Razões Para Viver
Matt Haig
Editora: Porto Editora
Opinião: Depressão. Esse bicho de sete cabeças que ainda é alvo de um estigma imenso por ser considerada uma doença do foro mental. Os julgamentos, as incompreensões, o cepticismo e até alguma discriminação são lugares comuns quando se conversa sobre depressão ou se comenta que fulano X ou Y está deprimido. E muitas vezes esta expressão do “estar deprimido” tem um espectro tão enorme de intensidade que duas pessoas que se dizem sentir deprimidas podem estar a sentir abismos completamente diferentes. Já falei aqui no blogue algumas vezes sobre depressão, inclusive convidei um músico conhecido a falar sobre a mesma, enquanto alguém que sofre dessa doença e pode dar um testemunho pessoal e em discurso directo, e ao pegar neste livro voltei a confirmar que é necessário, cada vez mais, tentar falar deste doença como se fala de uma gripe ou de uma enxaqueca.
O cérebro humano é extraordinariamente fascinante. O seu potencial é assombroso, mas impossível de prever com confiança. E essa imprevisibilidade acontece também quando algo não está bem. Às vezes sabemos a causa, uma lesão cerebral proveniente de algum incidente, por exemplo, mas na maioria dos casos os desequilíbrios parecem surgir de surpresa. É como acordar num dia normal, mas de repente ver tudo de maneira diferente. Mais sufocante, mais escuro, menos suportável. Matt Haig, de forma descontraída e num discurso franco e directo, coloca-nos na sua pele ao longo daquelas páginas provando que cada caso é um caso e que não há tal coisa como “só acontece aos outros”. O primeiro passo, mais importante e que demora muito tempo até que aconteça, é a pessoa aceitar que está doente, que não é pior pessoa por isso, que não é uma questão de ser fraco ou menos do que os restantes mortais, mas antes pegar em tudo e enfrentar, passo a passo, cada medo e fobia que surge.
Não há dúvida que os amigos e a família são um elemento fundamental na vida de qualquer ser humano. Existe esta necessidade básica de dar e receber amor que acaba por ser a salvação em muitos casos. Com Matt não foi muito diferente e ele conta-nos como ao princípio os pais também o viam daquela maneira e ao mesmo tempo não sabiam bem o que fazer e como Andrea, a sua companheira, de uma maneira extraordinariamente forte, persistente e paciente, o fez sair da sua concha claustrofóbica. Fosse por exigência da vida, fosse porque realmente às vezes são necessárias pequenas provocações para que os pequenos passos comecem a ser dados. Mais, não nos podemos esquecer que a depressão não é propriamente uma doença que tenha cura, mas mais que se atenua e com a qual se aprende a viver. É uma doença que deixa marcas e que exige o esforço do seu portador de não se deixar sugar novamente para o vórtice obscuro.
Gostei muito desta leitura. Não o considero uma verdade universal, porque por já ter testemunhado outros casos de depressão sei que para outras pessoas as consequências foram diferentes, mas admiro a forma como ele deixa isso em aberto e admite a cada momento que tudo o que ali diz tem a ver com o seu caso específico. E estes testemunhos reais são cada vez mais necessários para que os complexos desapareçam, para que a depressão possa ser debatida e até melhor compreendida tanto por profissionais como por quem tem alguém próximo nessa situação. É também importante despertar toda a gente para os sintomas de forma a que haja uma identificação/admissão mais rápida seja pelo próprio, seja sendo alertado por quem o rodeia. Recomendo.
Caminhamos com a nossa cabeça a arder, e ninguém consegue ver as chamas. (…) Os psicólogos evolucionistas são capazes de ter razão: se calhar os humanos desenvolveram-se demasiado. E o preço a pagar por sermos a primeira espécie com inteligência suficiente para ter plena consciência do cosmos pode muito bem ser a capacidade de sentirmos um universo inteiro de trevas a pesar sobre nós.