Vera Marmelo – http://veramarmelo.pt/ |
Adoro a Vera. É um bocado daquelas coisas que não se explicam muito bem, porque não convivemos assim tanto, mas adoro a sua paixão pelo que faz, pelas pessoas, pela forma como nos faz sentir tanto através da sua lente, mas ainda mais através da sua pessoa, do (pouco) que partilhamos com ela. Tem o seu v-miopia há dez anos, e há dez anos que marca as pessoas que fotografa. Nesta passada Segunda-feira, não só comemorou o seu aniversário como o do seu blogue, no atelier DESISTO. Fica aqui uma pequena conversa com a Vera, tal como alguns registos desse dia e ainda muito mais informação se continuarem curiosos! Minha querida Vera, venham muitos mais 10 anos :))!
Uma década de retratos, concertos e emoções registadas em fotografia online, no teu v-miopia. Consegues apontar o momento, ou a motivação, para o começares a fazer?
A minha urgência em estar perto das pessoas que estavam a fazer coisas na minha cidade!
Parar e olhar à minha volta, para perceber que aqueles miúdos estavam a fazer acontecer coisas! E, o meu querer pertencer, fazer parte daquilo tudo, só se podia resolver a juntar-me a eles, com as ferramentas que tinha.
De que forma é que a fotografia entrou na tua vida?
Por necessidade. De um momento para o outro pareceu-me que a coisa mais natural a fazer era documentar o que se estava a passar. Tinha uma pequena máquina fotográfica nas mãos e estava tudo certo. Mas a razão nunca foi a fotografia por si, foi sim a minha vontade de registar o que estava a acontecer.
A tua profissão tem muito pouco a ver com este teu lado que é o que a maior parte das pessoas conhece. Tem sido fácil conciliar a engenharia com a fotografia? Será caso para dizer que uma existe para alimentar a outra?
Há um equilíbrio estranho entre as duas actividades.
Por mais estranho que possa parecer, aprecio a rotina da engenharia, em doses moderadas, aprecio ter horários e acima de tudo a sensação de ter uma profissão mais terra-a-terra, que tem como objectivo melhorar a qualidade de vida das pessoas. Tenho esta necessidade de fazer uma coisa que é comum e palpável para qualquer ser-humano.
Na fotografia celebro constantemente a energia das pessoas que me rodeiam, a quantidade de sítios onde vou e a energia que está sempre presente nestes momentos. Há um carácter muito de convívio, celebração que não se pode negar e isso faz com que de certa forma fotografar se confunda muito com “viver”. E, em última instância, passaram-se tantos anos (10!) desde que comecei a fazer isto que, continuar a estar entusiasmada e curiosa como estou, só pode dever-se a algo muito simples. Gosto mesmo disto!
Portanto sim, encontro entre estas duas coisas um certo equilíbrio. O dia e a noite.
Vera Marmelo |
O teu registo fotográfico é já, há muito tempo, uma imagem de marca. É algo que as pessoas olham e mesmo sem ter créditos conseguem dizer que é da Vera Marmelo. O que é que o teu olhar, quando decides fazer um disparo, procura para que este fenómeno se dê. Parece-me que acaba por ser algo muito pessoal, ou estou enganada?
Nada é muito consciente, mas a verdade é que há sempre uma linha, uma relação entre imagens e momentos.
E sim, terás razão, é cada vez mais pessoal e, na maior parte do tempo, estou a fazer isto para mim, estou a acumular imagens que me são queridas.
Neste site, especialmente nas categorias dos retratos e das fotos ao vivo, o plano era mostrar exactamente isso, o sítio para onde quero ir.
E quanto ao processo de edição? Que importância é que tem nas tuas fotografias?
Falando na edição, processo de selecção, ganha, cada vez mais, um peso gigante!
Para construir o site, para seleccionar as imagens de cada ano, passei pelo exercício de edição mais longo de sempre!
Estou muito habituada a fazê-lo de uma forma muito rápida, pós-concerto, pós-sessões, quando ainda tens as imagens muito presentes na tua memória.
Olhar para fotografias com 10 anos, quando já fotografas de uma maneira tão diferente, quando tudo te parece tão distante, é uma aventura, para dizer não dizer nada mais intenso!
Acontece-te seres contactada para dares formação ou para ensinares alguém a fotografar?
Formação séria, não. Conversas sobre fotografia, sim. Dar umas dicas a amigos e desconhecidos, vai acontecendo.
Vera Marmelo |
O teu trabalho tem tido reconhecimento a nível internacional, com vários artistas a usarem-no em projectos e artigos na imprensa lá fora. Como acaba por surgir esta interacção?
Acasos.
O Thurston Moore foi um acaso. Fiz uns retratos na ZDB em 2012 e em 2014 ele decidiu usá-los.
