Entrevista aos Thunder & Co., Banda Portuguesa, sobre Nociceptor, o primeiro disco

Os Thunder & Co. são uma dupla portuguesa, composta pelo Sebastião e pelo Rodrigo, que lançaram recentemente o seu primeiro disco – Nociceptor. E se o disco tem o nome dos receptores sensoriais que percepcionam a dor, também os vídeos têm levantado diferentes opiniões. Uma coisa tem sido certa, a receptividade tem sido boa e lá fora os elogios têm sido muitos. Por cá, estão confirmados em vários festivais para termos a oportunidade de testemunharmos em primeira mão estas 10 “canções lamechas”. Mas já lá vamos. Fiquemos então com a conversa com os Thunder & Co. no início de uma tarde extremamente ventosa!

Fotografia Nuno Capela

Comecemos então pelo início, quando é que tudo começou e como? «Nós juntamo-nos como amigos há muitos anos e colaboramos juntos há muitos anos. Neste projecto específico – Thunder & Co. – há dois, a propósito de um concurso de um remix para uma editora americana – que se chama DFA ou Death from Above – e foi assim que começaram os Thunder & Co.. O remix do concurso era para os Rapture, para a canção How Deep is Your Love, e a coisa correu muito bem. Chegámos aos finalistas e depois pensámos “Fixe, agora vamos continuar”.»

O primeiro contacto com esta dupla foi com a música O.N.O., em que o vídeo deu que falar. Seguindo uma metodologia muito usada nos dias de hoje – Search, Copy and Paste – muitos ainda esperam por um “vídeo oficial”. Mesmo em Apples, o conceito gráfico é diferente do habitual e quis explorar essa vertente que serviu como carta de apresentação da banda: «Antes de existir os Thunder & Co., já existia uma plataforma que nós criámos que se chama DURO, comigo (Sebastião), com o Rodrigo e com o Duarte Ornelas, que é o nosso produtor. A intenção da DURO em tempos, e que ainda não morreu, era a de poder lançar os projectos que nós gostássemos – nossos ou de outros amigos. Na DURO já tinham havido ensaios de música e artistas lançados – o Cut Slack é um produtor português que lançou um EP connosco ainda sobre a alçada do DURO e fazia parte daquele colectivo. Eu sou designer gráfico, por isso a ideia dos vídeos e dos layouts sempre existiu como parte integrante, a música não acabava só pela música. Claro que quando formámos os Thunder & Co. tudo ficou mais fácil. Pegámos em canções que já tínhamos – nossas ou de amigos – e com a ajuda do Duarte pusémo-las em pé. Essas noções todas de vídeo e de imagem estética já existiam também do que já tínhamos vindo a trabalhar.» O Rodrigo complementa: «Respondendo à tua pergunta (risos), nós não criámos os Thunder & Co. para fazer nenhum statement. Criámos os Thunder & Co. porque adoramos fazer música. Talvez o statement do vídeo seja uma lógica “anti-vídeo”. »

A explicação sobre a lógica do vídeo é simples: «Havia um constrangimento real que era não ter dinheiro para fazer um vídeo – não ter dinheiro ou não querer pensar num vídeo gigante, era o primeiro single. Eu  (Sebastião) já tinha andado a trabalhar muito na matéria do trabalho gráfico que fazíamos na DURO, era um trabalho de anti-design, ou seja, queria fazer coisas que não eram aparentemente tão bonitas. Essa ideia do vídeo já existia quase como uma ideia provocadora “E se eu fizer um vídeo só a procurar coisas no Google ou em bancos de imagens? O que aparecer tenho de usar”. Portanto, há uma intenção estética sem haver nenhuma. Depois, no fim, provoca uma peça que é feia e que ainda hoje temos problemas de pessoas que não o querem passar, nem ver. Chegam a ofender-nos e dizem-nos que os nossos vídeos são horríveis e que só nos estamos a prejudicar. Mas nestes vídeos há essa vontade de provocar, mas nós gostamos muito dos nossos vídeos. Quem compreende mais a corrente das linguagens estéticas de hoje em dia, sabe que aquilo já nem é nada de fora, até antes pelo contrário, é a coisa mais mainstream e mais na moda de agora que é fazer as coisas como se fossem todas mal feitas.»

E o receio de saírem prejudicados com isso, existe? «É assim, não tínhamos receio. Nós temos orgulho nos nossos vídeos!», disse com convicção o Rodrigo. O Sebastião complementou: «É fixe esticar, com a devida distância e humildade, a corda. Sabíamos que iam ter alguma dimensão. Mas por exemplo, existe uma parte neste vídeo da Apples – não tem nada de mal, estamos no século XXI – com um Jesus Cristo em 3D com um pila gigante e uma chave. Nós sabíamos que só aquilo ia chocar e já chocou: “Ah, mas tem aquela parte! Ah e aquilo é feio e é provocador! Ai o outro…” Mas no limite é tão… é bom que se façam essas perguntas… De facto, qual é o mal? Não tem mal. Até antes pelo contrário. Aliás, também a capa era uma grande questão. Mesmo este layout da capa, eu acho já isto muito para baixo, a ideia original era muito mais fora, mais feia ainda.»

