Foi no início da noite do Portugal Festival Awards que tive o enorme prazer de me sentar na esplanada do Cinema São Jorge, que acolheu o evento, a falar com Alex D’Alva Teixeira e Ben Monteiro sobre o seu projecto conjunto – D’Alva. Têm uma década de diferença no que toca à idade, mas no que toca à vontade de fazer mais e diferente estão em plena sintonia. São conhecidos pela sua alegria, pelos seus hashtags, mas principalmente pelo primeiro disco #batequebate. Provavelmente são dos poucos projectos Pop que vou ouvindo, sendo que o que me chamou verdadeiramente à atenção foi a versatilidade tanto lírica como sonora. Estiveram nomeados para Artista Revelação, não ganharam, mas fizeram a performance mais bonita da noite. Fica a conversa que antecipou esse momento.
Fotografia por Sofia Teixeira |
O projecto D’Alva vem como consequência natural da colaboração do Ben Monteiro com o Alex D’Alva Teixeira. Este último tinha lançado um EP homónimo, em 2012, pela Flor Caveira, «mas a dinâmica a dois já existia», tendo sido o próprio Ben a produzir esse EP. «Esse EP era uma espécie de uma amostra do que seria um álbum a solo de Alex D’Alva Teixeira. No entanto, esse álbum nunca aconteceu porque no processo de o fazer começámos a escrever juntos e a compor juntos. O Ben deixou de ter um papel meramente de produtor para começarmos a fazer canções juntos. Daí a necessidade de haver um novo nome que agregasse não só o Ben, mas também todas as outras pessoas da banda.» (Alex)
«À medida que fomos trabalhando juntos, começou a surgir uma entidade no que fazíamos, fosse no que ouvimos, no que produzimos ou até visualmente, nas coisas que gostamos. Era algo que não me definia apenas a mim, não definia apenas o Alex, mas antes o trabalho que fazíamos juntos.» (Ben)
O Ben contou que já tinha sugerido, inicialmente, o nome D’Alva ao Alex, mas este respondeu «Eu não gosto da ideia de ter um nome artístico e então quis usar o meu próprio nome, até porque na altura havia a necessidade de me afirmar enquanto artista e até mesmo enquanto indivíduo. O EP é muito pessoal. O disco também, mas esse já engloba mais a mentalidade dos dois. Aliás, o Ben produz música sozinho que não soa nada a D’Alva. Tal como o EP, apesar de parecido, acaba por ser diferente do disco.» Fica a curiosidade que desde a entrevista o Ben tem um projecto a solo novo, Mount Keeper, que já conta com duas músicas que valem a pena ouvir.
#batequebate é o nome do primeiro disco dos D’Alva e rapidamente ficou “na boca do povo”. Por trás do disco, que ainda demorou algum tempo «nós tínhamos um conjunto de canções, mas faltava sempre alguma que o fechasse», não houve nenhuma intenção específica, mas antes a necessidade de haver um fio condutor que ligasse as músicas todas: «Este é um disco muito heterogéneo, que vai a muitos sítios diferentes, mas existiu a necessidade de criar uma espécie de narrativa.»(Alex)
«Só depois de já estar tudo feito é que percebemos que o disco era muito coeso e que fazia todo o sentido. Fomos percebendo que o disco tinha características que nem sequer foram intencionais. Mesmo a própria sequência da tracklist, acabámos por nos aperceber que funciona quase como uma viagem. Começamos na primeira música com os anos 80 e acabamos com uma música é que muito mais perto das coisas mais actuais, como James Blake ou até Twigs, se bem que nem sequer conhecíamos ainda Twigs quando a fizemos. Portanto, começámos num sítio e acabámos noutro, mas nem sequer foi intencional. O nosso disco está carregado de bons acidentes.» (Ben)
Não sendo um disco conceptual é, ainda assim, um disco que acaba por ter um largo espectro de abrangência «Quando tu ouves, parece que é um conjunto de canções e acho que é assim que deve soar um disco Pop nos dias em que vivemos. Acho que um álbum Pop vai a esses sítios diferentes. Tu não ouves a mesma textura, os mesmos timbres, do início ao fim. Se reparares, mesmo ao nível das letras, cada canção fala de um tema diferente e tem um ambiente diferente. É como o carrossel na casa do terror que te vai levando para câmaras diferentes. Só que aqui não é a casa do terror (risos). Imagina que é a praia, uma festa dos anos 80 em Nova Iorque e por aí.» Curiosa com esta imagética tão diversificada, o Ben e o Alex acabaram por fazer uma tour turística pela disco: «Na primeira estás num concerto do Stevie Wonder nos anos 80, na segunda estás numa festa do início do hip hop em Nova Iorque, a #LLS é o funk brasileiro, o Segredo também é totalmente o Brasil, estás a sambar, o Lugar Estranho imagina que estás num concerto no casino e não tens o fato vestido (risos), mas muito glitter (risos), na Aquele Momento estás nos anos 90, num concerto das Spice Girls com um coral Gospel em cima, o Barulho já é Beastie Boys, o Barulho II se calhar é Kaney West, não sei, Só Porque Sim já é uma colaboração do Kaney West com o Frank Ocean (risos), a Homolgação não existe, talvez Buraka super progressivo, e depois tens a Primavera que é totalmente actual, mas não fizemos de propósito.»
