Leituras 2020 – Bran Morrighan https://branmorrighan.com Literatura, Leitura, Música e Quotidiano Sun, 10 Jan 2021 20:21:29 +0000 pt-PT hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.3 https://branmorrighan.com/wp-content/uploads/2020/12/cropped-Preto-32x32.png Leituras 2020 – Bran Morrighan https://branmorrighan.com 32 32 Opinião: Lá Onde o Vento Chora, de Delia Owens https://branmorrighan.com/2020/04/opiniao-la-onde-o-vento-chora-de-delia.html https://branmorrighan.com/2020/04/opiniao-la-onde-o-vento-chora-de-delia.html#respond Tue, 21 Apr 2020 01:54:00 +0000
Lá Onde o Vento Chora

Lá Onde o Vento Chora
Delia Owens

Editora: Porto Editora

É engraçado como algumas histórias chegam até nós. A verdade é que foi preciso mudar-me para o outro lado do oceano para ler este livro. E nem sequer o li em inglês. Esta foi uma das minhas escolhas impulsivas quando me deparei com a decisão de ter de escolher apenas três livros. Ainda assim, demorei a pegar nele. Parecia que quanto mais elogios sobre ele lia, quanto mais a Amazon mo recomendava, mais eu ganhava resistência em lê-lo.

Já vos aconteceu algo parecido? Verem um livro a ser tão falado que ao contrário do esperado a curiosidade baixa em vez de aumentar? É um fenómeno um pouco estranho, admito, porém também defendo que são os livros que escolhem quando devem ser lidos. Há coisa de um mês, Lá Onde o Vento Chora pegou-me pela entranhas. 

Lembram-se do meu último post sobre a vontade e a resistência de voltar a escrever? As emoções evocadas por esse processo? A leitura deste livro foi muito semelhante. Provocou-me uma espécie de desconforto, incitando-me ao mesmo tempo a continuar e a “não fechar os olhos” à história. Quando li que este era o primeiro romance de Delia Owens, não quis acreditar.

No entanto, dada a sua biografia, a  maturidade gritante e o nível de consciência primeva passou a fazer mais de sentido. Entrar nesta leitura tem o perigo de nos sentirmos a mergulhar num universo tão visceral que é fácil perdermo-nos em emoções arrebatadoras. Quantos de nós nunca se sentiram completamente fora do seu habitat natural, desenquadrados num mundo cujas regras nem sempre são compreensíveis e que avança sem nos pedir autorização, evoluindo independentemente do nosso querer e da nossa limitada percepção ou compreensão? 

O caminho que fazemos com Kya é este. Uma miúda que cresce longe do que é considerado “a vida normal”, numa pequena casa num pântano, com uma família disfuncional (o pai bate na mãe e nos irmãos e só não lhe bate a ela porque ainda não calhou) que vai desaparecendo aos poucos. Cada um, começando pela mãe e depois pelos irmãos, saem pela porta fora sem nunca mais voltarem. Kya espera todos os dias no alpendre da casa pelo regresso da mãe, mas todos sabemos como é que esta parte da história acaba, certo?

Não, não tanto assim, mas deixo isso para vocês descobrirem quando lerem o livro. Não obstante, Kya tem de aprender a sobreviver, a subsistir, a crescer num isolamento que só peca por os seres humanos não serem tão bons companheiros como a mãe natureza e os seus animais. A interação de Kya com outras pessoas vai ensinando-a que não há lugar para ela em quase lado nenhum senão no pântano. Ainda assim quem é que aguenta uma vida inteira de solidão humana depois de já ter sentido um pouco do poder de gostar de alguém? 

Do desaparecimento da sua família à sua vida adulta passam vários capítulos. Durante esses capítulos somos quase levados a crer que o livro é sobre a morte misteriosa que aconteceu na povoação, porém todos sentimos a verdade a pulsar nas nossas veias. Tem muito mais a ver com o íntimo do ser humano do que com um mero mistério.

E Delia Owens foi por demais inteligente a montar a narrativa. A escritora envolve-nos nas suas descrições da natureza, força-nos a olhar e a sentir tudo de forma genuína e sem filtros, com calma e paciência. Obriga-nos a compreender a íntima relação perdida dos ser humano com o universo e a sua natureza selvagem. E quando nos esquecemos e não respeitamos, as consequências conseguem ser brutais. A incompreensão e a intolerância são os dois ingredientes que fazem deste livro o sucesso que ele tem.

Dito isto, Lá Onde o Vento Chora foi uma bela surpresa. Não sinto que foi um dos melhores livros da minha vida, mas sem dúvida foi uma leitura que me tocou em sítios muito familiares. Comoveu-me, enfureceu-me, fez-me rir e quase chorar, mas mais importante ainda surpreendeu-me com o nível de profundidade a que ainda conseguimos ir às origens. Ao mundo em que aprendizagem, comércio, relações pessoais e sobrevivência têm como base o instinto e a confiança inocente da partilha. E tal como já tinha sido descrito num dos textos mais antigos de sempre, a bíblia, o acordar para a traição pode ter consequências tremendas e fatais. Gostei bastante e recomendo. 

