Entrevista a Ricardo Remédio – RA – Músico Português

Ricardo Remédio, ex-teclista de LÖBO e actual protagonista de RA, aceitou sentar-se comigo à conversa para ficarmos a saber um pouco mais sobre ele e os seus projectos musicais. Acabei por descobri-lo noutra feliz coincidência, semelhante à do João Pedro Fonseca pois foi mesmo através deste último que acabei por descobrir RA. Na saga das entrevistas a artistas nacionais, aqui fica mais uma perspectiva interessante de alguém que fez parte de uma banda, tem agora um projecto a solo e tudo isto num registo musical que não faz parte, de todo, de grandes massas, mas que cuja força e projecção não deixa ninguém diferente. Conheçam então o Ricardo Remédio.

Sei que não gostas deste tipo de perguntas/pedidos, mas fala-nos um pouco sobre ti.

Ricardo Remédio. 27 anos. Português. Gosta de fazer barulho nos tempos livres. 

Quando e de que forma é que entraste no mundo da música?

Tinha 13/14 anos? Por volta disso. Lembro-me que pedi uma guitarra pelos anos e comecei por aí, algures numa garagem em Setúbal. A guitarra eventualmente foi deixada esquecida e comecei a brincar com efeitos/samples/sintetizadores, na altura sem perceber nada do assunto (e sem saber tocar). De uma forma ingénua mesmo. Ia mexendo em botões e tocando teclas, alterando sons que sacava da internet. Tive 1 ou 2 bandas que nunca saíram da sala de ensaio durante a adolescência comigo na voz e nos efeitos até que em 2008 surgiu LÖBO.

O teu percurso inicial é curioso. Começaste, aos 14 anos por comprar uma guitarra, depois por constatar que ser vocalista não era para ti, acabando por te renderes à música electrónica. O que é que a música electrónica te dá que as outras tentativas não te deram?

Uma maior amplitude de sons possíveis de fazer. Ou pelo menos sempre senti que mais facilmente conseguia transmitir os sons ou as imagens que tinha dentro da minha cabeça através de instrumentos electrónicos e efeitos do que através de um baixo, guitarra ou bateria. A ironia é que se calhar bem mais de metade das minhas influências/referências têm pouco ou nada a ver com música electrónica. Pelo menos dos géneros que estão associados normalmente a esse “chavão”. Mas acaba por ser um desafio, usar ferramentas e instrumentos electrónicos para tentar criar paisagens e sons se calhar não tão comuns nesse mundo. Todas aquelas máquinas à minha volta acabam por ser uma espécie de protecção que é diferente da exposição enquanto homem a liderar numa guitarra ou mesmo num microfone. Há um maior grau de controlo, uma maior segurança na exposição da música electrónica.

Começaste cedo, mas a primeira banda que te é conhecida é Lobo. Neste momento tens o teu projecto a solo RA. Quais as maiores diferenças entre fazer parte de uma banda e seres o único homem a bordo?

Liberdade nas decisões principalmente. Por poucas vezes senti-me completamente satisfeito com o processo criativo feito de maneira 100% democrática. Sempre senti que se tentamos agradar toda a gente e comprometer nunca chegamos a ter uma visão mesmo nossa. O próprio verbo comprometer em algo como a arte adquire sempre uma carga um pouco negativa para mim. É claro que deixa de haver aquela camaradagem que existe numa banda e se um concerto falha não tens ninguém para meter as culpas. És tu e só tu.

O projecto acabou em 2012, coincidindo com o ano em que RA surge com o seu primeiro EP. Alguma relação entre o fim de Lobo e o início de RA?

Os LÖBO acabam oficialmente em 2013, sendo que o EP de RA saiu em 2012. Mas não, acho que haja uma relação directa entre uma coisa e outra. Ainda há pouco tempo coloquei uns vídeos antigos no facebook de LÖBO e tiveram logo dezenas de likes e comentários. A solo ainda não consegui nada disso. Talvez RA a certa altura tenha parecido um projecto com mais futuro pois era novo e havia certas frustrações e dificuldades que estava a impedir que LÖBO estivesse a ser ou a satisfazer-me como que queria. A certa altura era só eu e mais um e às tantas estava a levar com o lado negativo da banda e o lado positivo de estar a solo. Fazer a gestão do esforço de conciliar os dois projectos, depender de outros para continuar com a banda e ao mesmo tempo manter RA estava a ser muito complicado. Apesar de tudo, sinto falta de tocar música mais extrema/pesada como a de LÖBO era.

Quem te descobre agora provavelmente não consegue imaginar o que significam as siglas RA. Lendo entrevistas anteriores tuas, descobri que significava Rei Abutre. Porquê esse nome e porquê a desassociação actual do mesmo?

