É com um enorme prazer que finalmente publico esta entrevista. Em Setembro, quando finalmente mergulhei a sério na música dos Brass Wires Orchestra, ao ouvir o disco Cornerstone (a opinião pode ser lida aqui), senti uma empatia imediata com as músicas e a curiosidade em saber mais sobre a banda por trás dela surgiu naturalmente. Foi na esplanada do café Mexicana, ali na Alameda, que me sentei com o Miguel e com o Zé a falar sobre o seu percurso até hoje e sobre este disco. O grupo que começou por tocar covers de bandas como Beirut, Typhoon ou Mumford & Sons, tem hoje um projecto sólido, um disco belíssimo e uma identidade muito própria. Só posso agradecer o tempo despendido na troca destas palavras.
O início da banda deu-se em 2011 após uma ideia piloto para um novo projecto que o vocalista, Miguel da Bernada, tinha. Tudo correu tão bem que esse projecto acabou por se tornar na banda em si. Começaram com covers, tocaram pelas ruas de Lisboa e após algum tempo participaram numa “Batalha de Bandas” que os levou a Londres, a tocar no Hard Rock Calling, em 2012. Desde esse início e até ao Cornerstone (lançado pela Sony Music), muito se passou: «Até há pouco tempo estávamos à espera de lançar o disco por nossa conta, de forma independente. Só depois surgiu a oportunidade de lançar através da Sony. Voltando um pouco atrás, talvez tenha sido a participação no Hard Rock Calling o ponto de viragem que fez com que nós levássemos isto um pouco mais a sério. Obrigou-nos a lutar de uma forma competitiva e a partir daí começámos a encarar o projecto de forma mais profissional. Em relação ao Cornerstone, este já estava pronto há muito tempo, há cerca de um ano e sete meses, na prateleira, à espera… (risos). No Hard Rock Calling já tocámos os temas originais. Mais tarde gravámos no Blacksheepstudios e só muito depois é que surgiu o contacto com a Sony. Mas não foi como nos filmes! Em que nos abordaram com um contrato milionário… Não. (risos) Como o disco já estava gravado, acabou por ser aquilo que precisávamos que era produzir e distribuir, mas nada de coisas milionárias. (risos)»
Muitas vezes, o facto de as bandas actuarem fora de Portugal faz que, quando regressem, o reconhecimento seja maior. Perguntei-lhes o que é que sentiram em relação a essa experiência no Hard Rock Calling em Londres: «Para já é uma grande honra termos sido a única banda portuguesa a tocar lá até hoje. Um mega festival, em Londres, no dia de Bruce Springsteen, é bom, é muito bom. Mas todo o processo que tivemos até aí, desde a meia-final, à final, irmos para Londres e tocarmos nesse palco, fez com que levássemos a coisa mesmo a sério. Quanto mais tocas e quanto melhor o sítio em que tocas, mais vontade tens de continuar. Fomos ainda a Paredes de Coura, recebemos mais convites para ir a outros festivais e tudo isso resultou num bom impulso para nós enquanto banda.»
Pegando nessa parte dos festivais, pedi-lhes a sua opinião sobre a importância de um festival, enquanto montra de bandas, em relação a um concerto a solo: «O festival é o melhor formato para chegar a um maior número de pessoas, o ambiente também é excelente, mas nunca é a tua actuação sozinha. Nós funcionamos bem nas duas vertentes, seja festival ou auditório. Na verdade o que nós preferíamos era uma sala fechada, sem cadeiras, para as pessoas estarem de pé a usufruir. Ao mesmo tempo a nossa música é muito intimista e acaba por puxá-las para um ambiente mais acolhedor. Também jogamos muito com luzes e então precisa de ser um espaço fechado, mais controlado – acho que é esse o nosso ambiente perfeito. Aconteceu-nos num concerto, recentemente, no Cadaval, uma amiga nossa chegar até nós e dizer “Adorei o concerto! Só tive pena de ter que estar sentada.” (risos), estava tudo sentado… Para nós, bem, da primeira vez que tocámos com as pessoas sentadas foi estranho, ao início. Pensas: “as pessoas não vão saltar, não vão pular, nada…”, mas acabámos por adorar. Foi no Casino da Figueira, fomos abrir um concurso de tunas. Funciona bem na mesma, é mais intimista.»
Não é difícil encontrar várias comparações de BWO a outras bandas pela comunicação social. As mais comuns são as clássicas com Beirut, Mumford & Sons, etc, talvez fruto das covers que fizeram no passado. Questionei-os sobre como é que lidam com estas comparações constantes: «Nas primeiras vezes que essas comparações surgiram, achámos-lhes um piadão. “Ehhhh, estão-nos a chamar os próximos Beirut!” (risos) Mas claro que acaba por cansar porque nós assumimos uma identidade nossa, escrevemos as nossas músicas e achamos que as pessoas acabam por nos limitar quando nos comparam a essas bandas. Com Beirut, por exemplo, se calhar o que temos de mais parecido são os sopros porque as malhas são muito diferentes. Eles usam um estilo muito balcânico, nós usamos tudo mais para o clássico, mais para o nosso estilo. Essas comparações acabam por ser limitadores e sim, estamos ansiosos por nos libertar delas, apesar de serem boas por serem bandas excelentes. Mas já nos vemos num estilo e numa identidade próprios.» Eu, por aqui, concordo.