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Opinião: A Paciente Silenciosa, de Alex Michaelides https://branmorrighan.com/2020/01/opiniao-paciente-silenciosa-de-alex.html https://branmorrighan.com/2020/01/opiniao-paciente-silenciosa-de-alex.html#respond Sun, 05 Jan 2020 10:46:00 +0000

A Paciente Silenciosa
Alex Michaelides

Editora: Editorial Presença

Sinopse: Alice Berenson é uma pintora britânica, jovem e famosa, que vive numa casa sublime nos arredores de Londres com o marido, Gabriel, um conhecido fotógrafo de moda. A vida de ambos parece perfeita. Mas uma noite, quando ele chega a casa depois de uma sessão fotográfica, Alicia mata-o com cinco tiros. E nunca mais diz uma palavra.

A recusa de Alicia em falar e dar qualquer tipo de explicação sobre a tragédia, transforma-se num mistério que prende a imaginação da opinião pública, e confere a Alicia uma notoriedade sem precedentes. O preço dos seus trabalhos artísticos dispara e ela, a paciente silenciosa, é alvo de um mediatismo implacável. Para evitar isso, é conduzida para uma unidade forense de alta segurança no norte de Londres.

Theo Faber, um psicoterapeuta criminal, espera há muito pela oportunidade de trabalhar com Alicia. A sua determinação em convencê-la a falar e a desvendar as razões misteriosas que motivaram o assassínio do marido leva-o por um caminho tortuoso, numa busca pela verdade que ameaça consumi-lo…

OPINIÃO: Primeira leitura finalizada de 2020 e primeiro texto sobre uma leitura minha em algum tempo. É bom voltar a sentir esta motivação de falar sobre o que li! E uma coisa posso desde já dizer-vos: devo andar completamente fora do campeonato no que aos thrillers e ao suspense diz respeito porque fui embalada até aos últimos capítulos sendo apanhada de surpresa na recta final! Eu sei, eu sei, é mesmo essa a intenção de um livro deste género, mas por norma costumava ter uma intuição certa e Alex Michaelides conseguiu surpreender-me bem! Vá, confesso que não me surpreendeu em relação à morte do Grabriel, mas sim a toda a envolvente que levou até esse acontecimento! 

A Paciente Silenciosa é, na minha opinião, um daqueles livros em que vamos virando página após página, um verdadeiro page-turner, sedentos de mais. O início não foi o mais empolgante, mas a premissa prometia e veio a cumprir-se. Temos então uma artista de renome, um fotógrafo cheio de talento e um casamento terminado através de homicídio. Alicia é encontrada com uma arma e Gabriel com o seu cérebro desfeito. Ela não fala, não se defende, nada, acabando internada num hospital psiquiátrico.

Anos depois, Theo, um psicoterapeuta, decide que a quer ajudar, que será capaz de a fazer falar. E é esta epopeia o centro da trama, a forma como Theo vai desbravando caminho, identificando-se cada vez mais com Alicia, ao mesmo tempo que partilha connosco a sua própria tragédia pessoal. Nota extra no envolvimento da tragédia grega Alceste como um dos pontos centrais da história.

Para um primeiro romance, há que enaltecer que Alex Michaelides já deixou a sua marcar no Thriller Psicológico. A forma como montou o enredo e encadeou os capítulos fazem com que o leitor não só ganhe uma espécie de empatia cética com o protagonista (confesso que não amei Theo, mas ao mesmo tempo esta distância que se manteve foi ao mesmo tempo um ponto de atracção), como também fique com a cabeça a andar à roda em relação a Alicia.

Temos um marido praticamente perfeito, um dono de galeria ganancioso, um primo mentiroso, um cunhado assustador… Há de tudo um pouco para umas quantas conjecturas. E a beleza está, precisamente, naquele parágrafo final, a alguns capítulos do fim, em que sentimos um baque e sabemos que agora só largaremos o livro quando terminarmos a leitura.

O ritmo da narrativa oscila entre momentos de maior reflexão e outros de maior acção, as personagens são interessantes e não são planas, acabam por ter algumas camadas, e a verdade é que, apesar de ser um romance, quem é que nunca ouviu falar deste tipo de acontecimentos? No entanto, tenho uma confissão a fazer. Dado que sou fascinada pelo psicológico humano e sendo Theo psicoterapeuta, fiquei um bocadinho desiludida quanto a esta componente – da psicoterapia. Mas compreendo que foi necessária uma certa romantização do enquadramento para se poder dar o desfecho que deu. Resumindo e concluindo, A Paciente Silenciosa é uma aposta segura e proporcionará uma excelente leitura.

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