«Mas esta capa não é feia. Esta capa é linda. Eu posso falar porque foi o Sebastião que a desenhou, não fui eu que a fiz, portanto eu posso dizer à vontade que é bonita.» (Rodrigo)

«Eu também posso dizer que é bonita, mas que também havia uma intenção de provocar e isso existe, mas graficamente. Depois o ponto de vista musical até acho que não.»

E essa é uma realidade. O disco é caracterizado por um forte conteúdo emocional, até pessoa, apelando pouco à provocação: « Mas isso é giro. As bandas POP que eu gosto, todas tiveram sempre uma tradição de que às vezes a matriz da música até parece muito certinha, mas depois em vídeos, nos concertos, nos visuais eram muito mais esticados. A matéria da música às vezes não precisa de acompanhar o resto e podes encontrar aí um sítio para ser mais provocador.» Será uma espécie de equilíbrio entre ambos? Música e Imagem? «É uma boa analogia dizer que é um equilíbrio. O importante é perceber que as coisas acontecem com naturalidade, ou seja, nós não fazemos música e depois vamos a correr ter uma imagem mais irreverente para “compensar” a música. Não. Quando nós desenhamos as músicas, as músicas saem assim e quando fazemos o design, o design sai assim. Apesar de ser um bom equilíbrio, são coisas naturais. Não é um equilíbrio provocado.»

Mergulhando no universo das letras, estas são da autoria do Rodrigo e ele explica o lado mais emocional/melancólico: «É assim, no meu caso é muito difícil escrever sobre coisas que não sinto ou que não vivi. Não consigo fazer esse exercício de fantasiar uma história e, normalmente, escrevo as coisas que sinto – é normal, as pessoas quando fazem música escrevem as coisas que sentem. No nosso caso, também é adicionada a condição do nosso produtor na medida em que ele é uma pessoa mais reservada e que vai muito encontro aos acordes mais tristes e às harmonias mais tristes. Esse casamento com a nossa composição e com a nossa escrita dá nesse resultado mais triste, mas como qualquer artista, nós não temos medo de nos expor.»

Fotografia Nuno Capela

Em relação ao nome do disco, sinónimo dos receptores da dor no corpo humano – Nociceptor -, a dupla contou-nos que fazer música é um exercício que consegue ser doloroso, pela voz de Sebastião: «Nós estávamos sempre a brincar os dois – brincar, mas que é uma coisa muito verdadeira –, mas para nós, fazer música, é super doloroso porque é muito difícil. Ao passo que se calhar esta parte mais de design a mim, pessoalmente, é mais intuitiva, fazer música, para mim, custa mesmo, dói. Porque tenho limitações, tenho de me esforçar e fico frustrado. Portanto, esta ideia de nós escolhermos o Nociceptor é porque nós achamos mesmo que fazer música é uma dor. Tocar dá-me um prazer imenso, cada vez mais anseio por continuar a tocar e tudo mais, mas quando se está a fazer é doloroso. Acho que não sou limitado, acho que não tenho nenhum problema, mas sou bastante autocrítico. Não aquele virtuoso que pega no piano e “Olha, mais uma! Mais uma! Agora canta por cima! Mais uma!”. Não! Até pelo contrário. Mesmo ele para escrever as letras, estar em estúdio e ter que ouvir e repetir alguns processos vezes sem conta. É doloroso. » 

Sobre a narrativa do disco: «Este disco é uma colecção ainda de músicas que estavam mais soltas. Como disse antes, nós tínhamos aquela plataforma da DURO e, sendo sempre as mesmas três pessoas – portanto, no fundo, éramos nós –, havia coisas que eu fiz mais sozinho com o Duarte, outras coisas que o Rodrigo fez mais sozinho e que invariavelmente tem formas diferentes. Portanto, nós pusemo-las todas juntas e achámos que isso até pode ser uma parte interessante da narrativa. É que são histórias diferentes. Por exemplo, esta introdução, os instrumentais eram de outro tempo, há canções mais Pop que nós já fizemos todos juntos. Portanto, eu acho que é isso. Eu acho que começámos em sítios muito diferentes e depois caminhámos para um final comum. A música sete – S.A.N. – é, de todas, a que mostra mais do que vai ser o trabalho – e isso acredito eu, atenção – a seguir.» 

E ainda sobre o facto de usarem, maioritariamente, iniciais em vez do nome completo das músicas: «Preguiça! (risos) Ou seja, isso começa com a forma como os projectos vão sendo gravados. Por exemplo, nós gravamos as músicas no computador, não é? Gravamos as guitarras, os baixos e gravamos a bateria, passamos para o computador e etc. e os projectos ficam com nomes, por exemplo, a O.N.O. que é One Night Only ou a S.A.N. que é Shine At Night… Pá… Nós não íamos escrever One Night Only ou Shine At Night – púnhamos O.N.O ou S.A.N..»

