mencionei inicialmente, Maven tornou-se o protagonista com mais potencial, claramente. Tenho acompanhado algumas discussões online entre #teammaven e #teamcal, mas a forma como Victoria Aveyard tem conduzido a trama não me deixou margens para sentir qualquer compaixão por Cal ou sequer Mare. Portanto, aqui estou eu, #teammaven – não no sentido amoroso, porque o romance em si tem sido um dos pontos mais fracos, mas no sentido que para mim é o mais interessante e promissor. 

Perdoem-me esta divagação, mas esta dualidade permanente – em que simpatizo com o universo criado, mas não simpatizo assim tanto com os protagonistas, em que até acho que existe um enorme potencial, mas não o vejo a ser concretizado – faz-me reflectir sobre quando é que a balança pende para sentirmos que estamos perante uma série que só pode ser ou muito boa ou muito má. No meu caso, vou esperar pelo desfecho para perceber o meu sentimento final. Existem personagens muito boas, que ainda se encontram nas sombras, e que pode ser que tomem comando no que falta da história. 

Resumindo e concluindo: desculpem não falar sobre os desenvolvimentos neste volume, mas dado isto ser uma série, não me faz sentido expor acontecimentos que possam eventualmente causar spoilers a quem ainda não leu os anteriores; vou ler esta série até ao fim porque todas estas alianças e “desalianças” dão-me esperança que o fim possa vir a ser épico, mesmo que não acabe bem. Na verdade, para mim, acho que a única forma de eu ficar impressionada com o final desta trama é com os protagonistas a não terem, necessariamente, um final feliz, mesmo que a sociedade encontre o seu caminho para a paz. Veremos o que acontece! 

]]>
https://branmorrighan.com/2019/09/opiniao-jaula-do-rei-de-victoria-aveyard.html/feed 0
Recensão: Homens de Pó, De António Tavares; As Longas Noites de Caxias, De Ana Cristina Silva https://branmorrighan.com/2019/08/recensao-homens-de-po-de-antonio.html https://branmorrighan.com/2019/08/recensao-homens-de-po-de-antonio.html#respond Wed, 21 Aug 2019 13:34:00 +0000

Por João Morales

Porquê juntar estes dois livros no mesmo texto?

O eixo que os une talvez seja o 25 de Abril, pensa-se à primeira. Não o dia, o acontecimento, a Revolução, o êxtase, mas como ponto de referência num recta real, das que se aprendiam em Matemática, balizando a montante e jusante o contexto de um antes e um imediatamente depois que se revelam à lupa da distância temporal.

Ou, talvez não. Talvez partilhem a demonstração da humanidade que corporiza a História, a Micro-História, mesmo, apaixonante forma de relatar o Devir através de casos concretos, de vidas enormes, nomeando na multidão para que de anónimos não se façam os relatos.

Ou, talvez, ainda uma terceira hipótese. Tudo isto representado na vida de um homem, na vida de uma mulher, criando um efeito de espelho, uma tabela comparativa emotiva não mesurável. No fundo, duas vidas. E nelas, tantas outras.

«Fugir é levar o medo às costas. Não está dentro de nós, levamo-lo como uma mochila; esta tem uma fivela que nos vai picando e acaba fazendo uma ferida», lemos, logo na primeira página do mais recente romance de António Tavares, Homens de Pó, obra publicada na Dom Quixote.

O cenário temporal é o período que se segue à Revolução de Abril, tempos de inigualável confusão e convulsões num país demasiado habituado à modorra da incontestação, formatado segundo direções que emanavam do topo para a generalidade, sem discordância ou quaisquer vislumbres de questionamento. Num volte-face tremendo, Portugal vê-se a braços com a sede imensa de tudo debater, «numa ânsia colectiva de tudo fecundar», como escreveu José Mário Branco.

O grupo de homens, portugueses e africanos, agora formalmente naturais de continentes distintos, que constitui o cerne deste romance trabalha na construção e estradas, na terraplanagem das futuras vias, aperfeiçoamento das existentes, arranjo das destruídas. Uma metáfora inteligente, gizada por alguém que muito tem pensado sobre a questão colonial e a as suas consequências na construção da cidadania portuguesa e da nossa concepção de Estado, de Governo, de Poder… e outros conceitos operativos em exercício, mesmo quando não enumerados.

