Ana Miró tem 25 anos. Viveu em Évora a maior parte da sua vida, onde iniciou o seu percurso musical, mas foi em Lisboa que deu origem ao projecto Sequin. É também a voz feminina de Jibóia e, como não há duas sem três, tem ainda um terceiro projecto chamado Heats. Foi na tradicional e única Louie Louie, em plena Baixa-Chiado, que acabámos a falar do seu percurso, centrando-nos no seu trabalho a solo. Penelope, primeiro LP de Sequin, foi lançado em Abril, um ano depois do seu primeiro single: Beijing, última faixa do disco, que foi um autêntico sucesso. Mulheres portuguesas na música electrónica são raras, mas temos aqui, claramente, uma de grande qualidade!
Começámos pela típica pergunta sobre a origem do gosto pela música e como é que este se veio a concretizar: «Sempre gostei de música e comecei a estudá-la logo desde pequena. Nunca foi nada muito sério, era mais divertido que outra coisa e, por isso, encarava-o como um hobbie. Acabei por estar sempre ligada às artes. Comecei a fazer teatro, pelo qual me interessei academicamente, mas a música era algo constante. Na minha adolescência tive algumas bandas, experimentei tocar ao vivo – que é sempre diferente de tocar em casa – e tive outros projectos, maioritariamente na onda do rock. Depois decidi vir para Lisboa. Mudei de curso, mas na música fiquei um bocado parada. Nas bandas que tinha, cada elemento estava em sítios diferentes, principalmente por causa da universidade, e acabei por estagnar algum tempo (2 anos, penso).
Entretanto, um grande amigo meu, o Óscar Silva, começou um projecto novo, sozinho, e na brincadeira, numas férias de Verão, perguntou-me se não queria fazer um cover da Gal Costa. Foi um Verão muito na onda da música brasileira, dos anos 70, e achámos piada fazer aquilo. Acabou por correr tão bem, que depois de apresentarmos a música no Milhões de Festa em 2012, ele perguntou-me se não queria fazer um original e eu aceitei. Nesse momento, pensei mesmo “Só há uma coisa que eu sei fazer bem, com toda a certeza, que é a música. Cantar, mais ou menos (risos), e compor também”. Então, muito influenciada pela experiência do Óscar, que sempre esteve em bandas e depois fez um projecto completamente diferente de tudo o que conhecia, achei que também seria capaz de o fazer e foi então que comprei um teclado novo (risos). Já a questão dos sintetizadores vem de quando era criança e aprendi a tocar orgão de igreja, com o pedal de chão para fazer o baixo. Os sintetizadores acabaram por me ficar na cabeça e quando decidi experimentar fazer algo sozinha quis mesmo tentar tocar sintetizador e acabei por me interessar nessa área. Na sequência disto, surgiram alguns temas. Eu já compunha há muito tempo, mas nunca de raiz. Tinha sempre músicos a fazer a outra parte instrumental em que eu só dava dicas. Depois foi fácil começar a compor, acho que tinha muita vontade. Sequin acabou por surgir numas férias de Natal em que não tinha nada para fazer (risos). »
“Beijing” foi o primeiro single lançado em Maio de 2013, mas curiosamente é a última faixa do disco. Sequin explica-nos como foi parte do processo até à nascença de Penelope: «A altura em que lancei a Beijing foi quando me comecei a sentir preparada para actuar ao vivo e já tinha uns cinco temas para além da Beijing. Só pus o projecto cá para fora, quando tive a certeza que se me convidassem para tocar ao vivo, eu estaria preparada. Tens que pensar, quando mandas um projecto cá para fora, que não podes ter só uma música. Senti-me pronta, já tinha pelo menos meia hora de concerto e então lancei a Beijing cá para fora. Nunca pensei que tivesse tanto hype! (risos) Foi uma música que gravei na casa de um amigo, uma coisa muito caseira, nada profissional, e nunca pensei que fosse tão apreciada. Sempre gostei de música electrónica, mas não era a minha área. A composição das músicas acabou por ser muito ao meu gosto, mas não tinha noção de como era fazer música electrónica. A Beijing acabou por ficar no disco por sentir que fazia sentido, no todo, estar lá, mas não era a música mais importante. Afinal ela já teve todo o airplay que devia ter.»
