Entrevista a Luís Clara Gomes, Moullinex, Músico Português

Moullinex, é este o nome do projecto a solo de Luís Clara Gomes. Sim, tal e qual como os electrodomésticos, mas não se preocupem que já iremos descobrir o porquê deste nome! Num percurso um pouco diferente do habitual, Luís começou por estudar Engenharia Informática na Universidade de Aveiro, tendo, inclusive iniciado a sua carreira como investigador científico. Se houve coisa que para mim ficou clara depois desta entrevista, é que, para além de inteligente e culto, Luís Clara Gomes tem uma visão muito genuína do que é produzir música, do objectivo dessa música e de qual a reacção esperada por quem o ouve.

Com quase 50 000 seguidores no facebook, é já um sucesso a nível nacional e internacional! Mas vou-me deixar de paleio e passar à entrevista propriamente dita, onde Luís nos conta a sua paixão assolapada por Dark Side of The Moon enquanto pequeno, as obras que mais lhe marcaram, mas principalmente no que tem sido tornar-se músico a tempo inteiro com uma editora própria que o ajuda a fazer o que mais gosta.

Pedi ao Luís que me falasse um pouco sobre ele e de como surgiu o belo nome de Moullinex! «(risos) Realmente foi um nome que tomou proporções mundiais! Eu faço música como Moullinex, música de banda, há seis ou sete anos e na altura a primeira remistura que fiz foi de Vicious Five, cá de Lisboa. Pedi-lhes as partes individuais da música para fazer uma remisturas e eles aceitaram e gostaram muito. Na altura, tinha que entregar com um nome e, uma vez que tinha samplado uma 1 2 3, que faz aquele barulho “tzzzzzz” (risos), achei que era um excelente nome artístico! (risos).»

Tendo começado como engenheiro informático, Luís explica-nos que a música sempre esteve presente na sua vida, e fala-nos também do seu percurso até à concretização de originais: «Sempre gostei de música electrónica e de música feita através do computador e outras máquinas. O meu pai é músico e tinha muitas coisas em casa, no estúdio, que não me deixava usar. Acho que acabou por ser um bocado uma rebelião – já que não posso usar estes pianos, vou começar a fazer música no computador (risos).

Foi sempre um hobbie, mas acabei por levar mais a sério nos últimos anos. Comecei por fazer remisturas, as primeiras não oficiais, mas depois acabei por começar a receber pedidos de editoras para começar a fazer remisturas oficiais, como Cut Copy e Two Door Cinema Club. Mesmo nessa altura já fazia música original só que não a punha cá fora. Só há dois anos é que acabei de facto um álbum (risos).»

Esse álbum tem o nome de Flora e é então o primeiro disco de originais de Moullinex. Sendo Portugal um país um pouco resistente no que toca a música electrónica, questionei o Luís sobre a razão de ser deste projecto e como se deu o processo até à produção de Flora. Acabámos por falar também no defunto MySpace!

«O facto de ser resistente também ajuda a que haja mais contra-resistência (risos). O meu trajecto acabou por ser um bocado orgânico. As remisturas foram sempre a brincar e nunca levei isto muito a sério, mas punha-las no MySpace, na altura do MySpace! Era uma plataforma óptima e acho que ainda não há uma plataforma tão boa como o MySpace para músicos. Com o seu desaparecimento, criou-se um buraco naquela ligação que havia entre as pessoas e quem faz música.

Hoje em dia é demasiado institucional quando já não foi. Era muito mais democrático, creio eu. Criavam-se pequenas alianças, etc., e até foi assim que criámos a editora Discotexas. Mas, na altura, eu punha a música no MySpace, os blogues pegavam nela e acabava por receber convites para tocar aqui e ali só através disso. Sempre quis fazer originais, fazer EPs – a música de dança está mais orientada para EPs e singles – só que sempre quis fazer um álbum. Acho que é um statement maior como artista ter um LP, é como uma longa metragem enquanto os EPs são uma curta metragem. Era esse o objectivo principal.»

Por vezes, com os seus discos, os artistas pretendem passar uma mensagem cá para fora. É este o caso de Flora, em que Luís nos conta um pouco da postura dele mesmo não só como artista, mas também do que o disco pretende passar para as pessoas: «Filosoficamente, a postura em relação à música é um bocado artesanal. É muito importante para mim perceber e fazer passar a mensagem, que aquilo é uma manta de retalhos de coisas feitas num quarto, num estúdio pequeno, tudo sem uma engrenagem gigante por trás, é só o trabalho de uma pessoa e dois ou três amigos. Isso é importante que passe.