«A azáfama das máquinas e o ruído que produziam transtornavam-nos. Tínhamos descido ao inferno e alguns não aguentavam. Ao fim do dia, as minhas botas estavam mais pesadas devido ao pó e à lama que se entranhavam nelas. Lavávamos constantemente o nariz. Libertava fluidos raiados de negro, filtrados do ar que respirava. Não havia máscaras, luvas ou capacetes. A cada instante seguia um tipo para o hospital mais próximo, por doença ou acidente. No final, haveríamos de ter mais pó nos pulmões do que terra nas botas. Éramos carregadores de pó.»

A narrativa vai dando conta das movimentações desses dias sem par, das conjugações políticas que nasciam para logo se digladiarem, das figuras que surgiam ao centro das discórdias e entendimentos, muitas delas hoje esquecidas e remetidas para uma mais que discreta nota de pé de página.

O peso da cidadania, aliado a um orgulho renascido e vontade de ampliar o mundo circundante de cada um, reflectiam-se em diversas questões do quotidiano. O autor evoca essa temática através das aulas nocturnas, denúncia de um extremo analfabetismo, mas igualmente da consciência unânime sobre a necessidade de combatê-lo. É nestes encontros, autêntico símbolo de um país a renascer, que surge a questão amorosa, introduzindo uma nota mais de humanismo nesta narrativa.

E, por falar em mulheres, passemos ao segundo livro…

«Laura tinha vinte e um anos e uma acentuada inclinação para a revolta. Era contra este Portugal insubmisso e miserável, onde as pessoas levavam a vida de costas vergadas, que se insurgia. Viera há dois anos de Mértola para Lisboa, estudava na Faculdade de Direito e envolvera-se em todo o género de conspirações», descreve Ana Cristina Silva, uma Laura Branco mimetizada de uma mulher real (só o nome lhe foi trocado), assim baptizada para As Longas Noites de Caxias (Planeta), um romance duro, que não esconde a sua génese numa realidade ainda mais cruel.

Uma mulher como esta tinha poucas hipóteses de escapar: «Laura foi capturada pela PIDE a 3 de Maio». E é por via dessa detenção que acabamos por conhecer a motivação deste romance, uma outra mulher, igualmente real na História-por-vezes-obscurecida de Portugal, figura distinta e identificativa na estrutura do medo que suportava a Ditadura.

«No dia em que Salazar foi a Setúbal e beijou Maria Helena na testa, o seu pai deu uma tareia à mulher. Catarina ficou em casa a soluçar e só ele assistiu àquele momento que marcou a filha. A sua fúria já estava extinta quando saíram, mas não podia levar a mulher consigo porque ela tinha o olho esquerdo fechado pelo inchaço», lemos, entre o espanto e a repulsa.

Um parágrafo axial desta narrativa, já que nos transporta para a infância da torcionária em questão, e centraliza, potencia, extrapola – de certa forma – toda sua formação e aquisição e valores num episódio condimentado com alguns dos elementos mais identificativos da época – o culto do Poder público assumido em vassalagem e deslumbramento associado a uma violência endémica gerada na ignorância, alimentada na maior boçalidade.

O carácter de Maria Helena, a Leninha que nos vai assombrar ao longo da história, fica igualmente apresentado, quando Ana Cristina Silva – cuja formação na psicologia a levou a conhecer a mulher a quem Laura dá o nome, num romance que evoca pessoas reais para regressar à escuridão da PIDE – escreve: «acabara de escolher o lado do pai, tomara o partido do mais forte e decidira que a mãe era a culpada».

A narrativa assenta, em grande parte no confronto entre estas duas mulheres, representações simbólicas de opções perante uma mesma conjuntura, pretextos para questionar a sociedade da época e muitos dos seus espartilhos.

As contradições entre prática e teoria, numa sociedade fracamente politizada, mas onde se começa a debater, a questionar, a ponderar, também estão presentes. O romance com José António (cujo apelido Ribeiro dos Santos o imortalizou, depois das balas da PIDE lhe terem tirado a vida, em 1972), este sim, engendrado pela romancista, serve na perfeição para expor esse aspecto: «Ela estava habituada a reconhecer a pobreza no meio do quotidiano, sabendo por isso muito mais sobre a revolução do que ele».

Este livro é também um elogio à coragem e à hombridade. Ficará na memória de todos, a cena em que Laura enfrenta dois agentes, num interrogatório, começando a entoar uma canção de José Mário Branco: «Um, dois e três, era uma vez um soldadinho. Um menino lindo que nasceu no roseiral. Os meninos lindos não nascem para fazer mal».