Que gosto bastante certeiro!, disse-lhe eu. (risos) «Sim, foi uma boa experiência. Sempre gostei dos anos 80 e das suas sonoridades. Havia imensos temas que ficavam na minha cabeça e sempre pensei – Quando puder fazer a minha música, quero que seja algo que me dê mesmo gosto ouvir e dançar – e acho que isso é o mais importante. Tem que ser dançável. Mesmo que seja uma coisa mais introspectiva, tem que me fazer dançar de alguma maneira.»
A nível de influências, Ana Miró conta-nos que as tem e que acabam por se notar, mas que na altura da composição não pensa nisso: «É óbvio que tenho influências, eu gosto de música em geral. Eu gosto de vários estilos de música e acaba sempre por soar parecido com algo, mas na altura da composição acaba por ser alguma melodia que me surge na cabeça e acabo sentada no teclado a produzi-la, apenas não estou a pensar se vai soar parecido com isto ou aquilo. Mas as influências estão lá — tenho bastantes músicas que vão para The Knife. Outra cantora que sempre achei interessante é Bat For Lashes, entre outros.»
Penelope, o nome do seu disco de estreia, é também uma personagem lendária da mitologia grega. Mulher de Ulisses, esteve à sua espera durante anos que este regressasse da Guerra de Tróia. A associação ao disco não é inocente: «Em primeiro lugar eu queria dar o nome de uma mulher ao álbum e depois eu tenho uma coisa, preciso de dar nomes de pessoas às coisas que têm significado para mim. Seja a uma gato ou a uma boneca. (risos) O disco é uma entidade e o nome e a história de Penelope representam uma metáfora para a minha relação com a música. Ela esperou anos por Ulisses sem saber se algum dia ele ia voltar, sempre perseverante e sempre fiel, independentemente do resto. Relaciono isso com o que me aconteceu, foi sempre uma coisa que eu gostava de fazer e da qual nunca desisti. Em Portugal é muito difícil, é um meio muito estéril. E eu acabo por ligar as coisas todas, cheias de imagética esquisita e metáforas, incluindo as letras das músicas. A história tem um bocado que ter com o triunfar, mas sem ligar a isso.»
O disco acaba por nos contar uma história, em que as músicas acabam por rodar muito sobre o amor e a fase da vida de Ana Miró na altura da produção do disco: «São sobre o amor e de concretizar o amor. A própria música Naive acaba por falar um bocado dessa Penelope do disco – eu sou o que sou e dou aquilo que consigo dar, mas tenho uma luz que está sempre aqui para mim e vou continuar a olhar em frente aconteça o que acontecer. O disco acaba por espelhar um pouco da minha vida naquela fase. Tens músicas mais dark e mais obscuras e depois tens outras que parecem espelhar mais felicidade.» Criado este balanço, a conclusão é simples, todo o disco é uma evolução de si mesma. Ana Miró conta-nos também que a última música que produziu, Hikaru Garden acaba por ser o auge dessa evolução: «Como foi a última música que compus, é a que mais me diz agora, mas também sempre. Eu acho esta música bastante épica, sempre crescente e acaba por fechar um bocado esse ciclo.»
Ao vivo, Sequin faz-se acompanhar por dois músicos, Filipe nos sintetizadores e Tiago no baixo. «Se tocasse sozinha, ia estar muito limitada. Sempre fui frontwoman e vocalista e custa-me estar atrás das máquinas. Ao mesmo tempo, também quero tocar, mas se fosse sozinha, não conseguiria reproduzir todas as linhas do disco, como com eles os dois, é possível. Tem de ser uma experiência diferente, e para mim, mais intensa do que ouvir o disco. Portanto eu tento, ao vivo, fazer uma coisa mais aproximada, mas ao mesmo tempo mais poderosa. Sozinha não conseguiria. Assim consigo estar mais ligada ao público e relacionar-me mais facilmente. Estive praticamente um ano a tocar sozinha e não gostei muito da experiência, é muito solitário. É sempre diferente quando tocas em banda. É muito por causa disso que só tenho este projecto a solo, gosto de estar a desenvolver outras coisas em banda.»