A Angel Olsen deu uns concertos lindos na ZDB e decidiu usar na capa de um 7″ extra que saiu com este novo disco duas das fotos! Sorte! Mantemos contacto e ela é muito generosa!
O trabalho com os Konono em 2015 aconteceu por intermédio do Pedro Coquenão, que fez o disco com eles.
A minha relação com a Julianna Barwick é já uma amizade de quase 10 anos.
Mesmo em Portugal, quem fotografas acaba por reflectir os teus gostos musicais ou são as pessoas que fazem a diferença e é por elas que estás presente?
As duas hipóteses acontecem.
Uma coisa é certa, não conheço uma pessoa que te conheça ou tenha trabalho contigo e que não sinta que realmente fazes a diferença. Sei que estas perguntas são sempre ingratas, mas tens pessoas que te tenham marcado especial ao longo destes anos e que de alguma maneira possam ter feito a diferença num momento em que precisavas que isso acontecesse?
Não é ingrata! É uma coisa que gosto de celebrar. Pessoas importantes.
Na génese do meu interesse maior por fotografia está um amigo, o Daniel Barros, que me ensinou muito e motivou a fotografar com filme.
O Tiago Sousa, pela sua Merzbau e todas as coisas que fizemos e fazemos juntos.
O Nick Nicotine, por me ensinar a ser ainda mais livre em tudo o que faço e por exemplo me ensinar que tudo é possível!
Mais tarde o Sérgio Hydalgo, possivelmente a par do Tiago, uma das relações mais duradouras que mantenho.
O Fred Ferreira, dos Orelha Negra, por ser um motivador e um agitador!
A Susana Pomba, Filipa Valadares e a Sílvia Prudêncio por acreditaram no meu primeiro projecto em papel e de certa forma o fazerem acontecer.
Amigos essenciais como a Rita Tomás, Margarida Pinto e Raquel Lains, que me ajudam constantemente a melhor comunicar o meu trabalho!
Podia continuar eternamente! Não é segredo para ninguém, as minhas declarações de amor constantes ao mundo.
Estando o teu site agora dividido em três períodos diferentes, imagino que as fotografias exprimam as tuas principais memórias desses mesmos anos. Mas e o que não aconteceu que gostavas que tivesse acontecido ao longo deste período? Ocorre-te algum concerto ou alguma circunstância em que não tenhas estado presente e que gostasses de ter registado?
Já tive essa urgência de estar sempre presente. Hoje em dia não.
As coisas acontecem, mesmo que não fotografadas.
Tens noção que o “sonho” de muita gente é ter um “retrato Vera Marmelo”? 🙂
Que me enviem um email e resolvemos esse assunto!
Esta comemoração juntou-se à tua própria de aniversário. Dois momentos especiais num único dia. Como correu tudo e o que planeias para o futuro próximo?
Foi um dia intenso. Sabia o risco que corria ao misturar o meu aniversário com o aniversário do meu “trabalho” e foi isso que aconteceu! Caos. Mas um caos bom.
Acho que todos gostaram do que viram. Eu e os DESISTO estamos verdadeiramente orgulhosos do que penduramos na parede. O sítio onde o fizemos, atelier dos DESISTO, não podia ter sido uma melhor opção! Houve amigos, desconhecidos, brigadeiros e bolo incríveis, houve vinho a multiplicar-se. E ainda sobraram posters para todos os interessados!
http://v-miopia.blogspot.pt/search/label/10%20anos%20Marmelo
E agora, ainda um pouco mais sobre a Vera:
Em 2006 inaugura o blog com um Outfest fotografado, consistentemente pela primeira vez.
É nesta altura que começa a relacionar-se de forma mais próxima com Tiago Sousa, destacado numa das fotos maiores do poster e o escriba do texto que o acompanha.
O Tiago começava a MERZBAU. Tempos de myspace, forum sons, bolachas grátis, concertos sem telemóveis e muita energia à volta de tudo o que podiam fazer sozinhos.
É nestes anos, que de forma muito consistente, a MERZBAU ganha caminho com edições digitais, promoção de músicos, organização de concertos, tudo o que possam imaginar, que um grupo de amigos conseguia fazer pela música uns dos outros.
A Vera Marmelo, como amiga do Tiago, começa a interessar-se pela ideia de documentar os concertos, fazer os retratos para promover e ajudar em tudo o que fosse possível.
Aprenderam muito juntos.
Juntavam-se à Merzbau gente como o Luís Nunes (benjamim), Noiserv, Lobster, BFachada. É numa noite organizada a meias entre a Merzbau e o Má Fama de Sérgio Hydalgo (actual curador de música da ZDB) que Vera Marmelo vê Norberto Lobo tocar pela primeira vez. É através do Fachada que conhece Márcia e João Paulo Feliciano, é com ele que vai pela primeira vez ao Golden Pony e que chega até à Flor Caveira.