Terminada a viagem sonora, é contada a origem das letras e uma possível mensagem a ser passada cá para fora: «Nós escrevemos sobre aquilo que vivemos. Ao início era mais sobre coisas que o Alex estava a passar, depois começámos a passar muito tempo juntos e a nossa vida começou a ser muito a mesma coisa. Por exemplo, eu passei por uma depressão e há ali uma música que fala sobre ansiedade. Eu sofro de depressão e ansiedade, e curiosamente é uma música alegre que fala disso. Portanto todas as coisas que estávamos a passar, foram parar às temáticas. Mas é mais isso, sabes? Nós não planeámos o que queríamos passar cá para fora, mas fomos falando do que se passava connosco.» (Ben)
«Como eu costumo dizer, nós não temos uma agenda até porque falamos de coisas muito actuais do nosso quotidiano. Temos uma música que é sobre jogar raquetes de praia, temos outra que é sobre o Facebook, outra sobre levares uma nega…» (Alex) Aqui o Ben manda a sua dica «sobre não gostarem da música que tu fazes…». O Alex retoma, «Sim, eu não queria ir tão longe, mas é verdade. (risos)»
Quem ouve o disco do princípio ao fim, consegue perceber a cumplicidade e a elasticidade do trabalho artístico – desde a familiaridade com a mãe do Alex a participar, telefonando ao Alex para falar com Ben!, entre tantos outros pormenores. Na questão das categorias «no fim do dia a etiqueta Pop é a que assenta melhor. É a que consegue agregar essas coisas todas diferentes. Houve uma altura em que a música Pop parece ter ficado um bocadinho mais suja, quando apareceram os fenómenos mais massificados, mas na verdade é isso que fazemos, música Pop. Mesmo que as influências venham tanto da Britney Spears como de Nirvana.» Chegada esta altura, o Ben pegou no seu smartphone e mostrou-me a colecção que tinha na biblioteca musical, que comprovou a diversificação de influências tendo desde Mew, Friendly Fires, Blake e Chet Faker a bandas de metal progressivo, pop coreano e ainda sua estimada Ana Cláudia. «E punha aqui mais coisas. (risos)» O Alex completa: «O nosso conceito de Pop é um bocado diferente. Para nós Friendly Fires e The Naked and Famous são pop e do melhor que há.»
«Não pensámos muito na coisa, sabíamos que queríamos fazer música para dançar e que fosse interessante para quem fosse a um concerto, mas de resto fomos fazendo consoante o que achávamos que fazia falta. Até mesmo como fazer uma balada sem ser cheesy… Nunca houve uma agenda com intenção, por exemplo, de uma música ter que passar na rádio, aliás, nós até sabotámos algumas canções que estavam a ir muito bem. (risos)» (Ben)
Esta descontracção não só está presente no disco como também nos vídeos que vão apresentando. No momento da entrevista ainda só tinham o vídeo frescobol (agora têm também o #LLS) que foi gravado com dois iPhones, muito na filosofia de que com pouco se pode fazer muito e que não é por isso que as coisas saem com pouca qualidade. «Na verdade existem dois mundos, o de quem está de fora, o espectador, aquilo que vês, e há uma realidade que acaba por ser uma boa metáfora. Por trás das cortinas de um palco nada é bonito e glamoroso, raramente é. Sais para trás das cortinas e aquilo é tudo muito funcional, muito cinzento, há sítios que são horríveis. E a música também tem esse lado, como qualquer indústria, e nós preferimos não fazer teatro e assumir que estamos a fazer música. Temos um disco que está a correr muito bem mas, por exemplo, ele está a trabalhar num call center e não tem problemas nenhuns com isso. Essa é a postura principal – be real. Viver sem inventar demais e sem artifícios. Em relação aos iPhones, podemos fazer alguns statements com isso, claro, mas é também para liberar quem faz música. Perceber que há muita coisa que não se faz por não haver dinheiro ou material e isso nem sempre é o mais importante. O nosso disco foi gravado no GarageBand, um software livre que vem com o Mac. À partida não é considerado profissional, mas nós gravámos assim. Com os iPhones foi a mesma coisa, se a câmara do iPhone tem qualidade suficiente porque é que hei-de alugar uma câmara que me fica uns 200€ ao dia quando posso pedir dois iPhones emprestados a alguém e fica tão bom. O importante na música é a canção, não o vídeo. Hoje em dia usa-se tanto a mesma fórmula e o mesmo plano nos vídeos que nós quisemos sabotar um bocado isso. Se esta câmara dá porque não fazer com ela?»