Além da sua força natural, da qualidade e ritmo da escrita, da reflexão que significam sobre um período da nossa História (ainda) recente, ambos os livros têm uma característica fundamental que justifica uni-los numa mesma prosa e aconselhar mesmo a sua leitura de forma consecutiva.

Homens de Pó, como se disse, centrado num olhar masculino e num universo onde o trabalho braçal delimita os contornos do quotidiano, e As Longas Noites de Caxias, narrativa que trespassa a vida de duas mulheres colocando-as em pontas opostas de uma mesma lança cravada no tempo e da qual nenhuma delas conseguirá jamais escapar, são dois excelentes livros para serem lidos em sala de aula (a partir do 9º ano, talvez), debatidos, e tomados como ponto de partida para evocar alguns aspectos menos debatidos em torno da Ditadura e das suas consequências. O Ensino do Estado Novo e as suas consequências; a estrutura familiar e o papel social de cada elemento; a perseverança e a subserviência ou o maremoto socio-económico que atravessou um Portugal em convulsão e as suas manifestações são apenas alguns dos tópicos possíveis…

Homens de Pó

António Tavares

Dom Quixote

224 págs

16,60 euros

As Longas Noites de Caxias

Ana Cristina Silva

Planeta

200 págs

16,95 euros

]]>
https://branmorrighan.com/2019/08/recensao-homens-de-po-de-antonio.html/feed 0
Opinião: O Mundo à Beira de Um Ataque de Nervos, de Matt Haig https://branmorrighan.com/2019/04/opiniao-o-mundo-beira-de-um-ataque-de.html https://branmorrighan.com/2019/04/opiniao-o-mundo-beira-de-um-ataque-de.html#respond Sun, 28 Apr 2019 12:19:00 +0000

O Mundo à Beira de Um Ataque de Nervos

Matt Haig

Editora: Porto Editora

Opinião Razões para viverhttp://www.branmorrighan.com/2016/04/opiniao-razoes-para-viver-de-matt-haig.html

OPINIÃO: Ler Matt Haig é sempre sinónimo de levar com uma dose de realidade pura e dura. Não tendo nada a ver um com o outro, a verdade é que sempre que leio Matt Haig lembro-me de Mark Manson. Este último tem um discurso muito mais duro e, até, sarcástico, mas a verdade é que ambos atacam questões pertinentes sobre a saúde psicológica de cada um. Depois de um livro arrasador, Razões para viver, a Porto Editora volta a editar Matt Haig com o livro O Mundo à Beira de Um Ataque de Nervos. No primeiro mergulhámos intensamente sobre a vida pessoal do autor, revivendo com ele a passagem do abismo da vontade de suicídio à vontade de voltar a viver. Neste segundo constatamos como é que o mundo extremamente online em que vivemos actualmente pode ser um factor de risco para recaídas, ou até mesmo caídas, psicológicas. 

Para quem já possa ter experienciado ataques de ansiedade, ataques de pânico, ou viva num sobressalto ansioso mais ou menos constante, este é mais um livro que nos faz sentir que não estamos sozinhos nesta luta. E dado ter o cunho bastante pessoal de Matt Haig, quer nos identifiquemos completamente com a sua postura quer não, as questões que levanta e as estratégias que apresenta são extremamente válidas. Cada um tens as suas sombras e cada um encara a ansiedade de maneira diferente, dando-lhe diferentes formas consoante os tormentos. O Mundo à Beira de Um Ataque de Nervos reforça como o facto de estarmos todos conectados como nunca, nos torna também mais solitários do que nunca. 

Nem de propósito, há pouco tempo vi um documentário sobre o efeito das redes sociais nas atitudes das pessoas. O documentário ilustrava, com casos reais, como muita gente simulava vidas que não tinham qualquer reflexo na vida real. Adolescentes deprimidos que se levantavam da cama e criavam cenários hipotéticos (como uma rapariga toda maquilhada pronta para sair com amigos ou um rapaz a fazer uma pose qualquer de masculinidade) para logo a seguir a tirarem uma fotografia e postarem no Instagram, voltarem para os seus pijamas, sofás/camas, completamente abatidos. Também recentemente li outra publicação que estudava como é que esta constante observação da vida dos outros e das (supostas) conquistas alheias aumentavam o sentimento de depressão e até tendências suicidas. 