Sendo uma música com uma boa base electrónica, impõem-se a pergunta de como é que funcionam ao vivo: «A matriz do disco é electrónica, mas ele já tinha uma componente orgânica. Muitos baixos são gravados mesmo tocados, há guitarras, as baterias são gravadas acústicas. Por isso, ao vivo essa parte rítmica, essa secção rítmica é tocada. Portanto isso dá logo ali uma força diferente e depois tudo aquilo que é repercussão das maquinarias, dos sintetizadores, nós tentamos tocar ao máximo, tentamos despir sem desvirtuar. Tudo o que pudermos das nossas mãos fazer, vamos tentando fazer. A ideia é recriar tudo o que aí está, mas tocado.» Como companhia têm tido o Rui Maia (Mirror People) e o Ivo Costa (que também toca bateria com Batida, entre outros).

Fotografia Nuno Capela

O disco foi lançado pela NOS Discos e eles apontaram os aspectos positivos de o terem feito por essa plataforma digital: «O contrato com a NOS Discos é bastante aliciante porque permite-nos ter as músicas em download gratuito legal no site deles, em nos.pt, e ao mesmo tempo eles não metem qualquer impedimento a que nós possamos vender no iTunes ou em qualquer loja digital. É super justo para os artistas porque oferecem promoção e oferecem CDs. Deram-nos centenas de CDs que nós podemos vender ao preço que quisermos. Isto surgiu pela competência do nosso primeiro EP – lançámos um EP independente – que felizmente as pessoas ouviram e perceberam o valor que tinha e depois há uma continuidade natural. Para nós é um orgulho na medida em que os outros artistas que a NOS tem apoiado também são bons como o Mirror People, o Marfox, entre outros.»

A música gratuita tem sido largamente discutida por diversos meios. Reflectirá alguma tipo de desvalorização dos músicos? O Rodrigo e o Sebastião deram a sua opinião: «Os artistas, claro, querem fazer dinheiro para fazer a música e querem-se valorizar e tudo mais, mas a indústria que começou era uma indústria por trás. Quem queria cobrar o dinheiro, quem queria fazer aquele negócio eram as editoras. Se calhar, às vezes, se tu perguntares aos artistas: “Olha, preferes que a tua música chegue a um milhão de pessoas ou chegar a cinco mil e elas pagaram todas?”. Se calhar, eles diziam honestamente “prefiro que chegue a um milhão!” Eu acho que, honestamente, no fundo, todas as pessoas que começam a fazer música começam de uma maneira livre e altruísta que é: “quero fazer música para alguém ouvir”. Não é uma daquelas coisas que faças pelo teu próprio prazer. Fazes porque te dá para prazer, mas depois queres mostrar, nem que seja mais para criticarem, para passarem.» 

É nesta altura que o Rodrigo me cala quando contrapõe: «Tu não sentes que o teu blogue é um trabalho? Não ficas contente quando as pessoas vão ao teu blogue e não pagam nada por isso?». É claro que a minha resposta foi “Sim, nem faria sentido de outra maneira.” Partilhei com eles que monetizar o blogue nunca foi uma intenção, até porque acima de tudo é um espelho daquilo que sou e gosto. O Sebastião responde: «É o mesmo princípio. Agora estás a fazer o doutoramento e vais escrevendo papers que é algo que é propriedade intelectual tua. Em primeira linha, sei que estás a defender uma coisa que tu queres, mas também quando o estás a fazer, não estás a pensar “Ei, vou vender isto ou vou capitalizar isto”. Queres é o respeito pelo trabalho intelectual e se daí vier coisas boas… Connosco é o mesmo. Claro que nós não somos puritanos, se nos dissessem “Vamos dar-vos um milhão pelo próximo disco…”, a nossa resposta era logo “YEAH!” (risos)»

(Roberto): «E nós queremos muito que isto venha a dar, agora vivemos é numa era em que toda a gente é produtora de conteúdos gratuitamente. Os fotógrafos tiram fotografias de borla, toda a gente produz conteúdos gratuitamente hoje em dia nós olha, somos músicos e produzimos música gratuita.»

Na altura da entrevista um dos planos futuros era convidarem alguns artistas de que gostam a remisturarem algumas das suas músicas e a primeira fornada já saiu! Apples foi remisturada por Lewis M. (Salto) e Bodysnatcher – Shapeshifter por Rui Maia (Mirror People).

Deixo-vos com os leitores para poderem ouvir e também o link para o Facebook para poderem seguir Thunder & Co. aqui: https://www.facebook.com/ThunderAndCo

Podem ouvir o trabalho completo aqui: https://soundcloud.com/thunderco

O meu muito obrigada ao Rodrigo e ao Sebastião, foi um prazer falar com eles e espero vê-los em breve por esses palcos fora, um deles já no próximo Super Bock Super Rock, dia 18 de Julho. Relembro que também vão estar no Indie Music Fest, entre os dias 3 e 5 de Setembro! 

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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