O que é certo é que com um primeiro disco, vídeos “feitos à mão” e com um espírito muito do it yourself, conseguiram um tremendo sucesso tendo tocado logo mais do que uma vez no NOS Alive. Perguntei-lhes qual teria sido a razão, dado que é raro em Portugal, de num primeiro trabalho, dentro daquelas condições, acabar por sair destacado. Qual seria a fórmula para aquele hype! O Alex comenta o facto de anteriormente já ter havido o EP e que se calhar também se deveu a isso «Nós apresentámo-nos com o vídeo da Homolgação em que a música ainda fazia parte do meu EP, mas depois aparece com outro nome e o pessoal ficou curioso. Já havia alguma expectativa e depois saiu o single, que ainda gerou mais barulho à volta do álbum.»
Eu, por exemplo, conheci os D’Alva através da nossa Vera Marmelo e comentei isso com eles. O Ben destaca que talvez tenha sido um conjunto de vários factores ao mesmo tempo: «Há sempre uma dose grande de sorte, mas foram mesmo muitas coisas que contribuíram para estarmos aqui. Mas quero acreditar que no fim do dia é a música que nos coloca aqui. Eu acho que a nossa música é boa e no final do dia é isso que conta. Havia gente na expectativa, mesmo quem não estava achou a música boa, e é completamente diferente do que estavam à espera. A maior parte dos nossos amigos faz música alternativa e então toda a gente estava à espera que fizéssemos o mesmo. Depois sai o single, as pessoas gostam da música, sai o disco, quem o apanhou logo diz que devorou e depois veio a parte de pensar em como seria ao vivo. Aí teríamos de colocar a fasquia mesmo lá em cima e correu tudo bem. O que eu cheguei a dizer ao Alex foi que isto ou corria mal ou corria muito bem. E que se as pessoas aceitassem ouvir o disco de mente aberta iriam reagir à música da mesma maneira como nós a fizemos e foi assim. Um ano antes do disco sair, já andávamos a ensaiar para sair bem, não deixámos para depois. E tudo isto ajudou. Mas se a música e os concertos não forem bons, não adianta. E sentimos que ainda está a crescer.»
Fotografia por Vera Marmelo |
O terem editado pela NOS Discos acabou por se mostrar bastante benéfico e eles destacaram isso: «Ter editado pela NOS Discos foi muito bom. Temos muita flexibilidade para fazer as coisas no nosso timing, sentimos um grande apoio da parte deles, protegidos até, acreditaram mesmo ainda antes de ouvir o disco… Queríamos que fosse logo para a internet, sem que as pessoas tivessem que pagar, e chegar ao maior número de pessoas possível…» (Ben)
«E não só, a NOS Discos foi a única editora que não nos tentou impor coisas ou pôr o dedo. É algo que por princípio não vais querer que interfiram na tua arte.» (Alex)
«Até porque o que estávamos a fazer era tão diferente do que o que se estava à espera que tivemos músicos, que não vou dizer, que ouviram o nosso disco antes de estar terminado e comentaram que aquilo estava um bocado estranho. Eu respondi que aquilo iria ser o single e hoje em dia as pessoas acabam por reconhecer isso. Mas é verdade, a equipa que se gerou à nossa volta é excelente. Há pessoas na net que nos acusam de cunhas, mas nós não tínhamos um tostão, não conhecíamos ninguém…» (Ben)
«É verdade, eu ainda trabalho num call center por alguma razão, let’s be honest. E não só, houve uma altura em que eu tinha de pedir dinheiro emprestado para ir ao continente! (risos) Nós abdicámos de muita coisa por este disco.» (Alex)