Dito isto, acho que quem se sente afectado por estas circunstâncias de pressão online deve ler este livro. Eu própria tenho fases em que não suporto estar nas redes sociais. No meu caso pouco tem a ver com a vida dos outros, mas antes com o facto de a certa altura começar a sentir a tal pressão em estar online, em postar nas redes sociais, etc. etc., para ser dada como viva/válida perante os outros. Matt Haig passou/passa pelo mesmo. O que não faz sentido nenhum. Matt Haig chega a ilustrar uma situação em como um comentário que fez no Twitter, inicialmente completamente inofensivo, se tornou num incêndio grotesco que lhe tirou completamente o sono e o arrastou para um estado de ansiedade brutal.

Um dos maiores conselhos de Matt Haig, que eu suporto a 100% é ousarem andarem desligados das redes sociais. Para além de não fazerem publicações, pura e simplesmente não vejam feeds nenhuns. “Ah e tal, mas também vejo notícias, etc.” Seleccionem os sites de notícias que mais visitam e visitem-nos directamente em vez de ser através de uma rede feed de sítios da internet sem terem de cair numa rede social. Existem livros de auto-ajuda e depois existem livros de autêntica ajuda. O Mundo à Beira de Um Ataque de Nervos, de Matt Haig, é um dos que vale a pena. 

]]>
https://branmorrighan.com/2019/04/opiniao-o-mundo-beira-de-um-ataque-de.html/feed 0
Opinião: Espada de Vidro, de Victoria Aveyard https://branmorrighan.com/2019/04/opiniao-espada-de-vidro-de-victoria.html https://branmorrighan.com/2019/04/opiniao-espada-de-vidro-de-victoria.html#respond Fri, 26 Apr 2019 15:53:00 +0000

Espada de Vidro (A Rainha Vermelha #2)

Victoria Aveyard

Editora: Edições Saída de Emergência

Sinopse: O sangue de Mare Barrow é vermelho mas a sua capacidade Prateada, o poder de controlar os relâmpagos, transformou-a numa arma que a corte real tenta controlar. A coroa acusa-a de ser uma farsa, mas quando ela foge do príncipe Maven – o amigo que a traiu –, Mare faz uma descoberta surpreendente: ela não é a única da sua espécie.

Perseguida por Maven, Mare parte para descobrir e recrutar outros combatentes Vermelhos e Prateados que se juntem à batalha contra os seus opressores. Mas Mare encontra-se num caminho mortífero, em risco de se tornar exatamente no tipo de monstro que está a tentar derrotar.

Será que ela vai ceder sob o peso das vidas exigidas pela rebelião?

Ou a traição e a deslealdade tê-la-ão endurecido para sempre?

Opinião do primeiro livro – A Rainha Vermelha – aqui: http://www.branmorrighan.com/2019/02/opiniao-rainha-vermelha-de-victoria.html

OPINIÃO: Aqui estou eu, em frente ao ecrã do computador, e sem saber muito bem como começar esta opinião. Como podem ver pelo link acima, eu gostei consideravelmente de A Rainha Vermelha. Já há bastante tempo que não iniciava uma nova saga de literatura fantástica e dei por mim bastante persa ao enredo e ao universo. Não que este fosse brutalmente original, mas Victoria Aveyard soube como construir uma narrativa empolgante. E sendo isso uma qualidade, acabou por se revelar um defeito em Espada de Vidro

Assim que tive oportunidade peguei neste livro e aventurei-me de cabeça. Gostei que começasse praticamente no mesmo ponto que o outro acabou, fazendo com que o entusiasmo da leitura anterior ganhasse um novo fôlego no início desta. O problema emergiu quando comecei a perder a paciência com a protagonista – Mare – e com a própria autora. Este livro tinha um potencial desmesurado. A procura pelos sanguenovos, a dualidade entre a fuga e a luta de Mare/Cal contra Maven, etc., prometiam uma continuação recheada de acção e ainda de mais sangue que na primeira. A questão é que em vez de a história desenvolver com o crescimento de personagens secundários, de ganhar uma maior dimensão e de sair um pouco da mente estilhaçada de Mare, não… Continuamos apenas na perspectiva de Mare. Porém, tal como ela se sente a sufocar na sua miséria, também me fez sentir sufocar na medida em que teria sido brutal ver mais personagens fortes evoluírem e tomarem parte forte na história. 

