Secção de Policiais – Bran Morrighan https://branmorrighan.com Literatura, Leitura, Música e Quotidiano Sun, 10 Jan 2021 20:19:45 +0000 pt-PT hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.2 https://branmorrighan.com/wp-content/uploads/2020/12/cropped-Preto-32x32.png Secção de Policiais – Bran Morrighan https://branmorrighan.com 32 32 Opinião: O Pântano dos Sacrifícios, de Susanne Jansson https://branmorrighan.com/2018/06/opiniao-o-pantano-dos-sacrificios-de.html https://branmorrighan.com/2018/06/opiniao-o-pantano-dos-sacrificios-de.html#respond Mon, 04 Jun 2018 11:55:00 +0000

O Pântano dos Sacrifícios

Susanne Jansson

Editora: TOPSELLER

Sinopse: Em tempos, realizavam-se oferendas humanas em pântanos. Agora, há pessoas a desaparecer… Crê-se que antigamente os pântanos eram usados como locais onde se realizavam sacrifícios humanos. Por serem pobres em oxigénio, estes terrenos atrasavam o processo de decomposição dos corpos, levando à sua preservação. Há por isso quem acredite que as almas lá enterradas não conseguem encontrar descanso, atraindo até si novas vítimas. Nathalie Nordström é uma jovem bióloga que se desloca até a um pântano no norte da Suécia para realizar uma experiência de campo. Nathalie cresceu naquela zona, mas partiu quando uma terrível tragédia se abateu sobre a sua família. Numa noite de tempestade, um mau pressentimento leva-a até ao pântano. Lá encontra um homem inconsciente, prestes a afundar-se. A polícia começa a investigar o caso e acaba por encontrar cadáveres ali enterrados. Estará o pântano a reclamar mais sacrifícios, como alguns habitantes locais acreditam?

OPINIÃO: Se há elemento que parece caracterizar a literatura policial nórdica é um certo mistério místico. Têm sempre uma camada, uma espécie de segunda pele, mais densa, tanto no que toca ao ambiente como à violência. O Pântano dos Sacrifícios é um thriller que vive dessa neblina, do não sabermos bem, até perto do fim, qual a verdadeira origem de todo o mistério, apesar de sentirmos constantemente o formigueiro de algo meio sobrenatural. No que toca à violência, a nível gráfico é menos do que poderíamos esperar, mas a nível psicológico é intrigante desde o início. Nathalie, a protagonista, coloca-nos o cérebro a fervilhar desde a primeira página. Todos temos os nossos fantasmas, mas os de Nathalie parecem estar na iminência de exigir um pagamento pelo seu passado tumultuoso. 

É sabido que em certas culturas muitas vezes se faziam sacrifícios para agradar aos deuses ou para tentar aplacar espíritos ou pessoais mais supersticiosas. O mote deste livro é precisamente esse. Temos um local, no norte da Suécia, cujo pântano carrega essa mitologia. E há quem continue a acreditar que o pântano exige os seus sacrifícios de forma a deixar os habitantes locais em paz. Depois da descoberta d’A Rapariga do Arando, corpo encontrado ainda preservado no pântano, muitas foram as pessoas que foram desaparecendo, mas sem que se associasse ao pântano um papel activo. Foi preciso Nathalie conhecer uma pessoa e ter um pressentimento em relação a essa mesma pessoa que acabou por mudar tudo. 

Quando Nathalie encontra o seu novo conhecido inconsciente e maltratado no pântano, o seu passado assalta-a com força e conseguimos sentir os seus demónios a ganhar forma novamente. À medida que vamos conhecendo a infância de Nathalie, conhecemos também outra personagem feminina, Maya, que vai ter um papel fundamental no desfecho da história. É fotógrafa artística, mas em part-time também é fotógrafa forense e é através dela que vamos conhecendo alguns dos habitantes locais que fizeram parte do passado de Nathalie. É nestes cruzamentos de perspectivas que mergulhamos profundamente, esperando que o sol brilhe e se faça luz sobre todas as questões que se vão levantando ao longo da narrativa. 

O Pântano dos Sacrifícios é um livro que, apesar de todo o negrume aparente, se lê bastante bem. A escrita é fluída e está bem estruturada. A nível de intensidade, achei que faltou ali qualquer coisa para ser um livro que fique na memória. Tinha muitas expectativas para o papel de Nathalie que nunca se realizaram, mas talvez seja culpa minha por esperar sempre alguma espécie de twist psicológico neste tipo de thrillers. No fundo, nunca sabemos bem onde é que a trama vai parar e isso acaba por ser o maior ponto positivo pois mantém o leitor bem atento a todas as possibilidades.  

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Opinião: Tenho de Saber, de Karen Cleveland https://branmorrighan.com/2018/05/opiniao-tenho-de-saber-de-karen.html https://branmorrighan.com/2018/05/opiniao-tenho-de-saber-de-karen.html#respond Sat, 26 May 2018 10:56:00 +0000

Tenho de Saber

Karen Cleveland

Editora: Editorial Planeta

Sinopse: Vivian Miller (Viv) é uma dedicada analista de contraespionagem que tem por missão descobrir os chefes das células de agentes «adormecidos» a operar nos Estados Unidos. Prestes a alcançar uma promoção de que muito necessita, criou um sistema para identificar os agentes russos que levam uma existência aparentemente normal à vista de toda a gente. A vida de Viv parece perfeita. Tem um excelente trabalho na CIA e um marido amoroso, Matt. Na CIA cria algoritmos para identificar e desmantelar as organizações russas que se tentam infiltrar no país. Um dos algoritmos permite-lhe encontrar um homem de nome Yury, que a CIA acredita ser um manipulador. Através dele esperam encontrar os cinco agentes que controla. Viv entra no computador de Yury e, fica surpreendida por não encontrar documentos encriptados, como pensava e em vez disso encontra uma pasta de nome Amigos com grande facilidade. Viv fica em êxtase, pensando que por fim encontrou os cinco agentes. Mas de súbito enquanto olha para as fotografias que a pasta contém, o coração cai-lhe aos pés quando vê uma fotografia do seu marido Matt. Decide interrogá-lo antes de reportar a descoberta à chefia, mas pensa que deve ser um erro a fotografia do marido naquela pasta. Quando o confronta, ele choca-a ao assumir que trabalha para a Rússia há vinte e dois anos. Vivian jurou defender o seu país contra todos os inimigos, tanto externos como internos. Mas agora deparam-se-lhe escolhas impossíveis. Dilacerada entre a lealdade e a denúncia, a fidelidade e a traição, o amor e a suspeita, em quem poderá confiar? 