A Flor Caveira tem a sua fase de maior força exactamente nessa altura. Vê nesses anos muitos concertos de Samuel Úria, Pontos Negros, o Tiago Guillul, nas suas mais variadas formas.
Também é em 2009 que conhece e fotografa pela primeira vez uma das suas bandas favoritas no Namouche – os Linda Martini.
Em 2007 o Sérgio Hydalgo começa a ser curador para a música da Galeria Zé dos Bois. Amigo próximo leva Vera Marmelo a frequentar a sala muito assiduamente.
Sublinham-se desses 4 anos os seus encontros com Julianna Barwick, os primeiros concertos de Bonnie Prince Billy, Konono #1 no Jardim Botânico, Dirty Projectors e Lightning Bolt.
Texto de Tiago Sousa, que irá acompanhar o POSTER (formato físico)
O espírito humano torna-se magnânimo quando manifesta a particularidade. O trabalho mecânico está subordinado a regras e realiza resultados formais, produtos caracterizados pela regularidade, por oposição, a expressividade resulta da singularidade. É preciso que essa actividade resulte de um pensamento disciplinado para que se torne fecundo, uma vez que, todo o ofício se exerce sobre uma matéria densa que precisa ser dominada. Como tantos outros miúdos, a Vera começou a fotografar concertos com uma pequenina máquina digital, isto foi antes da era-da-internet-das-coisas. À sua volta, outros miúdos pegavam em guitarras, emulsionados por uma vontade insondável. Com o tempo, a Vera tornou-se coleccionadora de memórias, arquivista de sonhos.
Estou convencido que o que existe de genuinamente humano é esta compulsão criadora e o que esta era tecnológica tornou possível foi algo sem precedentes nessa matéria. Uma miúda, descendente de alentejanos migrados no Barreiro, gente operária, humilde, pode fintar o destino e entregar-se à paixão inusitada de registar os seus amigos e de os surpreender. Essa miúda, torna-se autora de um dos mais importantes arquivos de histórias do que outros miúdos, com guitarras e não só, estavam a fazer. Construído à custa de muitas horas roubadas ao sono e dedicadas ao seu ofício: olhar, registar, arquivar. A mesma Era que fez do seu ofício uma espécie em vias de extinção, quando os efeitos da reprodutibilidade técnica se tornaram ainda mais tangíveis, deu-lhe as ferramentas para se distinguir.
Alimentada pela mesma inocência, irreverência e impulso para acção, que são a linha bissectriz que une a Vera senhora do seu nariz e essa miúda fã de Deftones que girava k7’s até ficarem gastas. Tal como Sísifo, para quem cada átomo da sua pedra, e cada socalco da ladeira através da qual faz rolar essa pedra montanha acima e abaixo para o resto da eternidade, dá forma a um mundo em que o esforço na ascensão às alturas é suficiente para insuflar o seu coração. Talvez a grande obra tenha menos importância por si própria do que na provação que exige e na oportunidade que oferece a cada um para vencer os fantasmas e se aproximar um pouco mais da sua realidade íntima.
Tiago Sousa
BIO VERA MARMELO
Vera Marmelo nasceu em 1984, no Barreiro, e fotografa músicos desde 2004.
Autodidata no que respeita à fotografia, Vera é motivada desde o início pelas amizades aos músicos da sua cidade natal. É também no Barreiro onde começa a frequentar e a fotografar festivais, o Out.fest e o Barreiro Rocks.
Passados mais de 10 anos desde o início desta aventura com os amigos, os músicos, os concertos, as salas, os festivais e as ocasiões mais ou menos especiais vão-se multiplicando e o seu arquivo pessoal crescendo. Alimenta de forma muito regular um blogue desde 2006 e tem ainda a meias com Rita Tomás um projeto de entrevistas em modo site chamado boca-a-boca. Mantém uma ligação especial com a Galeria Zé dos Bois e o festival Barreiro Rocks. Em 2013 e 2014, editou dois livros de autor – o primeiro de retratos em nome próprio e o segundo a duas mãos a propósito do 20.º aniversário da Galeria Zé dos Bois. Integrou ainda duas exposições coletivas n’A Pequena Galeria (2015) e na ExperimentaDesign’15. Mas a motivação continua a mesma, “Na verdade, a minha ligação à fotografia acontece a par da minha ligação à música. É o meu instrumento, a minha desculpa para estar sempre presente e a minha maneira de contribuir para divulgar os músicos que acompanho”.
Outras entrevistas ao BranMorrighan:
http://www.branmorrighan.com/2014/04/entrevista-vera-marmelo-fotografa.html
http://www.branmorrighan.com/2014/11/entrevista-vera-marmelo-e-luis-martins.html
Playlist da Vera:
http://www.branmorrighan.com/2015/09/playlist-da-quinzena-1-15-de-setembro.html