Sempre preferi, para os meus projectos pelo menos, que a música fizessem o nome e não o nome fizesse a música, ou seja usar nomes ambíguos e que por si só não trouxessem muitas conotações ou imagens mentais e deixar que fosse a música e o imaginário da mesma criar essas imagens mentais. Quando estava a compor o EP “Rei Abutre” foi um nome que surgiu-me no contexto de um conto que estava tentar escrever. O nome ficou, o conto não. Na altura de dar um nome lembrei-me do nome mas cedo percebi que seria um nome que por ja ser forte e quiçá negro, ia condicionar já a maneira que o som seria ouvido. Dai ter escolhido um acrónimo do mesmo.

A desassociação.. bem não estou nem quero fingir a origem do nome mas é algo que é mais uma curiosidade que outra coisa. E estranhei terem pegue tanto nesse pormenor. E a verdade é que se quisesse que o nome do projecto fosse esse, não tinha mudado.

O primeiro EP chama-se Rancor e foi classificado como o 3º melhor de 2012 pelo site BandCom. Qual foi a receita do sucesso? Em que é que te inspiraste enquanto produzias as músicas?

Falar em receita de sucesso acaba por pressupor que houve um plano por detrás da construção tanto do projecto como das músicas. E a verdade é que não houve. Claro que a partir de certa altura comecei a perceber que talvez estivesse a compor algo interessante – senão não tinha lançado o EP – mas nunca pensei que tivesse a fazer algo mesmo de outro mundo. Acho que a atenção que possa ter tido é mais uma consequência de haver uma “cena” tão pequena em Portugal que facilmente reparam em ti – “Em terra de cegos que tem um olho é rei”. Em termos musicais tentei-me abstrair um pouco de influencias directas – elas por certo que encontraram o seu caminho inconscientemente – e foquei-me mais no que queria em termos sónicos. Sabia que queria que fosse agressivo, electrónico, algo que fosse duro.

Sei que andava a ouvir constantemente Fever Ray e Ben Frost. Também tive por pouco tempo interessado no género/subcultura do Witch House. Mas acho que o resultado final, para bem ou para mal, está bem longe dessas referencias.

Porquê o nome Rancor e os respectivos nomes tão próprios de cada faixa?

Primeiro que tudo é uma palavra forte não? Sendo a música instrumental sempre tive particular cuidado com o nome das faixas, evitando clichés e títulos aleatórios. Haverá obviamente parte de mim nesses títulos, estaria a mentir se dissesse que não. E acabou por ser um EP bastante pessoal nesse sentido mas a verdade é que a verdadeira inspiração foi a peça “Huis Clos” do Sartre. Um facto é que somos tão bombardeados sempre por temas em inglês, nomes em inglês, letras em inglês, que acho que fez todo o sentido atribuir os nomes em português. Não que seja nacionalista, mas se tenho essa oportunidade, ainda por cima de transmitir emoções e pensamentos fortes que raramente são exprimidos, porque não? 

Consideras-te um perfeccionista obsessivo?

Bem, perfeccionista… Para o ser tinha que trabalhar muito mais do que trabalho, por isso não posso dizer que o sou. Sou um pouco obsessivo sim e só estou bem quando sinto que estou a trabalhar e a fazer esta música. É claro que quero que tudo corra da forma que penso e que seja algo que esteja o mais orgulhoso possível. Se não sentir isso, nem vale a pena lançar nada.

A nível de público e de actuações ao público, como é que tem sido a recepção/interacção?

Os concertos têm servido para tentar evoluir e tentar perceber a melhor maneira de passar o som e o ambiente que tenho passado. Já tive experiências incríveis e… umas bastante más. Faz parte. Mas no geral tem sido tudo positivo! 

Créditos Pedro Roque

Tens actuado em vários locais já tidos como referências, como o Milhões de Festa, por exemplo, e foi no Zigurfest que te estreaste com um parceiro para a projecção visual, o artista João Pedro Fonseca. Como surgiu essa parceria e de que forma é que achas que a projecção visual pode complementar ou completar o que transmites sonoramente?

A parceria, vim mais tarde descobrir, surgiu da parte dele. Pelo que sei ouviu o meu EP e gostou e quis fazer algo. E concretizou-se no ZigurFest. E gostei tanto da experiência que se repetiu, noutro formato, mais recentemente no Musicbox. Sobre a questão do complemento confesso que tendo um background musical não ligado necessariamente à música electrónica, a ideia de um concerto a olhar apenas para um músico só, muitas vezes acompanhado com um portátil, não é a mais atractiva. E claro, contra mim falo. Daí achar que uma actuação, principalmente no live act com as minhas características, facilmente ganha com uma componente diferente, seja simples projecções seja algo mais vivo e mais real como foi a vez que o João Pedro simplesmente pintou um quadro ao vivo. E correu bem, tanto que tivémos vários convites para repetir a experiência. Alguns acabaram por não se concretizar, mas é algo que quero voltar a explorar no futuro, decididamente. 

Ainda em 2012 fizeste outra parceria para uma colectânea com Jibóia. Dado preferires trabalhar sozinho por te dar total liberdade e independência, como é que foi voltar a trabalhar com outro músico para um mesmo fim?