A mensagem lírica não é muito grande, nem pretendo que seja porque não tenho ilusões de escrever muito bem (risos), mas é super pessoal e honesto, um trabalho muito honesto. Não tem pretensões de ser algo que não é, e é importante para mim que a minha música passe a ideia de que é feita honestamente e sem pretensões. Outra coisa importante é a capacidade de provocar uma reacção imediata, seja dançar ou bater o pé, mas que também resista a uma nova escuta e a outra e a outra. Não sei se o consigo (risos), mas tem havido sempre essa preocupação.»

Em relação às reacções do público e à sua relação com ele, Luís conta-nos que com o tempo fica tudo mais fácil: «Quanto mais à vontade estás com as pessoas que tocas e quanto mais consegues depurar a essência das músicas e transpô-la para o concerto, melhor se torna.» Além disso, considera importante toda a parte de entretenimento e cenografia: «Cada vez dou mais valor ao lado dramático de um concerto – é importante tê-lo em conta.»

Moullinex já actuou em muitos outros países estrangeiros e Luís conta-nos que, mais do que um país ou um público específico ter influência no ambiente do concerto, o que acaba por ser decisivo na forma como a sinergia entre o músico e o público se dá é mesmo o tipo de palco. Tendo já actuado em palcos de festivais ao lado de nomes como Justice e The Cure, o músico explica quais as maiores diferenças entre os palcos:

«A dimensão do local em que tocas tem sempre impacto. Quanto mais pequeno for o espaço em que tocas, fisicamente, mais próximo vais estar das pessoas. Quanto maior é a cidade ou o local em que tocas, menos blasé vão estar as pessoas, estando mais sedentas por coisas novas. Para seres DJ é importante saberes como é que o público está a reagir e nada melhor que teres 10 pessoas e estares ao nível delas – consegues vê-las e perceber se estão a sorrir, por exemplo.

Num festival não consegues isso. São 10 000 pessoas, 15 000, e não consegues ser tão subtil como numa sala mais pequena. Numa sala pequena consegues contar uma história quase em surdina. É uma óptima metáfora – estás a contar uma história para um grupo de 5 pessoas à lareira e podes falar baixinho, naqueles momentos de drama em que estás quase a sussurrar.

Num festival está tudo aos berros e tudo aos gritos – tem de ser tudo no máximo e qualquer momento de silêncio tem que durar muito pouco, senão o pessoal vai para o palco que está ao lado e já desapareceste. É um bocado cruel nesse sentido, mas também é um desafio. Enquanto num espaço pequeno são 200 pessoas como indivíduos, ali são 10 000 como uma massa única, e comporta-se como um só ser vivo, com apenas um comportamento (risos).» 

Lisboa e Munique, mais a primeira que a segunda, são as duas cidades pelas quais Luís vai repartindo o seu tempo. Neste sentido, perguntei ao Luís se existem grandes diferenças a nível de apoios ao artista e de indústria musical nos dois países. A sua resposta tira qualquer dúvida, e evidencia também o facto de Portugal ainda ser muito infértil a nível de novas apostas em grandes editoras: «Claro que sim, absolutamente. Não há apoio cá (risos). Começa por aí. E não há grande indústria cá, porque não se tomam riscos por cá.

Por exemplo, as bandas que assinam por majors são bandas que obviamente faziam sentido assinar por majors e não há cartas fora do baralho. Acho mesmo que existe uma diferença grande e o que é surpreendente é que, apesar de não haver apoios a bandas que estejam a começar, não há salas municipais para as bandas ensaiarem, etc., etc.

Existe imensa cultura, tens imensa gente a fazer cultura e isso é sinal da resistência e da capacidade de aguentar tudo que nós temos. Do pouco tempo que estive em Munique, todas as editoras com que trabalhei têm apoios federais ou do governo regional, é muito fácil obter uma sala de espectáculos da câmara para fazer qualquer coisa. Para além de que há muito mais gente a gastar dinheiro em cultura. A terra é melhor, mas se calhar o que nasce por lá não é tão bom como o que nasce por cá (risos). Na minha opinião pessoal, Lisboa é muito fértil em termos de cultura e arte, em todas as áreas tem muito a dizer ao resto do mundo.»

Luís Clara Gomes para além do projecto Moullinex, tem também a sua editora Discotexas, que, adivinhem, surgiu com a ajuda do MySpace!, e a música a tempo inteiro tornou-se numa realidade. « Eu estava a fazer investigação com o Observatório Europeu do Sul, uma agência de Astronomia europeia, como free lancer já há quatro anos quando o ano passado decidi deixar. E sim, música a tempo inteiro e é assustador (risos), mas é bom ao mesmo tempo, é um desafio.»

