Opinião: Arquipélago, de Joel Neto

Arquipélago

Joel Neto

Editora: Marcador

Sinopse: No último paraíso do Planeta, a meio caminho entre o Velho e o Novo Mundo, as ventanias preparam a sua ofensiva. Ardem vulcões e terramotos, e é contra a morte que o povo dos Açores festeja, eufórico, como se em todo o caso o fim estivesse próximo. De regresso às ilhas após trinta e cinco anos de ausência, José Artur Drumonde colecciona afectos e perplexidades.

Há Elias Mão-de-Ferro, um velho endurecido pela vida no mato e pela culpa. Há Maria Rosa, uma pequena maria-rapaz, loira como só aos oito anos, conhecedora das raças de vaca e da natureza humana. Há Cabrinha, taberneiro e manipulador da consciência colectiva; há La Salete, a sua filha cozinheira e sábia; há Luísa Bretão, mulher de beleza e silêncios, a quem o regressado demorará tempo de mais a declarar-se.

A sua viagem não é a de um vencedor. Com a carreira na universidade onde ensina em risco, José Artur voltou em busca de vestígios da Atlântida, a utopia há tanto procurada por arqueólogos e historiadores, e provavelmente também da memória de José Guilherme, o avô de cuja vida de adulto a sua própria existência fora, décadas antes, uma reprodução em ponto pequeno.

A terra não treme sob os seus pés: nem o maior o terramoto o seu corpo será capaz detectar, no que constituirá o mais evidente sinal da incompletude da sua pessoa. Na autenticidade da vida do campo, na repetição dos gestos dos seus antepassados – aí se encontrará, talvez, a redenção.

Mas as entranhas da velha casa familiar escondem um segredo: os ossos de Elisabete, a criança desprovida de um braço e dotada de força sobre-humana cujo desaparecimento, quase quarenta anos antes, coincidira com o fim da sua própria infância.

Opinião: Existem muitas coisas extraordinárias no seio da literatura portuguesa, mas as mais marcantes são aquelas que pegam em território conhecido e o fazem renascer aos olhos do leitor. Arquipélago é uma dessas obras, que pega no conceito Açores, povoa-o com personagens misteriosas – umas simples, outras complexas na sua simplicidade – e tece uma série de histórias que acabam entrelaçadas e tão próximas que é impossível as dissociarmos umas das outras. Os costumes, as expressões e os rituais do povo açoreano são contadas de forma a provocar um certo fascínio e uma curiosidade imensa. No seu todo, Arquipélago é uma espécie de Caixa de Pandora em que nos perdemos quando realmente o abrimos, para só nos reencontrarmos quando o voltamos a fechar.

Em termos de enredo, Joel Neto, neste que é o seu terceiro romance, presenteia-nos com uma linha de acção que nada tem de uniforme. Se o protagonista vive em constante desafio e dúvida para consigo mesmo, a própria oscilação da narrativa entre o passado/presente/futuro faz com que as questões surjam desde muito cedo; a mente vai fervilhando com várias pontas soltas e quando sentimos a fragilidade de José Guilherme a vir à superfície, também o leitor tende a sentir-se algo perdido. Viajamos pela sua infância, passando pela sua vida adulta, onde testemunhamos uma relação da qual surge um filho de forma imprevista e em que mais tarde assistirmos a uma relação disfuncional com uma aluna, para nos estabelecermos no seu presente onde tenta recuperar a familiaridade de quando era criança e vivia nos Açores. Para além do interesse académico, com o passar do tempo este encontra cada vez mais razões para se estabelecer por lá, mas o mistério da morte da pequena Elisabete, amiga temporária daqueles tempos pueris, assombra-o e ele não vai descansar enquanto não desenterrar todos os esqueletos do armário.

Estamos perante um livro bem escrito em que o único aspecto que me esmoreceu a leitura, em alguns momentos, foi alguma suspensão na acção em alturas que me deram a sensação que provocariam uma maior precipitação de acontecimentos. Adorei a Maria-Rosa, sem dúvida uma luz na escuridão que por vezes se habatia no interior do nosso protagonista, e também de Elias Mão-de-Ferro, que envolto em tantos segredos finalmente tem a oportunidade de os expiar. Em Arquipélago, podemos então encontrar um alimento que tem tantos ingredientes de romance, como também umas pitadas de thriller, com a intriga a marcar o passo e o mito da Atlântida como catalisador.

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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