Foi um convite que surgiu através do site Bodyspace.net para comemorar os 10 anos de existência do mesmo. E foi uma óptima experiência. No inicio tinha um pouco esse receio mas foi dos músicos com que trabalhei em que a química/dinâmica melhor funcionou. Juntámo-nos numa tarde, correu bem e gravámos. Normalmente demoro semanas a gravar uma música, com ele foi numa tarde! Achei isso tão fantástico que cheguei a falar com o Jibóia em fazer mais meia dúzia de músicas, coisa que infelizmente depois não foi possível acontecer.

Numa outra entrevista tua, li que gostavas de fazer outro tipo de música fora a música electrónica. O que é que gostavas de experimentar produzir?

Acho que quem fica preso num ou nuns determinados géneros de música, como músico ou simplesmente ouvinte, vai aborrecer-se e vai estagnar. Penso que é sempre bom desafiarmo-nos a novos sons e tentar fazer coisas diferentes. Tendo isto dito há géneros de música que gostava um dia de um dia, mais a sério ou mais como experiência, experimentar a ver o que sai. Gostava de lançar algo apenas com um piano por exemplo. E por mais que se olhe para mim e não se imagine, há um baixista de puro rock aqui dentro a querer sair um dia destes.

Fazer/produzir música em Portugal pode ser uma actividade bastante ingrata. São poucos os músicos que podem fazer da música a sua única profissão. Que apoios é que achas que faltam, sejam governamentais ou não, para que essa situação possa mudar?

Na minha lista de coisas a mudar, acho que Portugal tem que mudar bastante e corrigir tanta coisa antes de chegarmos ao assunto “apoios para música”. Falar em apoios para música quando temos uma taxa de desemprego como temos e vivemos um dos momentos mais precários na história recente do pais é não ter noção do que se passa à nossa volta. Se é difícil viver da música no dias de hoje em Portugal? Claro, quase impossível diria. Mas hoje é difícil viver em Portugal, ponto final.

Achas que existe algum tipo de preconceito em relação a ser-se artista em Portugal?

Apesar do respondi acima, a verdade é que há coisas que podem e deveriam mudar e pouco ou nada tem a ver com questões governamentais mas mais da cultura (ou falta dela) de um povo. Digo muito que vivemos infelizmente num pais (e será porventura o ultimo) em que o termo artista e/ou intelectual é visto como um termo pejorativo. A arte é vista como um hobby excêntrico e quem o faz a tempo inteiro ou é maluco ou “deve andar a viver do estado”. Somos um povo muito pequenino nesse aspecto.

Sei que és um defensor da partilha digital grátis da música. Porquê essa postura?

Faço parte da geração que começou a “sacar” música com o napster por isso pirataria tem sido uma constante na minha vida.

Um músico, em 2014, tem que pensar que é algo inevitável (já o é à pelo menos 10 anos!) e deve preocupar-se mais em como usar a pirataria em seu proveito em vez de de manifestar-se contra a mesma. Hostilizar quem o faz ou fazer o discurso do coitadinho também não me parece muito sensato. E a pirataria tem feito um papel enorme na divulgação de novos artistas, acho que é um facto incontornável. E no que toca a prejudicar vendas.. bem talvez as bandas grandes tenham sido afectadas. Mas não me lembro de um “tempo áureo” em que pequenos músicos recebem fortunas por vendas de álbuns. Outro argumento que se diz é que a pirataria esta a matar o negocio da música. E nunca vi tanta gente, tantos géneros e tantos novos sons a aparecerem. Bem, talvez seja a matar o “Negócio” da música, mas a música de certeza que não.

Projectos para um futuro próximo?

Compor. Gostava de acabar o ano com um EP e um Álbum pelo menos compostos (de preferência gravados) mas o tempo o dirá. Mais vale um passo lento e seguro de cada vez do que correr e cair. Mas gostava sem dúvida de acabar o ano pensando que estou num ponto, como RA e pessoalmente, melhor do que comecei.

Perguntas Rápidas:

Artista favorito: Nine Inch Nails

Músico favorito: Trent Reznor

Pessoa que mais admiras: Essa pessoa sabe e é o que interessa.

Cidade que mais gostas: Coimbra

Combinação Prato + Bebida Ideal: Pizza fria às 3 da manha + resto de vinho

Local em que mais gostaste de actuar: Demasiados para especificar.

Pergunta da praxe: Já conhecias o blog Morrighan? Que mensagem podes deixar para os seus leitores?

Não conhecia confesso mas já tentei compensar o tempo perdido e dei por mim a ler alguns artigos. Gostei bastante.


Facebook RAhttps://www.facebook.com/ramusicpt?fref=ts

Bandcamp RAramusicdoom.bandcamp.com

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Obrigada, Ricardo, pela extrema simpatia e disponibilidade. 

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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