Mesmo neste tipo de romances distópicos com triângulos amorosos, etc., acaba por haver sempre aqueles que se elevam um pouco e, em conjunto com o/a protagonista, suportam toda a trama. Em Espada de Vidro vivemos Mare. Ponto. E por muito que digam, como já li, que Mare está apenas a ser humana, etc. etc., a verdade é que me cansou todo aquele egocentrismo, a constante insegurança e a sua ordem de prioridades nos sacrifícios a fazer. Tudo bem, mea culpa, isso não é culpa da autora é culpa minha que imaginei a história de outra maneira. Tenho achado bastante piada a quem diz que é #TeamMaven ou #TeamCal, como se isto fosse uma espécie de confronto entre os Salvatore na luta pela Elena, mas a verdade é que por mim qualquer um deles merece um maior crescimento nos próximos volumes. 

Admito, o livro tem avanços importantes e houve alturas de maior desenvolvimento em que quis virar página após página para saber onde a história ia parar, mas só as últimas páginas é que acabaram por “levar à arena” a verdadeira acção. E é por causa destas mesmas últimas páginas que quero muito ler o terceiro livro. Estou com aquela esperança que a escritora se vai redimir e trazer de volta um universo implacável, mas em que as personagens podem respirar e assumir o seu papel, sem estarem sempre nas sombras de Mare. No volume anterior isso foi muito mais equilibrado do que neste. Veremos o que trará A Jaula do Rei.

]]>
https://branmorrighan.com/2019/04/opiniao-espada-de-vidro-de-victoria.html/feed 0
Opinião: A Morte Feliz, de Albert Camus https://branmorrighan.com/2019/03/opiniao-morte-feliz-de-albert-camus.html https://branmorrighan.com/2019/03/opiniao-morte-feliz-de-albert-camus.html#respond Fri, 15 Mar 2019 11:39:00 +0000
A Morte Feliz

A Morte Feliz
Albert Camus

Editora: Livros do Brasil

OPINIÃO: Ler Albert Camus é sempre uma experiência intensa. Sempre que o li fiquei com aquela sensação agridoce que nasce do confronto a que o autor nos obriga a ter com a nossa percepção da vida, da felicidade e de como atingi-la. A Morte Feliz é um pequeno livro resgatado dos apontamentos do autor. Foi editado já após a sua morte e, por isso, não contém uma linha narrativa muito sólida. No entanto, os fragmentos que se conseguiram alinhar são suficientes para se dissertar eternamente sobre a obra.

As primeiras páginas deixaram-me logo em sentido de alerta. Tomando consciência que estes fragmentos foram escritos em tão tenra idade leva-nos ao reforço da constatação que Camus não era um ser humano comum. Abordando a morte e a felicidade com um pragmatismo estonteante, chega a ser quase cruel a forma como A Morte Feliz quebra certas ilusões.

Claro que tudo o que está relacionado com existencialismo é sempre subjectivo, mas a verdade é que Camus, através do errante Patrice Mersault, esfrega-nos na cara a dura verdade da pescadinhas de rabo na boca: para se ser feliz é preciso ter tempo -> para se ter tempo é preciso ter dinheiro -> para se ter dinheiro é preciso trabalhar -> trabalhar para ganhar dinheiro suficiente para ter tempo ocupa-nos o tempo todo. Aqui o ciclo fecha-se e a felicidade parece impossível para aqueles que têm de se matar a trabalhar para ter o tal dinheiro que pode nunca chegar e por isso o tempo para se ser feliz parece também ele uma miragem. 

Outro ponto muito importante abordado neste livro, é a importância de estarmos conscientes de nós mesmos, do que queremos para nós, em vez de nos agarrarmos ao que é superficial. Dividido em duas partes – Morte Natural e Morte Consciente – o autor leva-nos por um caminho em que passamos de uma certa alienação para a consciência do que nos rodeia e da nossa própria solidão enquanto veículo de tomada dessa mesma consciência.

Não obstante o caminho sinuoso traçado ao longo destas páginas, entre o apego desinteressado e a urgência de significado, o protagonista acaba satisfeito com a vida que levou. Confesso que não consigo imaginar uma vida em que alguém encontra paz depois do que aconteceu entre Mersault e Zagreus (o personagem impulsionador de toda esta história), e portanto nem sempre me senti alinhada com algumas das atitudes e pensamentos de Mersault. 

Não tirando qualquer mérito desta narrativa, devo alertar quem decidir ler este livro que por vezes a leitura pode tornar-se um pouco arenosa. Mas vale a pena prosseguir e fazer o caminho completo. Nutro uma profunda admiração por este autor e sou da opinião que qualquer amante literário deveria ler pelo menos uma das suas obras. Talvez esta não seja perfeita para começar, mas é sem dúvida uma leitura fundamental na contribuição da discussão sobre a existência humana. 

