Por vezes chegam até mim projectos únicos. Alguns deles com pouco tempo de existência, mas outros já com algum tempo de vida e que me provocam um sentimento de incredulidade – como é que não descobri isto antes? Ao chegar até mim, ainda em áudio, o «5 Montros» pela Biruta Records, do Tio Rex, para além de ter ficado fascinada com a sonoridade, obriguei-me a procurar mais sobre este músico. Para meu espanto, já tinha dois EPs e um LP lançados. Os primeiros trabalhos completamente gravados em casa, tendo apenas este último ido para o estúdio. O fascínio aumentou ainda mais quando peguei pela primeira vez na edição física deste disco – ao contrário do que é “tradicional”, como a caixa de plástico, um folheto impresso e o cd, Miguel Reis (Tio Rex), oferece-nos um autêntico livrinho. Tem capa, contracapa, fotografias, ilustrações, letras das canções e ainda os devidos créditos. Com a colaboração da Marta Banza na fotografia e da Ana Polido no artwork, o resultado final é uma delícia de se ver, folhear e explorar. É bom sentir que há quem não fique apenas pelo som, que faça com que a música ganhe vida e forma através de outras expressões artísticas e que assim o universo imagético do disco fique complementado, sublime na simplicidade e intensidade que transmite.
«5 Monstros», 5 canções, 5 fotografias e 5 ilustrações. Uma viagem ao universo do músico Miguel Reis que conta com a participação vocal de Marta Banza e com a colaboração de Fast Eddie Nelson na última música – Judas.
É impossível começar o disco, com a faixa JOE, sem associar imediatamente o som inicial à fotografia. O compasso marcado pelos espaços e pelo assobio leva-nos pela mão, quase temerários, ao universo destes monstros por explorar. A própria letra em si (já publicada aqui), leva-nos por um imaginário sombrio, satírico, até mesmo folclórico. Também o vídeo, editado por Hugo Martins a partir de clips de The Lodger: A Story of the London Fog (1927) por Alfred Hitchcock complementa essa experiência sensitiva – “E agora que está tudo feito, / Onde é que vou enaltecer a minha pequenez?”
Segue-se Autofla-Gela-Ção, com uma guitarra intimista, um lirismo puro, num ritmo mais calmo, e onde a voz de Marta traz um embalo suave, uma sensibilidade que nos invade e que quando conjugada com a voz de Miguel, nos invade e nos fragiliza um pouco. É uma música muito bela, mas triste ao mesmo tempo. Evoca o abandono por si mesmo, porém também parece chamar a si mesma alguma da esperança perdida. É, sem dúvida, uma das minhas músicas preferidas. “Ao menos que um dia alguém siga as pegadas… / Eu destranco a porta trancada.“
Em contraste, vem o Gigante, a terceira música deste EP. Este novo monstro, em tom saltitante, realça a marca que se deixa no tempo depois de se lutar, quer o resultado seja a vitória ou a derrota. “Por isso baixem as cabeças em respeito, / Este herói combateu o tempo… / Não se foi sem deixar marca na memória de um momento.” A nível sonoro, voltamos a entrar mais dentro do folk, numa melodia animada e dançável.
Continuamos com D. Eu I, novamente num ritmo mais calmo, num confronto com o seu eu, com as consequências dos seus medos e o seu julgamento. “Mais um dia e não fui eu quem levantou o estore, / Só encontro o meu conforto debaixo do lençol.” É, para mim, a música que mais solidão transmite, que pelas várias texturas sonoras nos invade mais intensamente e nos transporta para todo um mundo de divagações sobre os nossos próprios monstros. A letra, uma chapada de luva branca ao passado – “O fantasma que vi, e me mandou embora, / Viveu dentro de ti e agora atormenta-me a mim.“
Judas, nome que é associado à traição, começa com a declamação de Miguel Reis e é seguida pela sonoridade única de Fast Eddie Nelson, conjugada com a guitarra de Tio Rex. Este jogo de guitarras que vamos acompanhando ao longo de toda a canção chega a ser arrepiante, tal o poder que tem em provocar as mais diversas emoções. “Cobarde, deixo o vento fumar este cigarro por mim.” Uma colaboração que, na minha opinião, funcionou lindamente.
E assim termina este EP que, pela sua qualidade, soube a pouco. Queria mais. Confesso que gostei muito deste registo em português. Se os trabalho anteriores estavam maioritariamente em inglês, toda a conjugação das músicas, letras, edição física e vídeos, trazem toda uma essência Portuguesa ao trabalho de Tio Rex, mesmo que este seja inspirado pela música folk americana, não tão explorada no nosso país. É com orgulho que falo sobre este trabalho, sempre numa perspectiva pessoal e segundo a minha interpretação do mesmo, e só posso desejar que o futuro sorria a Miguel Reis. Para alguém que caiu na música sem querer, enquanto passava uns tempos na Madeira (todas estas informações brevemente em entrevista), penso que foi Portugal que, quase sem merecer, ganhou um músico cheio de talento.