OPINIÃO: Aqui está um livro que se lê rapidamente. Por norma os livros de espionagem, quando bem escritos, têm a capacidade de colocar o nosso cérebro a mil, explorando várias possibilidades e desfechos. O mais comum é termos uma personagem central masculina e Tenho de Saber vem quebrar esse padrão colocando-nos uma analista da CIA como protagonista. Esta é a estreia literária de Karen Cleveland que trabalhou, precisamente, como analista de contra-terrorismo na CIA. Talvez também por isso toda a escrita seja bastante coerente e bastante cinematográfica. Outro ponto a favor é o facto de nos dar uma perspectiva mais emocional sobre uma profissão que terá sempre os seus riscos, exacerbando o papel de mulher e mãe no impacto que isso pode ter na altura de tomar decisões. Entre ver a família destruída ou deixar escapar quatro terroristas há processos mais ou menos racionais que podem fazer uma pessoa agir de forma inesperada.

A autora foi muito inteligente ao construir a narrativa. Apesar de não haver uma dúvida constante sobre quem é o bom e o mau da fita, há sempre uma expectativa muito grande sobre qual será o próximo passo de Vivian. Na experiência de leitor que se coloca no papel da protagonista, confesso que nem sempre foi imediato sentir-me em sintonia com ela. Mas isso está longe de ser necessariamente mau, já que criou uma espécie de debate interior “e se fosse eu?”. Há toda uma questão de lealdade que toma diferentes dimensões consoante o alvo: sejam os filhos, o marido ou o seu próprio país. Viver dez anos com uma pessoa que se ama profundamente para depois descobrir que essa pessoa tem andado a manipular-nos e a dar informação sobre nós ao maior inimigo do nosso país é capaz de deixar qualquer um sem chão e sem tecto. 

Tenho de Saber é um thriller que merece ocupar um espaço nas prateleiras dos amantes do género e o seu final é promissor no que toca a uma possível continuação. Na verdade, acho que todo o enredo foi construído para aquelas páginas finais. A potencial imprevisibilidade e o deixar imensas dúvidas no ar faz com que todo o mecanismo de reflexão, sobre se conhecemos verdadeiramente as pessoas e de que forma é que o amor nos pode cegar, permaneça muito depois de terminarmos a leitura. Se estão à procura daquele livro ideal para ler na praia ou durante as férias, este é um deles.

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Opinião: Boneca de Trapos, de Daniel Cole https://branmorrighan.com/2018/04/opiniao-boneca-de-trapos-de-daniel-cole.html https://branmorrighan.com/2018/04/opiniao-boneca-de-trapos-de-daniel-cole.html#respond Sun, 29 Apr 2018 10:20:00 +0000

Boneca de Trapos

Daniel Cole

Editora: Suma de Letras

Sinopse: William Fawkes, um controverso detective conhecido por”Wolf”, acabou de ser reintegrado no seu posto após ter sido suspenso por agressão a um suspeito. Ainda sob avaliação psicológica, Fawkes regressa ao activo, ansioso por um caso importante. Quando se encontra com a sua antiga colega e amiga, a inspectora Emily Baxter, num local de crime, tem a certeza de que é aquele o grande caso: o corpo que encontram é formado pelos membros de seis vítimas, suturados de modo a formar uma marioneta, que ficou conhecida como “Boneca de Trapos”. Fawkes é incumbido de identificar as seis vítimas, mas tudo se complica quando a sua ex-mulher, que é repórter, recebe uma carta anónima com fotografias do local do crime, acompanhada de uma lista na qual constam os nomes de seis pessoas e as datas em que o homicida tenciona assassiná-las, O último nome da lista é o de Fawkes. A sentença de morte com data marcada desperta as memórias mais sombrias de Wolf. O detective teme que os assassinatos tenham mais a ver com ele – e com o seu passado – do que qualquer um possa imaginar.

OPINIÃO: Aqui está um livro ao qual nos agarramos facilmente e nos vemos viciados na sua leitura. Chegado o fim, a sensação é de uma corrida contra o tempo e de alguma expectativa não cumprida, pois o fim é uma espécie de premissa para o volume seguinte. Boneca de Trapos é então o primeiro volume de uma série dedicada ao inspector William Fawkes. Este personagem é uma espécie de anti-herói, no sentido em que não me foi fácil sentir a empatia típica entre leitor e protagonista. A trama mostra uma maior consistência muito graças a todos os envolvidos no contexto do crime e, claro, graças a toda uma imagética cinematográfica que caracteriza a escrita de Daniel Cole. 

O início é, desde logo, enigmático. Se por um lado demos a descrição de um “Wolf” perturbado, por outro é descoberto um “corpo”, composto por partes de seis pessoas diferentes, cujo um dos dedos de uma das mãos aponta por uma janela exactamente na direcção do apartamento do protagonista. No enredo, inicialmente, apenas este tem noção disso, o que leva logo o leitor a sentir o sangue acelerado, pois existe esta promessa subentendida que o autor do crime dificilmente ficará por ali no que implica William Fawks. Tal acaba por se verificar quando a ex-mulher de Fawkes recebe material sobre o crime e uma lista de nomes, com respectivas datas de morte anunciada. O último nome? Claro, o do nosso inspector. 