]]>
https://branmorrighan.com/2019/03/opiniao-morte-feliz-de-albert-camus.html/feed 0
Opinião: Rainha Vermelha, de Victoria Aveyard https://branmorrighan.com/2019/02/opiniao-rainha-vermelha-de-victoria.html https://branmorrighan.com/2019/02/opiniao-rainha-vermelha-de-victoria.html#respond Sun, 24 Feb 2019 17:08:00 +0000

Rainha Vermelha

Victoria Aveyard

Editora: Saída de Emergência

Sinopse: O mundo de Mare, uma rapariga de dezassete anos, divide-se pelo sangue: os plebeus de sangue vermelho e a elite de sangue prateado, dotados de capacidades sobrenaturais. Mare faz parte da plebe, os Vermelhos, sobrevivendo como ladra numa aldeia pobre, até que o destino a atraiçoa na própria corte Prateada. Perante o rei, os príncipes e nobres, Mare descobre que tem um poder impensável, somente acessível aos Prateados. Para não avivar os ânimos e desencadear revoltas, o rei força-a a desempenhar o papel de uma princesa Prateada perdida pelo destino, prometendo-a como noiva a um dos seus filhos. À medida que Mare vai mergulhando no mundo inacessível dos Prateados, arrisca tudo e usa a sua nova posição para auxiliar a Guarda Escarlate – uma rebelião dos Vermelhos – mesmo que o seu coração dite um rumo diferente. A sua morte está sempre ao virar da esquina, mas neste perigoso jogo, a única certeza é a traição num palácio cheio de intrigas. Será que o poder de Mare a salva… ou condena?

OPINIÃO: No final da minha leitura anterior, Destemida, constava o início de Rainha Vermelha. Pensei: porque não? Já tinha o livro há algum tempo e queria combater aquela fase em que andava há algum tempo em que ler fantástico não me estava a atrair (acho que quase todos já passámos por fases em que há certos géneros de leitura que naquele momento não nos entusiasmam). Fiquei agradavelmente surpreendida. Não vou dizer que é o melhor livro de Fantástico que já li, porque acho que a história acaba por ter vários elementos de outros livros do género, mas a forma como está montado, o estilo de escrita e o tipo de narrativa proporcionou-me uma bela leitura e deixou-me curiosa pelos livros seguintes. 

Como mencionei, apesar da trama não ser propriamente uma novidade, acho que todo o livro foi inteligentemente montado. Logo de partida, a imagem da capa é apelativa. Quando iniciamos depois a leitura, o título mantém-se sempre presente na nossa cabeça porque queremos chegar ao momento em que fazemos a ponte entre a história e o mesmo. Confesso que grande parte do meu impulso para avançar o mais rapidamente possível deveu-se a isso. 

Outro factor que ultimamente me tem surpreendido é que há cada vez mais romances distópicos a terem personagens femininas. Já não é como no passado em que era necessário encontrarmos uma Juliet Marillier ou uma Marion Zimmer Bradley para encontrarmos protagonistas femininas fortes. Desde os Jogos da Fome e de Divergente, toda uma nova panóplia de protagonistas surgiu e a tendência parece continuar. Neste caso conhecemos Mare Barrow, uma vermelha sem qualquer estatuto ou emprego que passa a maior parte do seu tempo a roubar para que a sua família sobreviva o melhor possível. Até ao dia em que se cruza com um desconhecido e no dia seguinte está entre Prateados e prestes a iniciar uma vida que lhe trará os maiores desafios e sofrimento. 

O que raramente falta numa distopia é a parte do romance amoroso que irá motivar e ser fonte de coragem para que as mais difíceis decisões sejam tomadas. E o que gostei em Rainha Vermelha é que o romance aqui é algo instável e pouco certo – toda a gente pode trair toda a gente. Não achei as reviravoltas muito imprevisíveis, mas gostei do facto de a autora não tornar a vida fácil a ninguém. 

Em relação ao universo, ao mistério e à evolução das personagens e da história, a autora foi bastante directa ao assunto, impondo um ritmo considerável aos acontecimentos. No entanto, houve algo que me desapontou um pouco. Dada a diferença que se descobre em Mare, nem vermelha nem prateada, mas algo mais, achei que a evolução dos seus poderes ficou aquém do esperado. Para quem ler, e isto não é um grande spoiler, para compreenderem o que digo falo do facto de ela ser capaz de criar electricidade em vez de só usar os elementos disponíveis como todos os outros prateados. 

