“People have the power”, foi o cântico entoado por duas vezes no Parque da Cidade do Porto pela fantástica Patti Smith em dois dias distintos, o primeiro e o segundo. No terceiro tivemos um “Can’t take my mind of you” e um “I will possess your heart” que na sequência dos acontecimentos fez todo o sentido. As pessoas têm, de facto, o poder de proporcionarem momentos únicos, de por meio do seu talento e genuinidade encherem os corações de quem as admira.
Foi a minha primeira edição do NOS Primavera Sound e só posso esperar que se sigam muitas mais – assim o festival se mantenha fiel a ele mesmo. O espaço é, na minha opinião, o mais bem conseguido de todos os festivais em Portugal. A combinação Queimódromo mais Parque da Cidade proporciona espaços distintos para diferentes actividades (alimentação e entretenimento no primeiro e os diferentes palcos no segundo), o que permite uma boa circulação sem grandes atropelos ou confusões.
77 000 é o número estimado de pessoas que frequentaram esta edição, com cerca de 40 nacionalidades diferentes, evidenciando já alguma massificação, mas onde a média de idades é superior às dos outros festivais e onde também se encontram mais melómanos. A diversidade fala por si, a organização do festival em Portugal arriscou nos nomes que achou por bem e se alguns acharam-nas arriscadas, a verdade é que é essa a diferença que começa a fazer falta nos festivais do nosso país. Muitas vezes falamos de os festivais se terem que adaptar ao público, mas talvez esteja na hora de ser o público a adaptar-se aos festivais, no sentido em que começa a ser cansativo vermos festivais a perderem qualquer tipo de identidade para se tornarem em autênticas máquinas comerciais. O NOS Primavera Sound, mesmo tendo já muito do fenómeno do “vou porque é fixe” ainda consegue preservar o espírito de diferença, de mostrar uma qualidade e heterogeneidade que, tirando Paredes de Coura numa dimensão bem mais pequena, é já única em Portugal.
Fotografia Hugo Lima |
Passando ao que interessa – a experiência por si mesma! Na verdade tudo começou de forma muito atribulada para o meu lado. Como era a primeira vez que ia ao Primavera, não sabia onde era a entrada e muito inocentemente comecei por explorar o extremo oposto ao que devia. Depois de meia hora em correria, lá levantei a pulseira com as meninas simpáticas da zona de imprensa e lá fui eu a correr para o Palco Super Bock para ver Bruno Pernadas. Este é um dos músicos mais talentosos do nosso país e foi com comitiva completa, com nomes como Afonso Cabral (YCWCB) e Joca (Tape Junk), que – do pouco que consegui ver – fez jus ao que muito se tem dito por aí. A colina estava composta, a zona perto do palco também e para estarem pelas 17h prontas para o ver é porque realmente já reúne um bom conjunto de fãs. Da minha parte digo, sem problema nenhum, que era um dos meus cabeças de cartaz do dia, juntamente com Patti Smith e FKA Twigs.
Fotografia Hugo Lima |
Acabou por ser mesmo essa a sequência de concertos, com uma Patti Smith de meter inveja a qualquer músico de qualquer idade, senhora de si mesma e com um poderio no palco sobre o público que poucos conseguem. Houve momentos mais emocionais, outros mais ternos, músicas dedicadas a pessoas que marcaram o mundo, como Nash, entre outros, e ainda ao seu neto. Que orgulho deve ser para ele ter uma avó assim! Seguiu-se FKA Twigs a não desiludir, mas também a não surpreender. Se por cá tenho defendido a valorização e o crescimento da música electrónica, a verdade é que esperava mais intensidade, talvez emoção, por parte artista experimental britânica. Ainda fiquei para Interpol, que tendo uma setlist muito boa, peca também por não transmitir grande empatia durante o concerto. Sendo sempre simpático, faltou a Paul Banks o dinamismo esperado a um vocalista de uma banda rock. Claro que isto é tudo a minha percepção e o meu gosto, quando estou num concerto rock gosto de sentir a música a entrar-me pelas veias e a energia a vibrar-me no peito – em Interpol não consegui sentir isso.