Toda a trama se desenvolve a um ritmo bastante rápido, sob várias perspectivas, e talvez daí a falta de contacto mais intimista com “Wolf”. E enquanto as mortes acontecem sem que qualquer um dos investigadores e operacionais consigam fazer nada em relação a isso, parece existir uma espécie de linha paralela com um dos investigadores, Edmunds. Este talvez seja o personagem mais desenquadrado, mas também o mais astuto. Tendo vindo de outro departamento e não estando rotinado na investigação criminal, é ele quem vai fazer as mais assertivas especulações sobre o caso. A sua obsessão vai tendo o seu preço pessoal a pagar, mas a sua determinação é admirável. A sua chefe, Emily Baxter, não lhe facilita a vida e é também daquelas personagens por quem ganhamos uma forte afeição ou, talvez mais correcto, uma forte curiosidade no que toca à sua relação passada com “Wolf”. Acaba por estabelecer uma espécie de aliança inusitada com a ex-mulher do inspector e nem por isso os acontecimentos tomam contornos desejáveis.

Boneca de Trapos é uma narrativa que explora uma série de distúrbios psicológicos e vários caminhos de violência que uma pessoa é capaz de traçar só por desejo, vingança ou despeito. É perturbadora a capacidade do ser humano de infligir sofrimento a outros. A impotência de quem acaba por tomar conhecimento ou assistir a esse mesmo sofrimento acaba por ser paradoxal pois é também a força motriz que promove o combater e fazer alguma coisa que mude esse paradigma. Com uma escrita forte, por vezes violenta e descritiva ao pormenor, Daniel Cole tem a capacidade de prender o leitor e de o colocar em velocidade cruzeiro na leitura. Sem dúvida que o género policial/thriller chegou a Portugal para ficar e durar e Boneca de Trapos encaixa-se na categoria dos que proporciona uma boa leitura. 

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Opinião: Louca, de Chloé Esposito https://branmorrighan.com/2018/02/opiniao-louca-de-chloe-esposito.html https://branmorrighan.com/2018/02/opiniao-louca-de-chloe-esposito.html#respond Sat, 10 Feb 2018 12:13:00 +0000

Louca

Chloé Esposito

Editora: Bertrand Editora

Sinopse: Louca é um thriller passado em Londres e na Sicília, no espaço de uma violenta semana de verão, e que explora os temas do ciúme e do engano, do crime e da inveja. Uma gémea não só se apodera da vida perfeita da irmã, como se dispõe a continuar a vivê-la. Alvie Knightly está muito em baixo: sem objetivos na vida e a beber demais. A sua vida é ainda pior se comparada com a de Beth, a sua irmã gémea e perfeita. Beth casou-se com um italiano lindo e rico, tem um bebé maravilhoso e sempre foi a preferida da mãe. Há muito tempo que a única coisa que as gémeas têm em comum é a aparência. Quando Beth envia um bilhete de avião à irmã para que a visite em Itália, Alvie mostra alguma relutância. Mas quando é despedida do emprego que detesta e os companheiros de casa a põem na rua, começa a mudar de ideias e a pensar na luxuosa villa de Taormina. Beth pede à irmã que troque de identidade com ela durante umas horas, para poder escapar à atenção do marido. Alvie agarra com unhas e dentes a oportunidade de viver a vida da irmã, ainda que temporariamente. Porém, quando a noite acaba com Beth morta no fundo da piscina, Alvie dá-se conta de que aquela é a sua oportunidade de mudar de vida. E, afinal, o que escondia Beth do marido? E porque é que a convidou para ir a Itália? Alvie vai descobrindo segredos e mentiras à medida que mergulha mais fundo na vida da irmã morta. E terá de fazer de tudo para conseguir suportar as suas próprias mentiras.

OPINIÃO: De vez em quando deparamo-nos com aquele livro insólito em que quando terminamos a sua leitura nem sabemos bem o que pensar. Quando o começamos podemos até ir sem expectativas, porém quando damos por nós estamos a lê-lo compulsivamente enquanto nos interrogamos sobre como é que é possível existirem personagens assim. Por vezes o tiro sai pela culatra, mas outras vezes resulta de forma genial. Louca corresponde a este último caso. Alvie é aquela protagonista das situações mais caricatas, mais imorais e mais irracionais. No entanto, existem momentos de empatia extrema, pois desde o início que vamos tendo noção que muito pouco é aquilo que parece e que ela tem toda a razão em querer manter o seu sentido de autopreservação. Recheado de cenários e situações que tantos nos fazem rir descontroladamente como nos deixam desconcertados, Louca é um romance que prima pela diferença, pelo anti-herói e acima de tudo por nunca sabermos bem o que pode acontecer a seguir. 

Muitos consideram este romance um thriller. É claro que os ingredientes estão lá, mas enquanto o lemos há muito mais que nos fascina do que o mistério sobre quem fez o quê. Chloé Esposito, nesta sua obra de estreia (sim, é os eu primeiro romance!) abre um precedente com uma fasquia elevada para o inesperado. Como podem ler na sinopse (provavelmente o comentário a este livro vai ser mais curto porque a sinopse é bastante reveladora) Alvie tem uma irmã que vive uma vida que contrasta em tudo com a sua. Enquanto Alvie dissimula a sua vida para os que a rodeiam, vivendo sempre em condições precárias, Beth vive uma vida que só poderia fazer parte dos sonhos mais idílicos da sua irmã A relação entre as duas nunca foi a de melhores amigas, mas desde o casamento de Beth que as coisas se complicaram um bocadinho. Digamos que Alvie de pudica ou de senso tem muito pouco, o que reverte a favor de fenómenos hilariantes que nos deliciam. .

