Jazz em Agosto 2019: é tempo de Resistance!
O mais importante festival de Jazz português apresenta-se este ano com uma postura de combate social. Resistance, é a designação que agrupa alguns repetentes e outras novidades, numa conjugação que já nos habituou a esperar do Jazz em Agosto uma forma de descobrir e reencontrar o que se vai fazendo com esta música. De 1 a 11 de Agosto, na Fundação Calouste Gulbenkian.
Por João Morales
A primeira frase do Press Release é clara: “O jazz sempre teve na sua raiz a semente da contestação e da mudança, enquanto música movida pelo contexto social à sua volta e capaz de apontar o foco para todo o tipo de arbitrariedades que são frequentemente incómodas e que os olhares preferem tantas vezes Ignorar”. É neste contexto, que o título escolhido para dar o mote ao festival deste ano se resume a uma palavra, mas contém em si toda uma linha de pensamento e atitude: RESISTANCE.
O Jazz em Agosto 2019, certame anual da Fundação Calouste Gulbenkian que vai na 36ª edição, volta a cruzar tradição e modernidade, sonoridades acústicas e explorações electrónicas, prestações instrumentais e vozes assumidamente humanas, para nos dar a conhecer novas apostas no panorama internacional e saudar alguns dos nomes fortes da actualidade, que já pertencem a esta família.
O início não podia ser mais retumbante, com uma nova formação conduzida por Marc Ribot, uma das presenças mais regulares nos anos mais recentes. Logo no primeiro dia do mês, sobem ao palco Songs of Resistance. Ao guitarrista e vocalista juntam-se Jay Rodriguez (em saxofone tenor e Flauta); Brad Jones (contrabaixo) Ches Smith (bateria); e Reinaldo de Jesus (percussão).
O dia seguinte começa às 18h 30m, com a electrónica de Maja S. K. Ratkje, norueguesa inspirada por compositores como Stockhausen e Messiaen que promete surpreender. À noite, sobe ao palco o espectáculo Heroes Are Gang Leaders — The Amiri Baraka Sessions, um colectivo que celebra as apalavras do poeta e activista norte-americano LeRoi Jones, que colaborou com o histórico New York Art Quartet. A formação é extensa, preparando uma actuação onde adivinham o peso da hip hop, da cultura das ruas e da Great Black Music na sua diversidade: Thomas Sayers Ellis e Randall Horton (spoken word), James Brandon Lewis (saxofone tenor), Melanie Dyer (viola), Luke Stewart (baixo elétrico), Jenna Camille (piano e voz), Nettie Chickering e Thea Matthews (voz), Heru Shabaka-Ra (trompete), Devin Brahja Waldman (saxofone alto e teclados), Warren Trae Crudup III (bateria) e Brandon Moses (guitarra elétrica).
Sábado, dia 3, acolhe ao final da tarde o casal Ingrid Laubrock, em saxofones soprano e tenor, e Tom Rainey, na bateria. Se ele lançou o seu primeiro disco em nome próprio pela editora portuguesa Clean Feed (Pool School; 2010) depois de três décadas a tocar com nomes como Tim Berne, Nels Cline, Tony Malaby ou Kenny Werner, Ingrid apresenta no seu percurso colaborações distintas com nomes como Kenny Wheeler, Norma Winstone, Polar Bear, Siouxsie and the Banshees ou Anthony Braxton.
A noite está reservada para uma proposta de força, o projecto Burning Ghosts, que lança pontes entre o Heavy Metal e a improvisação, criando uma tensão constante na cavalgada sonora dos quatro músicos, Daniel Rosenboom (trompete e corneta), Jake Vossler (guitarra elétrica), Richard Giddens (contrabaixo) e Aaron McLendon (bateria).
A tarde de Domingo está entregue a músicos portugueses, com a prestação das 17h nas mãos de Abdul Moimême, que se apresenta com a solo com a sua guitarra e respectivas transformações. Um pouco depois, pelas 18h 30m, teremos oportunidade de escutar um dos novos valores do Jazz português, o muito saudado saxofonista Ricardo Toscano, em formato de quarteto, com Rodrigo Pinheiro (piano), Miguel Mira (violoncelo) e Gabriel Ferrandini (bateria). Apesar de serem músicos de uma geração comum, são percursos distintos e abordagens diferenciadas ao jazz que se pratica hoje, pelo que, será um dos momentos mais aguardados do festival.