Resumindo: Rainha Vermelha é um bom primeiro livro, cheio de intriga e violência, onde a linha entre o bem e o mal é tudo menos clara. Somos confrontados com o facto de que a forma como crescemos e somos educados pode condicionar a visão que temos do mundo e como esta pode ser diferente de uns para os outros, dependendo dos privilégios ou do estatuto que se tem. Depois do caos em que terminou este primeiro volume, estou muito curiosa por ler o próximo. 

]]>
https://branmorrighan.com/2019/02/opiniao-rainha-vermelha-de-victoria.html/feed 0
Opinião: Destemida, de Lesley Livingston (A Gladiadora #1) https://branmorrighan.com/2019/02/opiniao-destemida-de-lesley-livingston.html https://branmorrighan.com/2019/02/opiniao-destemida-de-lesley-livingston.html#respond Sat, 16 Feb 2019 20:46:00 +0000

Destemida

Lesley Livingston

Chancela: Saida de Emergência

Saga/Série: A Gladiadora  Nº: 1

Sinopse: Fallon é a filha mais nova de um orgulhoso rei celta e sempre viveu na sombra da lendária reputação da guerreira de Sorcha, a sua irmã mais velha, que morreu em combate quando os exércitos de Júlio César invadiram a ilha da Bretanha. Na véspera do seu 17.º aniversário, Fallon está ansiosa por seguir os passos da irmã e conquistar o seu legítimo lugar entre os guerreiros reais. Mas ela nunca terá essa oportunidade, já que é capturada e vendida a uma escola de elite que treina mulheres gladiadoras — e cujo patrono é o próprio Júlio César. Numa cruel reviravolta do destino, o homem que destruiu a família da jovem poderá ser a sua única hipótese de sobrevivência. Agora, Fallon terá de ultrapassar rivalidades perversas e combates mortais — dentro e fora da arena. E talvez a maior ameaça de todas: os seus sentimentos proibidos, porém irresistíveis, por Cai, um jovem soldado romano.

OPINIÃO: A vantagem de quando se está a viajar e temos longas horas de espera e de vôos é que podemos usar esse tempo como desculpa para ler. Com o ritmo de vida a que tenho andado, ler um romance do principio ao fim tem sido impossível. Metem-se as leituras académicas, os manuais das disciplinas que tenho que leccionar, etc., e sempre que pego num romance fico com aquele sentimento de culpa de que provavelmente devia estar era a trabalhar… Estando entre vôos e dentro do avião, libertei-me desse sentimento de culpa e mergulhei em Destemida. Foi o único romance que levei comigo para a Polónia (fora o calhamaço Comportamento) e foi o melhor que podia ter levado. 

Há muito tempo que estou fora dos romances históricos/fantásticos/místicos e Destemida foi muito mais do que esperava. Logo de início reacendeu uma chama inesperada de entusiasmo ao puxar-me para um imaginário celta em que, ainda para mais, a personagem principal tinha como sua deusa de eleição a Morrighan. Eu sei, no livro escrevem Morrigan, mas é-me difícil escrever sem ser com o h. Eheh. Parece que lhe falta ali qualquer coisa! Mas voltemos ao livro. A protagonista do livro chama-se Fallon, é filha de um rei celta e um dos seus objectivos de vida é ser uma guerreira. Aliás, conhecêmo-la precisamente enquanto ela pratica o “vôo de Morrighan”, uma manobra que muito poucos conseguem executar e que acarreta um elevado risco para o executor. 

De um ambiente seguro, com Fallon a descobrir o seu primeiro amor e prestes a tornar-se numa das guerreiras do seu pai, passamos rapidamente para um ambiente de perigo e de imprevisibilidade. Lesley Livingston conseguiu de forma brilhante aquilo que queria – um mundo sem magia, mas absolutamente deslumbrante e com uma energia tão própria que quase parece impregnado dela. De foragida a gladiadora, o crescimento de Fallon enquanto personagem foi algo que me agradou. Teve de passar a criança a mulher, mas não foi daquelas transições repentinas. A autora sobe como explorar toda a estrutura de personagens secundárias para conduzir Fallon ao ritmo certo ao ponto necessário para ser a heroína que revela. 

Mesmo que os leitores saibam muito pouco de história, em Destemida conseguem ter uma excelente noção do que foi a invasão da Britânia pelos romanos e ainda como todo o mecanismo político, muito baseado também em guerras de bastidores, funcionava. A violência enquanto entretenimento provem do aborrecimento de quando as guerras acalmam. É preciso reavivar as memórias, reconstruir glórias passadas… E assim surgem também as gladiadoras. Só uma mulher poderia escrever de forma tão apurada e aguçada sobre um grupo de mulheres e todas as suas dinâmicas de confiança e traição.