A narrativa tem um excelente ritmo e cada capítulo é desenvolvido com base num pecado capital. A escritora entrelaça os sete pecados capitais com a vida de Alvie e o grande ponto forte é a forma acutilante com que alguns temas são abordados. Em Louca não existem limites para o que é razoável, o que interessa é sobreviver e, de preferência, da melhor maneira. Para sobreviver da melhor maneira nada melhor (pelo menos para Alvie) do que uma bela componente de luxúria (um dos setes pecados). O erotismo corre nas veias da protagonista de uma forma natural e descomplexada – apesar de ela ter alguns complexos em relação à sua forma física, o que no meio de tudo contribuiu para a componente hilariante do livro. Resumindo: temos uma trama interessante, que muda praticamente de forma drástica de capítulo para capítulo, temos personagens sobre os quais parecemos nunca ter certeza sobre as suas intenções, e o fim conduz-nos para uma parelha inesperadamente perversa que vê o seu término, mais uma vez, envolto numa última cena cheia de humor. 

No fim não é imediato nem claro o sentimento em relação a Alvie e às suas atitudes. Porém, dado tudo o que descrevi anteriormente, é impossível não sentir uma considerável admiração por Chloé Esposito e pela sua ousadia em criar um thriller fora do comum. Merecerá sempre uma oportunidade. Se vão odiar e amar… Perplexidade é o sentimento mais constante ao longo do livro. Uma autêntica surpresa!

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Opinião: Pecados Santos, de Nuno Nepomuceno https://branmorrighan.com/2018/01/opiniao-pecados-santos-de-nuno.html https://branmorrighan.com/2018/01/opiniao-pecados-santos-de-nuno.html#respond Mon, 22 Jan 2018 15:21:00 +0000

Pecados Santos

Nuno Nepomuceno

Editora: Cultura Editora

Sinopse: Um rabino é encontrado morto numa das mais famosas sinagogas de Londres. O corpo, disposto como num quadro renascentista, representa o sacrifício do filho de Abraão, patriarca do povo judeu. O caso parece ficar encerrado quando um jovem professor universitário a lecionar numa das faculdades da cidade é acusado do homicídio. Mas é então que ocorrem outros crimes, recriando episódios bíblicos em circunstâncias cada vez mais macabras. E as dúvidas instalam-se. Estarão ou não estes acontecimentos relacionados? Porque insistirá a sua família em pedir ajuda a um antigo professor, ele próprio ainda em conflito com os seus próprios pecados? As autoridades contratam uma jovem profiler criminal para as ajudar a descobrir a verdade. Mas conseguirá esta mente brilhante ultrapassar o facto de também ela ter sido uma vítima no passado?

OPINIÃO: É sempre um orgulho quando lemos um autor português de inegável qualidade. Mesmo sendo mais modesto do que devia, Nuno Nepomuceno tem tido um percurso discreto, mas sólido. Começou a sua carreira enquanto autor ganhando um prémio literário, na altura para o primeiro livro da trilogia Freelancer – O Espião Português. Este seria o início de um crescendo constante, de um amadurecer narrativo a olhos vistos e, fechada a trilogia, em 2016 o autor confirmou-se como um mestre do thriller com o seu romance A Célula Adormecida. Os seus leitores são unânimes, Nuno Nepomuceno tornou-se num escritor tão capaz quanto querido para o seu público. Não será então de estranhar o burburinho que se faz sentir desde o início do ano, desde que se soube que viria nova obra – Pecados Santos. Com este escritor nunca nenhum livro é igual/parecido a outro e a sua capacidade para abordar termas tão diversos quanto interessantes é já uma característica admirável. Entremos neste universo de morte, fé, paixão e traição.

À semelhança do que escrevi na opinião do seu anterior romance, a escrita de Nuno Nepomuceno continua a evoluir e a tornar-se cada vez mais incontornável. O seu trabalho de pesquisa, rigoroso e bem documentado, entra nas suas narrativas de forma suave e extremamente apelativa. Sou suspeita, adoro tudo o que diga respeito a religiões e diferentes formas de fé, mas são poucos os autores que nos conseguem dar autênticas aulas sobre estes assuntos sem os tornarem maçadores. Agora imaginem começar um romance precisamente com uma aula sobre a divisão da linhagem de Abraão, mergulhando mais profundamente no judaísmo. Poderia parecer aborrecido, mas Nuno Nepomuceno teve a mestria de nos conduzir por esse caminho de forma extremamente gráfica e sedutora. O protagonista já é conhecido de quem leu A Célula Adormecida. Afonso Catalão volta a ser o centro da trama. Desta vez, mesmo sem perceber como, vê-se envolvido numa série de crimes aparentemente religiosos que estão ligados, pelo menos em parte, a uma pessoa do seu passado. Pessoa essa que vai desenterrar alguns dos seus demónios mais perturbadores. Afonso não teve uma vida propriamente despida de incidentes e estes voltam a assombrá-lo.

Não é necessário ler qualquer uma das outras obras publicadas anteriormente. Existem alguns cruzamentos de referências – incluindo um sentido de humor hilariante, pois o próprio autor é referido em certo ponto -, mas nada que nos deixe de alguma forma confusos ou perdidos. A estrutura narrativa impele o leitor a ler capítulo após capítulo, sempre com uma imagética bastante poderosa. As descrições são detalhadas e ricas em pormenores que nos transportam para as ruas de Londres, Lisboa e Jerusalém. Existem vários mistérios por desvendar, fazendo com que a nossa mente não pare de se questionar sobre inúmeras possibilidades. As emoções de cada personagem são bem exploradas e as dúvidas permanecem até ao fim. Fim esse que surpreende. Não tanto pelo desvendar do grande mistério, mas antes porque Nuno Nepomuceno dá mais um passo destemido na sua escrita revelando-se capaz de mortes impiedosas e inesperadas, que abrem novas portas para um próximo romance no universo de Afonso Catalão. Tudo é possível. Resumindo: Pecados Santos é uma obra de confirmação deste escritor português que já domina o género thriller em Portugal. Recomendo.