A Discotexas, de tempos a tempos, junta todos os seus músicos e tem já a sua própria identidade como Discotexas Band! Pedi ao Luís que me falasse mais sobre a editora e a sua banda: «A editora também surgiu sem quaisquer pretensões. Na altura eu tinha feito uma remistura para Vicious Five e o guitarrista dessa banda, o Bruno, já fazia música como Xinobi. Começámos a enviar músicas um ao outro e, entretanto, decidimos fazer uma festa. E alguém sugeriu o nome Discotexas, nem fomos nós (risos). Começámos a fazer festas no mini-mercado em Santos, que era um espaço para 50 pessoas – óptimo, mas pequeníssimo – e estava a correr muito bem.

Juntámos mais amigos, que eram DJs ou produtores, e a editora surgiu assim, via MySpace (risos) – com o TopFriends no MySpace criavam-se verdadeiras alianças (risos) – super organicamente, sem qualquer ideia do “bora lá, vamos dominar o mundo” (risos). Claro que temos sempre essa ideia (risos). Como estávamos a fazer muita música original, pensámos “em vez de estarmos à procura de uma editora, porque é que não fazemos nós uma? Deve ser fácil.”, dizíamos nós na nossa ignorância.

E até é fácil, se quiseres fazer música e editar digitalmente. Mas nós queríamos fazer discos também e tornámos isto numa editora. Hoje em dia sou eu, o Bruno e o Moutinho, que é mais velho, tem bastante experiência e ajuda-nos a rumar o barco, porque nós somos demasiado desorganizados para gerir alguma coisa (risos). É muito bom termos a nossa casa de discos para por-mos cá fora a música que fazemos e gostamos.»

Recentemente, Moullinex ajudou na produção do disco Penelope de Sequin e o Luís conta-nos que é algo que gosta de fazer: «Gosto de trabalhar com pessoas que admiro musicalmente e de ajudá-las a concretizar as suas ideias.»

Love Magnetic é o primeiro original desde que Flora saiu e um dos dois concertos especiais dedicados a este lançamento aconteceu no passado Sábado no Porto. O próximo é já esta Sexta-feira no CCB. Luís conta-nos um pouco do que nos espera nesse concerto: «Ao vivo, somos sempre três e vamos trocando de instrumentos. Desta vez, a Ivone, que canta três músicas comigo no Flora, vem para o CCB. Também os Best Youth vão estar presentes, fizémos uma música juntos e foi tão fácil que só fazia sentido agora chamá-los.»

Novo single equivale a novo álbum a caminho? «Sim, vem aí um novo álbum, mas não quer dizer que este single faça parte dele. Mas sim, é uma espécie de wake up call (risos).»

Satisfeita a curiosidade em relação ao seu trabalho, desafiei o Luís a definir um género literário para uma obra inspirada na sua música: «Acho que daria…(hesita) contos, porque é muito variada. Acho que o equivalente a canções no mundo literário são contos, pequenos contos, diria eu. Para ser um romance tinha de ser uma obra continua, com capítulos e uma interligação entre todos. Penso que seriam contos acerca de um só tema. O próximo disco que estou a fazer agora, é tudo à volta de sonhos. Podia ser uma compilação de contos de autores diferentes sobre sonhos.»

Luís afirma ler bastante e conta-nos quais os seus autores preferidos: «O meu escritor preferido de sempre é Jorge Amado, mas a anos-luz de distância de todos os outros. De resto tenho outros autores estrangeiros, como o García Márquez, mas é muito difícil escolher um escritor. É quase tão mau como me perguntares qual a minha banda favorita (risos).» Mas… Então… Não nos queres dizer a tua banda favorita? (risos) «Não, não quero. (risos) Mas lá está, como o Jorge Amado está para mim na literatura, na música tenho o Stevie Wonder.»

Quanto a uma obra literária e uma música marcantes, Luís conta-nos esses episódios: «Musicalmente, o Dark Side of The Moon dos Pink Floyd. Lembro-me perfeitamente, a nossa professora da primária pediu-nos para levarmos um disco para ouvir na escola. Na altura, fui à colecção do meu pai, peguei no Dark Side of The Moon – por causa da capa – e pus a tocar. Fiquei parvo, literalmente parvo. “Ok, vou levar isto para a escola.”

Depois andei a ouvi-lo durante semanas, um mundo inteiro de discos à minha espera e eu só ouvia aquele, por isso esse marcou-me, definitivamente. Literariamente, o Cem Anos de Solidão marcou-me porque o li muito novo. O Capitães da Areia, de Jorge Amado, também me marcou muito. Li ambos numa fase de puberdade, 12/13 anos e agora é diferente, mas na altura os livros eram a nossa principal fonte de informação sobre o que é tornares-te num ser adulto e mudares.»

Muito obrigada ao Luís pela tremenda simpatia e disponibilidade. Quanto ao blogue, estaremos esta Sexta-feira no CCB a registar o belo momento que acredito que vá ser!

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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