A sinceridade do Alex e do Ben, a sua genuinidade, chegam e sobram para termos uma boa noção de que nem tudo o que parece é, e que há muito trabalho que não se vê por trás da tal cortina, incluindo sacrifícios. Lembro-me que naquele dia estavam fascinados com o facto de irem tocar com uma orquestra e de o Alex ter comentado «que sonhão!» e rimo-nos os três. Aproveitando esse comentário, perguntei-lhes que palcos é que gostavam de pisar, alguns dos referidos são o Coliseu , o Casino de Lisboa, o Lux, a Queima das Fitas de Coimbra e depois o Alex referiu a ZdB que não é de comum acordo com o Ben e ele explicou porquê: «Eu gsoto da ZdB e do pessoal da ZdB, mas com D’Alva não sei se faz sentido.» O Alex defendeu que era uma sala histórica na música independente em Portugal e que ele gostava de fazer parte dessa história. A lista continuou por várias festas populares (algumas em acordo, outras nem tanto), mas a conclusão foi evidente: «Ainda há tantos sítios onde tocar!». É neste momento que o Ben começa a confrontar o Alex com alguns locais, como o Avante, Rock in Rio e … a primeira parte de One Direction! «Eu tocava na boa!», diz o Ben em tom algo irónico. Quando o Alex se apercebe disso diz que ele fazia e passa a explicar porquê: «Não sei qual é o medo. Não deixas de ser tu próprio. Nós fomos convidados para fazer a primeira parte de Guano Apes e se fosse em 2001 fazia, mas hoje em dia… Não sei se faz sentido ver D’Alva a fazer isso. Agora, nós somos versáteis ao ponto de fazer coisas com sentido em contextos diferentes. Quando tocámos na festa de Carcavelos eu estava com medo, não sabia se fazia sentido. Estavam crianças de colo, avôs dessas crianças, famílias inteiras! E toda a gente nos veio dar os parabéns.»
Comentando o percurso até ali eles constataram: «As coisas que queríamos ter feito, não sei como, em seis meses já as riscámos da lista. E houve uma série de coisas que não estávamos à espera, como hoje (Portugal Festival Awards), que são altamente.» (Ben)
«E mesmo olhando para trás, tocar no Alive sempre foi grande sonho, mas tocar na Moda Lisboa tipo, nigaaa (risos), isso é um big deal, não é qualquer banda que toca no Moda Lisboa. Ainda há muita coisa para fazer, muita coisa para explorar. Então da parte do Ben, em particular, ainda há muita coisa.» (Alex) «É?» (Ben) «Sim.» (Alex) Depois do suspense durante um segundo, o Ben deixa a curiosidade no ar, continuando sobre a Moda Lisboa como se nada tivesse sido dito sobre si: «A Moda Lisboa foi especial porque é um mundo completamente diferente. Há um ano atrás nós já queríamos estar envolvidos de alguma maneira com a Moda Lisboa e acabou por acontecer da maneira mais inesperada possível. E no final do dia o que fica destas coisas em que nos vemos envolvidos e não estávamos à espera, são as relações com as pessoas. Está a ser uma viagem mesmo muito bonita em que eu, com a idade que tenho, não esperava fazer.»
Esclareça-se que o Ben tem pouco mais de 30 anos, mas faz os tais dez anos de diferença do Alex. Discutimos um pouco as maiores discrepâncias das duas gerações, como o Ben ter crescido quando surgiu o CD e o Alex já apanhar o mp3 e o cd a morrer. «Se calhar sou eu que tenho um espírito jovem e consigo estar na boa (risos).» (Ben) «No fundo acabamos por ter imenso em comum e acabamos por nos entendermos bem e estarmos todos dentro das mesmas coisas.» (Alex)
Terminando e concluindo, deixando um conselho a quem agora começa: «No final do dia nós trabalhámos imenso, tivemos muita sorte, mas continuamos a trabalhar muito e não paramos. Nós fazemos questão que não fique nada por fazer. Se for preciso nem dormimos. Nós damos toda a energia que temos para que a música fique fixe, que os concertos fiquem fixes. E não é só de boca. Mas há sempre muita coisa para aprender e para fazer melhor. Para qualquer outra banda que está a começar, os números não interessam, não interessa o que as editoras dizem ou pensam, façam a vossa cena, não precisam de imitar ninguém. Encontrem a vossa maneira de dizer as vossas coisas. Demora, mas vale a pena.» (Alex/Ben) Como nota de rodapé o Ben deixou registado que se eles não ganhassem o prémio daquela noite que achava que ia ser o Jimmy P a ganhar. Não é que acertou?
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