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Opinião: O Homem de Giz, de C. J. Tudor https://branmorrighan.com/2018/01/opiniao-o-homem-de-giz-de-c-j-tudor.html https://branmorrighan.com/2018/01/opiniao-o-homem-de-giz-de-c-j-tudor.html#respond Mon, 15 Jan 2018 18:29:00 +0000
O Homem de Giz

O Homem de Giz
C. J. Tudor

Editora: Editorial Planeta

OPINIÃO: Antes sequer de começar a escrever sobre o livro, há algo que tem de ficar registado: grande campanha de promoção que a Editorial Planeta fez junto da comunicação social, mais propriamente, pelo que sei, junto dos seus bloggers parceiros. Recebemos o exemplar de avanço com praticamente um mês de antecedência e veio acompanhado de um quadro preto, giz, um saco, e restante material de promoção, tanto em formato revista como pen.

Atenção, isto em nada compromete as opiniões, mas se se quer apostar em grande num livro, esta foi uma bela maneira de o fazer. E o melhor de tudo é que o livro correspondeu em grande medida ao investimento que foi feito. O Homem de Giz é um thriller psicológico que prende o leitor do início ao fim e que nos faz querer lê-lo todo de um só fôlego. Quem diria que este é um romance de estreia! Parabéns à autora, C. J. Tudor. 

Mergulhemos agora neste universo de giz, morte, mistério e suspense. Uma das coisas que mais me impressionou neste livro é que nunca sabemos bem até que ponto é que o mistério das mortes é consequência do sobrenatural ou não até bem perto do final. A história tem um ritmo muito bom. Alternando, em doses perfeitamente equilibradas, entre o passado e o presente de Eddie, vamos assistindo a vários episódios de algum horror, principalmente psicológico. O grande enigma? Quem será o perpetuador destas situações.

O Homem de Giz para além do título do livro é também a alcunha de um professor de Eddie. Não poucas vezes, temos Eddie e O Homem de Giz envolvidos nas mesmas situações, muitas delas suspeitas, o que nos faz galgar a pulsação. Há também um acontecimento, de uma descrição gráfica perturbadora e super real, que se torna num segredo e que acaba por ligá-los até ao fim. São poucos os autores que nos conseguem prender pelo âmago e manter na dúvida durante tanto tempo. C. J. Tudor não só conseguiu tal com uma mestria notável, como ainda surpreendeu no final. Nem tudo o que parece é e até o maior dos (aparentes) inocentes pode ser capaz de monstruosidades. 

É um bocado incrível, e ao mesmo tempo inacreditável, que esta seja uma obra de estreia. Estamos perante uma escrita fluída, um enredo desafiante e uma trama que poderia muito bem dar um filme. A autora pega em cinco amigos adolescente, todos tão diferentes um dos outros, e consegue provocar um leque de emoções muito distintas. Vamos sentir uma grande empatia por uns, um quase ódio imediato por outros e iremos constatar que alguns estão de alguma maneira envolvidos em certas situações que gostávamos que não estivessem.

Eddie é dos personagens de thrillers mais fascinantes com que já me deparei. Dentro da inocência que a escritora lhe atribuiu, mesmo em idade adulta, esta também lhe conferiu uma certa dose de disfuncionalidade que descobrimos com um certo grau de surpresa. Só houve uma personagem que achei que foi subvalorizada e que podia ter dado mais à história – Nicky. Não sei, havia algo com ela desde o início que me fez ter uma expectativa constante que, com o fim, ficou apenas pelo morno. Uma coisa é certa, este é um dos livros que mais facilmente e mais rapidamente devorei nos últimos tempos. Uma viagem visceral ao epicentro de uma povoação que podia ser a de qualquer um de nós.

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Opinião: Reino de Feras, de Gin Phillips https://branmorrighan.com/2018/01/opiniao-reino-de-feras-de-gin-phillips.html https://branmorrighan.com/2018/01/opiniao-reino-de-feras-de-gin-phillips.html#respond Wed, 10 Jan 2018 17:13:00 +0000

Reino de Feras

Gin Phillips

Editora: Suma de Letras Portugal

Sinopse: Lincoln é um bom menino. Aos quatro anos é curioso, inteligente e bem comportado. Lincoln faz o que sua mãe diz e sabe quais são as  regras. “As regras são diferentes hoje. As regras são que nos escondamos e que não deixemos que o homem com a arma nos encontre.” Quando um dia comum no jardim zoológico se transforma num pesadelo, Joan encontra-se presa com o seu querido filho. Deve reunir todas as suas forças, encontrar coragem oculta e proteger Lincoln a todo custo – mesmo que isso signifique cruzar a linha entre o certo  e o errado; entre a humanidade e o instinto animal. É uma linha que nenhum de nós normalmente sonharia cruzar. Mas, às vezes, as regras são diferentes. Um passeio de emoção magistral e uma exploração da maternidade em si – desde os ternos momentos de graça até ao poder selvagem. Reino de Feras questiona onde se encontra o limite entre o instinto animal para sobreviver e o dever humano para proteger os outros. Até onde vai uma mãe para proteger o seu filho?

OPINIÃO: Reino de Feras é uma das grandes apostas da Suma de Letras para este início de 2018. Um thriller psicológico que expõe a maternidade e os instintos básicos quando queremos proteger quem mais amamos, num ambiente sufocante com uma grande dose de imprevisibilidade no que toca à dimensão da violência. É também a primeira obra de Gin Phillips, que já foi premiada. Tudo reunido, a expectativa para esta leitura era bastante elevada.