Sobre os outros projectos, as influências começam a viajar facilmente de uns para os outros. Ana Miró conta-nos que a maior diferença entre estar sozinha e em banda é o controlo que há no processo de criatividade. «Quando estás sozinha, às tantas pões-te a pensar demais e não sabes bem que caminho seguir. Em banda isso é mais fácil de gerir, porque há mais gente a ter ideias e a discutir as coisas. Gosto muito de todos os meus projectos e não quero largar nenhum.»
A Galiza teve particular importância na aurora dos seus concertos, mas entretanto outros se seguiram. Perguntei à Ana, quais as maiores diferenças, na sua opinião, entre o público e a cultura musical de Portugal e do resto da Europa. «A nível de público, sinceramente, não senti diferença. Acho que gostaram igualmente e mostraram o mesmo entusiasmo. Para mim, os portugueses têm sido super fixes. Uma coisa que nunca pensei conseguir foi agradar a gregos e a troianos (risos). E com este disco tenho conseguido. Portugal acaba por ter muito por onde se tocar. A nível de concertos, tens muitos sítios, mas muitos com poucos recursos. Conheces gente que faz coisas incríveis e com nada, e isso é mesmo triste. Sinceramente, acho que o difícil por cá é a indústria e não as pessoas; essas estão completamente sedentas, se não vão mais aos concertos, deve-se muito à crise por que passamos.» Ana Miró evidenciou ainda o facto de sermos um país pequeno e haver pouca compra de discos. «Mesmo os preços dos concertos, por 5€ ou 10€ que sejam, acabam por muitas vezes fazer diferença a boa parte dos jovens a partir dos 16 anos.»
Fazer apenas música na vida, é o sonho de qualquer artista musical, mas uma impossibilidade na maioria dos casos. «Eu não consigo. Faço música e estudo, mas é muito complicado conciliar as duas coisas. A música não é só produzir e dar concertos — são as entrevistas, o planeamento dos artworks, etc. Acabas é por te relacionar com imensa gente. Como não tens recursos para pagar a pessoas que te ajudem, tens de esperar que haja disponibilidade por quem esteja disposto a colaborar. Muitas vezes, as pessoas pensam que nadamos em dinheiro, mas é mesmo difícil. Eu não consigo fazer mais nada, não há tempo.»
Uma curiosidade, fora da música, mas que acabou por ficar intimamente ligada ao disco Penelope, é o blogue Conception Rouge, da autoria da nossa artista. Ou seja, para além de produtora e cantora, ela também escreve e, na minha modesta opinião, muito bem! Perguntei-lhe com qual das suas facetas o blogue mais se relacionava e se se via a lançar um livro, mesmo que apenas de poemas. «(risos) Sim, acho que me via a lançar um livro de poemas. Em relação ao conteúdo, apesar das músicas do disco estarem em inglês, foram beber muito a estes textos. Não que tenha feito uma tradução, mas foram muito inspiradas em coisas que já tinha escrito.» Quanto ao tipo de livro que Penelope poderia gerar, Ana Miró ri-se imenso, mas responde: «Se fosse um romance, acho que teria uma narrativa um pouco depressiva, da descoberta do eu e da relação com os outros. Acho que não ia ter muita piada de ler… (risos)» Ora, eu cá acho que teria imensa piada de ler!
Em relação a projectos futuros como Sequin, já existem músicas novas, que se fizerem sentido farão parte do novo disco. «Uma vez que se começa, não consigo parar. Já tenho músicas novas, mas para já vou apresentar o disco, talvez introduzir algumas músicas… Como já toco estas músicas há tanto tempo, sinto necessidade de ir fazendo coisas diferentes. Nesse sentido, estou a seguir um caminho um bocado diferente do deste disco, mas acho que não choca muito. As coisas têm que mudar e Penelope foi uma espécie de apresentação daquilo que posso fazer. Apesar de todas as músicas terem a ver umas com as outras, acabam por ser muito diferentes em termos de sonoridades. Eu quis fazer isso para também poder ter liberdade no futuro de poder optar por um desses caminhos, sem ficar presa a algum tipo de registo. No fundo, acaba tudo por soar a Sequin. (risos)»
E assim terminou mais uma entrevista, com a simpática Ana Miró cujo trabalho merece ser ouvido e devidamente apreciado.