O fim-de-semana encerra com um agrupamento idealizado pela flautista norte-americana Nicole Mitchell, Mandorla Awakening II: Emerging Worlds, conceito que reivindica a herança da AACM, mas também “um mundo verdadeiramente igualitário em que uma tecnologia avançada estivesse sintonizada com a natureza”. Nicolle surge acompanhada por um variado e curioso ensemble que junta Avery R. Young (voz), Tomeka Reid (violoncelo e banjo), Mazz Swift (violino), Kojiro Umezaki (shakuhachi), Alex Wing (guitarra elétrica, oud e teremim), Tatsu Aoki (contrabaixo, shamisen e taiko) e Jovia Armstrong (percussão).
Depois de uns dias de pausa, o regresso faz-se a dia 8, Quinta-feira, com o final de tarde a ser entregue a um trio com nome de fruta de Verão. Abacaxi, chamam-se, com a coordenação do guitarrista Julien Desprez, acompanhado por uma secção rítmica composta por Jean François Riffaud (Baixo elétrico) e Max Andrzejewski (Bateria e Sintetizador). Segundo surge anunciado no programa, todos partilham responsabilidades no que respeita às luzes; veremos o que isso significa.
À noite poderemos deleitar-nos com uma das grandes expectativas deste ano, o colectivo Freaks, sob direcção do violinista Théo Ceccaldi. Uma música que bebe no Jazz, no circo, no espectáculo, nos salões de dança, no rock, no psicadelismo, nas orquestrações ambiciosas a fazer lembrar Frank Zappa e em tantas outras influências que asseguram uma abordagem abrangente e desafiante. Além do violino, voz e teclados de Ceccaldi, os restantes cúmplices deste festim são Mathieu Metzger (saxofones alto e barítono), Quentin Biardeau (saxofone tenor, teclados e voz), Giani Caserotto (guitarra elétrica e teclados), Valentin Ceccaldi (violoncelo) e Etienne Ziemniak (bateria).
O último fim-de-semana do festival começa em ritmo de percussão, com uma dupla que ainda recentemente (em 2018) gravou para a Tzadik, Now You Hear Me, álbum surpreendente, com uma exploração profunda das possibilidades rítmicas de uma parceria desta natureza. Joey Baron é bem conhecido como baterista de John Zorn e dos seus Naked City, Robin Schulkowsky é uma reconhecida instrumentista que trabalhou com Karlheinz Stockhausen, Morton Feldman ou Iannis Xenakis, nomes maiores da Música Contemporânea. Espera-se uma música rigorosa e de grande precisão.
Pelas 21h 30m toma posição uma ideia desenvolvida pelo baterista Tomas Fujiwara, sexteto que designou como Triple Double. Duas baterias (Fujiwara e Gerald Cleaver), duas guitarras eléctricas (Mary Halvorson e Brandon Seabrook) e dois sopros, trompete e corneta, a cargo de Ralph Alessi e Taylor Ho Bynum, respectivamente.
A tarde de Sábado começa com a vista de um nome já bem conhecido dos portugueses, figura de proa da improvisação e da electro-acústica. Zeena Parkins está de regresso com a sua harpa electrificada, desta feita na companhia de Brian Chase, em bateria e percussão.
Á noite, mais uma proposta musical bem inserida na temática deste ano, onde o combate à descriminação e a denúncia das assimetrias sociais vai estar na ordem do dia. Origami Harvest, é o nome do agrupamento liderado pelo trompetista Ambrose Akinmusire, que também dá uma ajuda nos teclados. O jazz, o funk, a spoken word, a soul ou o hip-hop são algumas das manifestações musicais que podermos identificar neste trabalho, desenvolvido com Kokayi (Rap), Justin Brown (Bateria), Sam Harris (Piano e Teclados), e o Mivos Quartet (Olivia de Prato e Maya Bernardo em Violino, Victor Lowrie Tafoya na Viola e Tyler J. Borden no Violoncelo).
O último dia do festival, 11 de Agosto, traz-nos ao final da tarde um curioso trio, ERIS 136199, momento de exploração eléctrica, com o saxofone tenor de Catherine Sikora ladeado por uma dupla de guitarristas Han-earl Park e Nick Didkovsky, fundador r mentor dos Dr. Nerve, banda culto da cena avant garde de Nova Iorque. À noite, as duas semanas de música intensa encerram com um projecto liderado pela já referida guitarrista Mary Halvorson, um dos nomes mais dinâmicos da actualidade, que se tem dividido em diferentes direcções. Os seus companheiros nesta aventura a que deu nome de Code Girl são Amirtha Kidambi (Voz), Maria Grand (Saxofone tenor e Voz), Adam O’Farrill (Trompete), Michael Formanek (Contrabaixo) e Tomas Fujiwara (Bateria).
Em suma, Agosto poderá não ser o mês mais quente do ano, mas temperatura pelos lados da Praça de Espanha vai subir ao rubro, com algumas fantásticas propostas do festival que, anualmente, nos traz o que de mais interessante se vai fazendo com o Jazz.