Conhecemos então Joan e o seu filho, Lincoln, de quatro anos, no seu passeio habitual, quase à hora de fecho, no jardim zoológico. O pequeno adora super-heróis, é curioso e irrequieto. Sentimos logo um grande laço entre mãe e filho. Quando chega a hora de fecho, Joan e Lincoln começam a dirigir-se a uma das saídas. Logo aqui, pouco depois da narrativa começar, sentimos que algo está prestes a acontecer. A autora introduz o suspense com Joan a pensar que gostava de encontrar mais gente agora que se está a ir embora. É então que avista um cenário aterrador e o seu sentido de sobrevivência entra em alerta. É aqui que começa a grande caça ao homem, neste caso, a fuga ao homem/aos homens. Do ponto de vista dos maus da fita, Gin Phillips explora a maldade vista por uma perspectiva muito curiosa. Nem sempre é preciso passarmos por eventos traumatizantes, às vezes basta estarmos aborrecidos e não termos bons pilares de personalidade.

De uma coisa não tenho dúvida, esta foi uma leitura galopante que conseguiu manter-me em alerta até à última palavra. Ainda assim, não posso dizer que tenha sido dos thrillers mais empolgantes. Existem algumas brechas na história, pouca evolução das personagens secundárias e algumas circunstâncias e acções pouco coerentes. Apesar de ter lido o livro em dois dias, senti que à medida que caminhava para o fim do livro perdia também alguma empatia com o enredo. Joan é constantemente confrontada com o facto de ter de decidir como agir, qual a melhor forma de proteger Lincoln. Ao início ainda tem telemóvel, mas o uso que lhe fez… E depois existe este pequeno pormenor que ainda hoje me lateja na cabeça… Sendo mãe, como é que se reagiria ao vermos um bebé num caixote do lixo? Algumas perguntas, em relação ao destino de algumas personagens, nunca foram respondidas.

O grande ponto forte desta obra, para além do suspense, é mesmo as questões e reflexões que levanta. Se estivéssemos no lugar da protagonista, o que faríamos para proteger o nosso filho? Não sou mãe e, como tal, nunca senti aquela vertigem que as mães dizem sentir quando algo tão precioso nasce. Dizem que a relação entre mãe e filho/a é tão visceral que a progenitora é capaz de tudo para proteger a sua criança. E aqui, para quem não tem filhos, existe um exercício interessante de tentar sentir essas emoções. A minha maior curiosidade prende-se até com a opinião que leitoras que já são mães possam ter sobre esta história. Existe uma intensidade em toda a história que de alguma maneira faz com que esta nos fique na cabeça, mesmo muito tempo depois da leitura terminada. Resumindo, Reino de Feras é um livro que se lê bastante bem, que não se perde nada em ser lido, e sendo o primeiro livro da autora existe todo um potencial para os próximos virem a ser ainda melhores. Os ingredientes estão lá. 

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Opinião: Escrito na Água, de Paula Hawkins https://branmorrighan.com/2017/04/opiniao-escrito-na-agua-de-paula-hawkins.html https://branmorrighan.com/2017/04/opiniao-escrito-na-agua-de-paula-hawkins.html#respond Sat, 22 Apr 2017 13:45:00 +0000
Escrito na Água

Escrito na Água
Paula Hawkins

Editora: TOPSELLER

OPINIÃO: Melhor do que A Rapariga no Comboio. Sendo a autora que é, depois de um bestseller estrondoso como foi a sua obra de estreia, esta é a primeira conclusão a que se chega ainda antes de se terminar Escrito na Água. Descolando das comparações com, por exemplo, Em Parte Incerta, ou outra obra do género, Escrito na Água confirma duas coisas.

Que independentemente do cerne da narrativa, Paula Hawkins tem uma escrita que nos envolve e nos prende, mesmo quando já desconfiamos do final muito antes de este chegar (o que não é necessariamente mau, pois tudo continua suficientemente intenso para nos levar a querer confirmar – ou não – as nossas desconfianças); e a segunda é que me parece que Paula Hawkins veio para ficar e que tem todas as ferramentas literárias, pela técnica e pelo estilo, para continuar a deslumbrar os seus leitores. 

Confesso que toda esta história me causou um certo fascínio, não só pela forma como a escritora estruturou a teia de personagens e as interacções, mas principalmente por me ver tão focada e tão expectante pelo desenvolver da trama. O tema, que mistura um certo misticismo popular com um tema bastante sério – suicídio -, acaba por ser um dos grandes culpados pela fome constante de se saber mais.

Existem obras que apelam ao nosso emocional e enquanto as lemos vamo-nos abstraindo da camada estrutural subjacente à história, mas Escrito na Água é o oposto. É um apelo ao nosso lado analítico e dedutivo, sendo quase matemática a forma como olhamos para o enredo e vamos tentando descortinar quem fez o quê quando e porquê. A isso ajuda o facto de termos à volta de uma dezena de narradores, tendo assim várias perspectivas dos acontecimentos, sem nunca sentirmos que existe uma repetição dos acontecimentos.

Duas mulheres morrem, “no poço das mulheres problemáticas”, com dois anos de diferença. Nel, a mais recente “afogada”, é o elemento catalisador da discórdia e da insegurança por entre os habitantes daquele pequeno lugarejo, tão bem caracterizado através das suas gentes. Nel estava determinada a contar a história das mulheres que morreram naquele lugar, desde o registo da primeira à última.

Os factos conhecidos levam-na a querer contar as suas histórias, mas esse é um trabalho que nunca ficou completo. Nel morreu, sem se compreender porquê, já que quem a conhecia de perto dificilmente veria sentido no seu suicídio, mas ao mesmo tempo achavam que seria uma forma “romântica” de chamar à atenção e assim perpetuar a sua fama de destabilizadora.

Jules, a sua irmã, não tem muita dificuldade em acreditar nesta última hipótese, ao mesmo tempo que coloca tudo em causa. A sua relação problemática com Nel teve um forte impacto na forma como desenvolveu a sua personalidade e é extraordinário como Paula Hawkins conseguiu cruzar narrativas presentes e passadas, transformando-as e dando-lhes uma nova forma ao olhar do leitor e dos próprios protagonistas. E isto não acontece só com Jules, mas com vários outros. 