Fotografia Hugo Lima |
O segundo dia começou com o grupo brasileiro Banda do Mar. São conhecidos pela sua simpatia, pelo seu pop que nos enche de sorrisos e foram bem sucedidos no que toca a deixar os corações quentes de quem os ouvia. Tendo pouco mais de um ano, tem sido de louvar o percurso ascendente e a presença num festival deste calibre tão cedo. Seguiram-se os Giant Sand, que não conhecia e que não me marcaram em particular, para depois termos nova sessão com a rainha Patti Smith a tocar o disco Horses num anfiteatro natural com uma excelente moldura humana! Antes disso ainda passei por Viet Cong, nada mau, mas foi depois da Patti, em José González, que voltei a sentir aquela energia vibrante no ar. O argentino/sueco encheu o público de sorrisos e deu um concerto impecável tendo também tirado da manga a cover Teardrop dos Massive Attack que nem um mestre, acho que até fiquei ainda mais fã! Não é para isso que servem os concertos? Quem também não desiludiu em nada foi Sun Kill Moon. Quem sabe, sabe, e o palco é já uma casa confortável de quem vem percorrendo um longo caminho nele.
Fotografia Hugo Lima |
Belle and Sebastian, e Anthony and the Johnsons foram os meus dois últimos concertos do dia. Se com os primeiros a nostalgia e a alegria, com saltos e aclamações, foram a marca de um regresso, com Anthony and the Johnsons o concerto pedia uma solenidade que dificilmente foi encontrada. As circunstâncias eram especiais – o concerto era não ampliado, o que por si só requeria um respeito e um silêncio que existiram pouco. Mesmo estando perto das colunas do lado esquerdo, o som não era límpido e o público à minha volta não se calava com conversas curriqueiras. E aqui entra o tal aspecto do tipo de público que se quer num festival que pretende fazer apostas destas. Que Anthony é um artista cheio de talento e que merece a nossa admiração, penso que todos sabemos, mas consegui-lo é outra coisa.
Fotografia Hugo Lima |
Chega Sábado e as saudades já apertaram. Foi obrigatório entrar no recinto como se fosse a primeira vez, gravando na memória os espaços, as caras radiantes, o convívio em tom de partilha e, em alguns casos, de despedida. Começou em língua portuguesa com Manel Cruz, a representar décadas da nossa música e a ser ele mesmo. Com músicas novas e outras de Supernada e Pluto, a grade estava ao rubro e ainda se cantou os parabéns à Camila! Seja ela quem for! Na minha agenda seguiu-se o estrondoso Thurston Moore que para além de tocar como ninguém, transborda um gosto e um comprometimento com o que faz que é de louvar. Foxygen foi um espectáculo digno do estilo Broadway. O vocalista despiu-se e vestiu-se, correu, saltou, conseguiu ter o peito a sangrar, sem nunca deixar de estar completamente electrizado. A restante comitiva, com bailarinas que fariam corar anúncios red bull (acho que não quero saber o que é que tomam!), ajudou à festa e proporcionou um bom momento de entretenimento ao público.
Fotografia Hugo Lima |
Com Damien Rice, voltamos ao estilo solene. Munido apenas com as suas guitarras e belíssima voz, o palco NOS poderia parecer demasiado grande, não tivesse a sua música a capacidade de o tornar gigante. Num jogo de luzes simples ao longo do concerto todo, “The Blower’s Daughter” arrancou um coro valente do público e o fim foi fenomenal, com loops consecutivos até parecer que estávamos perante uma banda super composta e com um Damien Rice emotivo que entregou tudo o que tinha. Entretanto, o relógio marca às 22h10 e aí é o meu coração que já não aguenta de expectativa – finalmente a oportunidade de ver Death Cab For Cutie. Banda que remonta a 97 como ano de origem, tem sido um dos conjuntos que mais me tem acompanhado nos últimos. Uma hora que mal dei por ela passar, que soube a pouco, mas quem não quer mais quando ainda por cima sabem como dar ao público aquilo que ele quer?