O ritmo da narrativa não nos dá hipótese. Não queremos largar, nem por um segundo, Fallon e as suas companheiras. Há demasiadas intrigas escondidas, demasiados passos em falso que podem ser dados! E, claro, aquela componente que não podia faltar e que fico grata que não tenha sido exagerada… o romance! Dou os parabéns a Lesley Livingston por ter construído personagens femininas tão fortes e tão capazes que, mesmo não abdicando do seu lado emocional, mantém-se firmes nas suas convicções. Claro que ajuda quando os personagens-chave masculinos são também eles estruturados refletindo interacções que podiam ter acontecido na realidade. Isto é, lemos o livro e não dizemos “só mesmo em livro é que isto podia acontecer!”. Se por um lado por vezes adoramos perdermo-nos em fantasias, este foi um romance inspirador em que agradeci ter pouco de fantasioso. 

]]>
https://branmorrighan.com/2019/02/opiniao-destemida-de-lesley-livingston.html/feed 0
Esperança e “milk and honey” https://branmorrighan.com/2019/01/esperanca-e-milk-and-honey.html https://branmorrighan.com/2019/01/esperanca-e-milk-and-honey.html#respond Tue, 08 Jan 2019 18:58:00 +0000

Tirei esta fotografia com o meu telemóvel (não tem qualquer tipo de filtro ou tratamento, estava mesmo muito nevoeiro às 9h30 da manhã) enquanto dava a minha caminhada matinal no trilho do Tejo. Provavelmente não inspira muito esperança. É, talvez, até desoladora. No entanto, há qualquer coisa nela, talvez aquela espécie de sol que quer espreitar, que me conforta e desconforta ao mesmo tempo. A fase pela qual estou a passar também está cheia desses altos e baixos. Quem disse que fazer um doutoramento não deixava as suas marcas?  

Como sabem, tinha como missão escrever pelo menos um artigo decente por semana aqui no blogue, mas o ano começou e eu continuei numa maratona desenfreada para cumprir uma missão que verá o seu termino no máximo na próxima Segunda-feira. Tem sido duro, tem sido cansativo, o mundo não pára de girar e eu continuo a ter de corresponder às minhas obrigações académicas e ainda tentar que as festas de aniversário tenham a atenção que merecem. Esperança! Não por mim. E quem me conhece sabe que se ainda me dou ao esforço de organizar concertos é porque acredito que as bandas que convido merecem a devida atenção e tento proporcionar-lhes uma oportunidade, em casas de referência, para se darem a conhecer. Ah! E a bela mixtape de comemoração de aniversário. Ainda não estão todas as músicas divulgadas, mas já ouviram as três belezas que já se encontram online? Visitem https://branmorrighan.bandcamp.com ! 🙂

Esta imagem está muito tosca, mas no meio da maratona que tem sido a vida, decidi pegar no livro milk and honey, de rupi kaur, que a Joana Gonzalez – amizade para uma vida que teve origem nos nossos blogue, o dela éo blogue As Histórias de Elphaba – me ofereceu num aniversário. Esta é uma das suas magníficas páginas. Que livro belíssimo. Que poesia brutal. Há páginas tão fortes entramos numa dimensão completamente visceral. A poesia consegue ser bela, mas também avassaladora. Este é um livro que entra na categoria daqueles que quero manter sempre perto de mim. Que na minha casa tem de estar num lugar de alta exposição. Que me faça lembrar. Que me lembre de que os traumas, a dor, o amor e a cura fazem todos parte da nossa vida e que podemos ser tão fortes quanto ousarmos ser. Esperança! Convido-vos a visitarem o meu instagram – https://instagram.com/sofiateixeira_branmorrighan/ – a verem as histórias que publiquei relacionadas com este livro. Ainda não sei se irei escrever um artigo só sobre o livro, mas espero que sim. 

Muito obrigada por se manterem desse lado e, não se esqueçam, se estiverem por Lisboa dia 18 de Janeiro é aparecer no Musicbox a partir das 21h! Ora espreitem a noite maravilhosa que vamos ter: http://www.branmorrighan.com/2019/01/branmorrighan-comemora-10-anos-no.html

]]>
https://branmorrighan.com/2019/01/esperanca-e-milk-and-honey.html/feed 0