Não me surpreendeu a resolução que se deu sobre as várias mortes ao longo do tempo naquele poço. Aliás, até achei inteligente da parte da autora, mas ao mesmo tempo senti-me um pouco melancólica pois houve uma altura em que esperava uma causa a roçar quase o místico. Devo-me ter tornado demasiado Nel ao longo do livro! Honestamente não me quero alongar muito mais neste texto, porque Escrito na Água é aquele livro que recomendo sem qualquer tipo de receio.

Tem capítulos curtos, personagens tão diferentes quanto empolgantes, mistério e acção quanto baste, e ainda uma forte dose de reflexão sobre até onde estamos dispostos a chegar por aqueles que julgamos amar. Existe uma irracionalidade adjacente a algumas emoções que por vezes cria, na própria pessoa, uma espécie de dissociação, fazendo com que por vezes se olhe para certos factos como se tivesse sido outra pessoa. Porém, os fantasmas raramente desaparecem. Boas leituras! 

PS: Neste texto não falo da grande parte das personagens, porque é-me difícil fazê-lo sem revelar demasiado. Acho mesmo que podem tirar um grande gozo do livro, por isso se vos for oportuno peguem nele e mergulhem nestas águas! 

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Opinião: Nem Tudo Será Esquecido, Wendy Walker https://branmorrighan.com/2017/03/opiniao-nem-tudo-sera-esquecido-wendy.html https://branmorrighan.com/2017/03/opiniao-nem-tudo-sera-esquecido-wendy.html#respond Wed, 08 Mar 2017 20:45:00 +0000

Nem Tudo Será Esquecido

Wendy Walker

Editora: Editorial Presença

Sinopse: Na pacata cidade de Fairview, no Conneticut, a vida parecia perfeita até à noite em que um acontecimento trágico chocou a comunidade. Jenny Kramer, uma adolescente com quinze anos, é brutalmente violada depois de sair de uma festa. Os médicos decidem administrar-lhe um fármaco usado nos casos de patologias de stresse pós-traumático, eliminando as memórias do incidente. Contudo, nos meses seguintes, Jenny é surpreendida com sensações que a fragilizam psicologicamente, levando-a a tentar o suicídio. O pai, Tom, está determinado a descobrir o culpado e fazer justiça. A mãe, Charlotte, age como se nada tivesse acontecido. Os pais de Jenny procuram a ajuda do psiquiatra, Alan Forrester. Nisto, o seu casamento é posto à prova, revelando segredos e fragilidades, bem como a teia que une toda a comunidade. Afinal, todos têm algo que não desejam revelar e a busca pelo violador conduz a um thriller psicológico com um desfecho inesperado e perturbante.

OPINIÃO: Nem tudo será esquecido, pois não. Este livro certamente não será esquecido. É daquelas leituras que nos agarram desde a primeira à última página, com poucas paragens para respirar, para descansar, para conseguir dormir sem se querer voltar novamente para ela. Atenção, com isto não quero dizer que é um livro perfeito, que vamos amar todas as personagens, etc. Com isto quero dizer que a estrutura da história e o estilo de escrita se tornam irresistíveis. O tema em si é tudo menos fácil de digerir, principalmente quando já se tomou contacto (in)directo com ele. Na verdade, acho que o desafio é mesmo esse, colocarmo-nos constantemente na pele de cada um, tentar compreender as motivações e reflectir sobre o que faríamos se fossemos nós.

A primeira grande questão que se levanta é sobre a administração de drogas que possam “apagar” da nossa memória eventos traumáticos. E logo aqui temos muito por onde pegar. A memória é um arquivo frágil em que os ficheiros têm vida própria e muitas vezes parecem editar-se a eles mesmos sem que demos conta. Muitas vezes quando repescamos algumas lembranças elas parecem-nos diferentes, ou deixamos de ter certeza de como realmente foi. A mente humana é um tecido delicado, misterioso e que se rege com as suas próprias regras. Querer manipulá-lo através de químicos tanto pode resultar como estragar tudo. No fundo, este fármaco (fictício, mas não tão fictício assim) é correspondente àquilo que eu chamo de arquivo sem endereçamento de memória definido. As coisas estão lá, algures, mas não foram arrumados numa gaveta como costumamos fazer diariamente. Foram lançados para um espaço negro onde tanto podemos eventualmente tropeçar nele como não. Porém, não será difícil entender o conceito de trigger – alguma sensação, visão, cheiro, que de repente despoleta uma série de reacções físicas e emocionais inesperadas por estarem associadas a certos eventos específicos. E são estes pequenos triggers, provocados ou surgidos naturalmente, que definem todo o percurso deste enredo.

Agora juntem, e perdoem-me a crueza, uma adolescente violada, um ex-combatente, um casal disfuncional com uma série de rotinas calejadas pelo próprio passado conturbado, um psiquiatra que se vê numa posição delicadíssima entre o pessoal e o profissional… Tem tudo para dar asneira. E dá, e não dá, e é um misto de emoções e contradições que dificilmente serão de julgamento leve. A intriga sobrevive quase até ao fim, Wendy Walker teve a mestria de realimentar o suspense na medida e no tempo certos. Os protagonistas são complexos e consistentes o suficiente para facilmente os aceitarmos como reais e a escrita é muito inteligente. No entanto, tal como avisei no início, não é uma história com a qual tenha simpatizado por inteiro. É claro que procuramos o reconhecimento da nossa dor no outro, mas… E isto é uma coisa muito específica relacionada com a temática e daí também o misto de opiniões contraditórias que fui tendo ao longo da leitura. Não obstante, é impossível não sugerir este livro para qualquer amante de thrillers psicológicos. Está bem trabalho, é de leitura compulsiva e de um ritmo de emoções pulsante e intenso. 