Fotografia Hugo Lima |
Para além de alguns temas do mais recente disco, percorreram clássicos como “I Will Possess Your Heart”, “Soul Meets Body”, “You are a Tourist”, entre outros. Faltou-me a Tiny Vessels, mas não se pode ter tudo na vida, já tive a “Transatlanticism”! Adorei a energia da banda em palco e, a par de Patti Smith e Thurston Moore, foi dos concertos que mais gostei.
Seguiram-se os Ride cujo público era, claramente, mais velho. Foi fascinante ver o entusiasmo, as letras sabidas de cor e o ambiente estava realmente muito bom. Quando terminaram dividi parte do tempo entre The New Pornographers, que não conhecia e dos quais certamente vou ouvir mais, e Dan Deacon, que sabe como animar e entusiasmar o público. Era rara a pessoa que não dançava e não correspondia aos apelos do músico. Underworld e Pharmakon, os últimos dois concertos pelos quais passei, não me entusiasmaram de sobremaneira. Cansada como estava, nenhum deles foi capaz de me dar o boost de motivação extra de que precisava para me manter no recinto e assim terminei o NOS Primavera Sound 2015.
Fotografia Sofia Teixeira |
Verdade seja dita, saí exausta (já andava em maratona desde o evento do blogue no Musicbox na Quarta-feira), mas de sorriso no rosto e de “coração possuído”. Venho com a paisagem na memória, os sorrisos, os imprevistos, os encontros com tanta gente fantástica e talentosa (penso que foi o festival onde encontrei mais artistas portugueses como espectadores – pode ser que um dia tenham lugar num dos palcos como montra de exposição para o estrangeiro!). Um agradecimento do tamanho do mundo à organização pela oportunidade que me concederam para testemunhar a enormidade que é o festival. Quero acreditar, vigorosamente, que este festival se vai manter ímpar e que em nada vai sair prejudicado por causa disso. Não há mais nenhum com um conjunto de estrutura, infra-estrutura, cartaz e comunidade tão enorme e com tanta qualidade como este. Nenhum. No outro dia dizia nas redes sociais que pela primeira vez sinto que posso ter dois amores no que toca a festivais. Nunca escondi, nem escondo, que Paredes de Coura tem um simbolismo que mais nenhum tem, que é o meu preferido. Todo o misticismo do campismo, vila, etc., fazem dele o que é e contra factos não há argumentos. Mas agora imaginem um espírito semelhante, com uma dimensão muito maior, na mesma com a natureza a rodear-nos e cartazes de um poderio que obviamente o irmão não consegue ter. Não sei, fica a ideia. Eu adorei e espero mesmo repetir. E que continuem os jogos entre o moderno e o antigo, as apostas nas bandas novas e a recordação das que marcam gerações. É isso que queremos, é disso que precisamos, uma reeducação musical que passa por mostrar personalidade naquilo que se quer ouvir. Penso que não é à toa que este é um dos festivais onde vi mais crianças a acompanharem os seus pais. A boa música é para ser ouvida desde pequeninos! Obrigada, NOS Primavera Sound, pelos momentos únicos.
PS: Mega obrigada ao meu primo Ricardo Monteiro pelas boleias todas! Obrigada também à Raquel Nunes, à Margarida Cardoso, ao Kristen e ao Diogo pela excelente companhia ao longo dos três dias! As gargalhadas ainda ecoam nos meus ouvidos J
PS2: As pizzas e as batatas fritas do Maus Hábitos souberam que nem ginjas nos poucos minutos que tirámos para comer!
PS3: Sou uma sortuda por ter gente tão fantástica na minha vida para partilhar estes momentos. Obrigada, leitores!