Quem já pegou no disco Cornerstone, consegue descobrir facilmente todo o artwork, cuidado e artístico, do álbum. Sendo uma amante destas edições físicas diferentes, que não se limitam à caixa com o folheto e o disco, quis saber mais sobre a ideia por trás desta criação: «Esse imaginário surgiu há algum tempo, já. O ilustrador é o Tiago Albuquerque, um amigo meu (Miguel), e eu disse-lhe que queria a capa de um disco que tivesse estas influências meio folk. Na minha opinião, o folk também se liga a elementos de bosque e então pedimos que fosse uma capa fora do normal, numa estética uniforme, que nos destingisse. Eu dei-lhe a sugestão e ele acabou por fazer essa capa incrível.»
Quanto ao título, Cornerstone, este deve-se à simbologia de ser a pedra mãe de um edifício: «Para nós este é o primeiro trabalho de muitos, de um grande edifício. Pensamos nós, queremos nós. Foi com olhos no futuro que nós também pensámos no nome deste disco. Porque é um disco muito ingénuo. Foi as primeiras música que fizemos e colocámos logo em disco. Se calhar hoje em dia, tirávamos uma ou outra, mas foi assim que as coisas foram nascendo e achámos bem colocar tudo em disco. É a primeira pedra de um trabalho duradouro, esperamos nós.»
Já o conceito do álbum não foi assim tão inocente: «Cada uma das letras tem uma espécie de mini-moral, mas não têm ligação de umas para as outras. Todas têm uma intenção própria. Acabam por ser coisas da vida, experiências que se acumularam.» As letras foram escritas pelo Miguel e ele explica: «Eu escrevo de uma maneira muito estranha. As coisas nem sempre aconteceram assim. Às vezes gosto de fabricar histórias à volta de coisas reais. Ou porque me identifico com elas ou porque acho que alguém se vai identificar. Vou buscar aqui e ali, ao que me rodeia.»
Lancei-lhes então o desafio de pensarem numa possível obra literária inspirada no disco deles. No que é que daria? «(risos) Que tipo de livro?! Era um drama de amor entre animais de raças diferentes! Arca de Noé, de Não É! (risos). Agora a sério, isso é uma pergunta muito complexa. Acho que remete mais para cenários do que para histórias. Mais para um imaginário estético do que para uma história. É que tens uma música que fala só sobre amor, outra que fala sobre álcool e drogas. Acaba por ter altos e baixos, não segue uma linha, um fio condutor. Se fosse numa linha continua, talvez um romance com altos e baixos, como todos têm, senão um livro de contos. Um conto por cada música. (risos)»
É já nos próximos dias 8 e 9 de Novembro que os poderemos ver nas FNACs do Colombo e de Cascais, respectivamente e também uma digressão por alguns auditórios anda a ser preparada. Em termos musicais: «Temos coisas novas, não parámos de escrever, mas também chegámos a um ponto em que já tínhamos cinco músicas novas e já queríamos ir gravar outro disco… Acabámos por colocar um pouco o travão porque íamos ter de esperar para gravar e depois cansávamo-nos delas. Andamos a aperfeiçoar estas. É que para quem só agora nos conhece, isto é uma novidade, mas para nós e para quem já nos acompanha há algum tempo, já não é. Mas ainda há tanta gente a quem ainda não mostrámos o nosso trabalho, e que temos de o fazer, que isso dá-nos alento para continuar a tocar esses mesmos temas. O nosso set ao vivo já tem músicas novas, também para nos estimular, dependendo da duração do set. Quando são pequenos, tocamos apenas músicas do disco, quando temos a sala só para nós pelo tempo que quisermos, tocamos tudo. Até para explorarmos coisas novas, sonoridades novas, já a pensar num próximo disco. Pelo que já temos feito, achamos que promete. É um caminho cada vez mais nosso, cada vez mais próprio.»
Em relação à dualidade Portugal-Estrangeiro no que toca a promover discos a opinião do Miguel e do Zé acaba por ter algum peso económico e reflectir um pouco a carência de apoios a projectos mais numerosos: «Nos Estados Unidos, por exemplo, tens muitos mais locais por onde promoveres, mas também tens muito mais bandas a tentarem fazê-lo. Cá em Portugal temos o bom e o mau. Acabamos por nos distinguir cá dentro, porque mais ninguém faz o que nós fazemos, talvez por sermos um país pequeno, mas depois tens as limitações dos espaços porque nem todos conseguem suportar um projecto como o nosso. Nós somos uma equipa de nove músicos, doze ou treze pessoas ao todo, a viajar, a comer, a dormir e não é fácil um festival médio/pequeno suportar esses custos. E temos de nos manter fiéis a isso. Acreditamos que o valor da música no conjunto, não dá para diluir, não dá para sermos menos. Preferimos sofrer no sentido de actuarmos menos a comprometer a nossa música com um número mais reduzido de elementos.» A ida para o estrangeiro continua a ser uma ambição: «Estivemos em Londres, em Espanha, e se vierem mais contactos, óptimo, arriscamos e arrancamos, mas para já estamos preocupados em promover o disco cá em Portugal, aos portugueses.»
Brass Wires Orchestra:
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