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Opinião: A Célula Adormecida, de Nuno Nepomuceno https://branmorrighan.com/2016/11/opiniao-celula-adormecida-de-nuno.html https://branmorrighan.com/2016/11/opiniao-celula-adormecida-de-nuno.html#respond Sun, 20 Nov 2016 22:28:00 +0000

A Célula Adormecida

Nuno Nepomuceno

Editora: Topbooks

Sinopse: Em plena noite eleitoral, o novo primeiro-ministro português é encontrado morto. Ao mesmo tempo, em Istambul, na Turquia, uma reputada jornalista vive uma experiência transcendente. E em Lisboa, o pânico instala-se quando um autocarro é feito refém no centro da cidade. O autoproclamado Estado Islâmico reivindica o ataque e mostra toda a sua força com uma mensagem arrepiante. O país desperta para o terror e o medo cresce na sociedade. Um grande evento de dimensão mundial aproxima-se e há claros indícios de que uma célula terrorista se encontra entre nós. Todas as pistas são importantes para o SIS, sobretudo, quando Afonso Catalão, um conhecido especialista em Ciência Política e Estudos Orientais, é implicado. De antecedentes obscuros, o professor vê-se subitamente envolvido numa estranha sucessão de acontecimentos. E eis que uma modesta família muçulmana refugiada em Portugal surge em cena. A luta contra o tempo começa e a Afonso só é dada uma hipótese para se ilibar: confrontar o passado e reviver o amor por uma mulher que já antes o conduziu ao limiar da própria destruição. Com uma escrita elegante e o seu já tão característico estilo intimista e sofisticado, inspirado em acontecimentos verídicos, Nuno Nepomuceno dá-nos a conhecer A Célula Adormecida. Passado durante os 30 dias do mês do Ramadão, este é um romance contemporâneo, onde ficção e realidade se confundem num estranho mundo novo e aterrador que a todos nos perturba. Um thriller psicológico de leitura compulsiva, inquietante, negro e inquestionavelmente atual.

Opinião: Mas. Que. Livro.!Eu sei que não devia estar tão espantada, afinal conheço o Nuno e tenho real noção do seu talento, mas tenho que admitir que superou qualquer expectativa que eu pudesse ter. Não menosprezando a Trilogia Freelancer, A Célula Adormecida está noutro patamar. Se por um lado o volume do livro pode assustar, afinal são quase 600 páginas, por outro lado não lhe adicionava nem tirava uma página que fosse. Quando encontrei o último ponto final, senti que estava perante um livro assombroso, um dos melhores livros da actualidade, sem sombra de dúvidas. Não me custa sequer imaginar que, mais cedo ou mais tarde, se tornará numa autêntica referência no que diz respeito a policiais/thrillers/romances(gerais) relacionados com terrorismo, mais propriamente com o auto-proclamado Estado Islâmico. A quantidade de informação, nunca sendo demasiada, está perfeitamente equilibrada. Cada ingrediente é dado no momento certo e, terminada a leitura, sinto-me uma pessoa muito mais culta, muito mais conhecedora de um tema tão actual e que é alvo de tanta desinformação.

Como vocês sabem, principalmente por ter apresentado os últimos dois livros dele, o Nuno Nepomuceno, mais do que um autor, tornou-se um amigo. E ler o livro de um amigo é sempre um momento de responsabilidade, a sinceridade torna-se ainda mais vital, daí a necessidade de nos afastarmos desse papel e pegarmos na obra como se de um desconhecido se tratasse. E a verdade é que parecia que estava mesmo a ler um livro de um autor que nunca tinha lido. Houve uma espécie de emancipação na maturidade da escrita, muito sóbria, muito sólida, muito dura. A sensibilidade que era tão característica na Trilogia Freelancer transformou-se em algo maior, num pesar bem articulado e factual. Também o formato da narrativa mudou um pouco, com capítulos mais rápidos, vários protagonistas em paralelo que são determinantes para o rumo final da história e mais não digo, para não estragar ou fazer prever algo sobre a leitura.

Não quero falar sobre a história em si. A sinopse diz quanto baste e acho que o essencial a retirar desta leitura é que a minha admiração pela postura deste livro não tem fim. É completamente despretensioso, ao mesmo tempo que é uma lufada de ar fresco necessária. São poucos os livros deste género que se dão ao trabalho de educar o leitor, de fazer questão de elucidar, com pormenor quanto baste, as idiossincrasias que rodeiam o enredo. Muito se fala sobre muçulmanos, radicais, as guerras do médio oriente, os potenciais interesses económicos das principais potencias mundiais, mas pouco se mergulha no que realmente significa ser muçulmano, na crença em Maomé e pelo que é regido o Alcorão. Este livro é precioso em vários sentidos, mas este é um dos principais, principalmente pelas consequências que vamos testemunhando no que toca ao preconceito, à total ignorância consciente, pois é mais fácil colocar as culpas no que se desconhece do que tentar-se conhecer e compreender a diferença. 

Tenho tido mesmo muito pouco tempo para ler, mas a minha relação com o livro tornou-se algo dependente. Dei por mim sem me aperceber das horas a passarem, a parar só para comer, e mesmo tendo tanta coisa da faculdade por completar, não resisti em fazer uma pequena maratona para não acabar o fim-de-semana sem o ler. Gostei muito da desenvoltura da história, da mistura de uns quantos géneros, perfeitamente alinhados, de forma a proporcionar ao leitor uma leitura ritmada, apaixonada, expectante e surpreendente. São várias as questões que levantamos sobre a trama ao longo da mesma, são vários os momentos em que sorrimos, outros em que o coração se aperta e outros em que tudo se torna tão negro que houve momentos em que ceguei, de sentir uma revolta tão pura por saber que aquilo acontece na vida real. Lisboa foi o palco escolhido para a ficção, mas podia não ser ficção, em muitas cidades é exactamente aquilo que tem acontecido. E a conclusão é que a incompreensão leva ao ódio e o ódio ao imprevisível. Uma pessoa é capaz de se transformar por completo e ser autor de acções que nunca antes teria sido capaz sequer de se imaginar pensá-las. Gostei. Muito. Na verdade, acho que, A Célula Adormecida, é um grande candidato a livro do ano. 

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