Hoje trago-vos, finalmente, a entrevista com a Vera Marmelo. Não a original, que essa, infelizmente, perdeu-se no ficheiro áudio que não consegui recuperar após a entrevista descontraída e animada na FNAC do Vasco da Gama. Vera Marmelo é uma das maiores fotógrafas da actualidade, principalmente no que diz respeito à música. Respeitada e admirada por todos os que testemunham o seu trabalho, a Vera aceitou, novamente, responder a algumas perguntas sobre a sua relação com a fotografia e a música, entre outras. Da minha parte fica o agradecimento e a constatação de que estamos perante uma pessoa contagiante, de uma energia imensa e que vale a pena conhecer melhor.
Olá Vera, fala-nos um pouco sobre ti e sobre a tua entrada no mundo da fotografia. O que é que despoletou esse bichinho em ti?
Nasci e continuo a morar no Barreiro. O típico subúrbio, do outro lado do rio. Na altura em que já estudava em Lisboa, 2002 ou 2003, uns quantos amigos do Barreiro, pessoas que eu conheci nas primeiras saídas à noite, começaram a fazer música e a tocar ao vivo regularmente. Cresceram um bocadinho e começaram a organizar festivais, o Outfest e o Barreiro Rocks. A minha falta de talento para a música e a minha vontade de estar por perto de tudo aquilo que estava a acontecer fez-me arranjar uma ferramenta, uma maneira de contribuir. Comecei a sair de casa, para ir aos tais concertos, com uma máquina digital pequena que o meu pai comprou lá para casa. Foi o início. A minha vontade de pertencer àquele grupo de pessoas e partilhar o que estava a acontecer. Daí a começar a frequentar os concertos que esses mesmo amigos, nomeadamente o Tiago Sousa e tudo o que ele organizava com a extinta Merzbau, foi um pulinho.
Hoje em dia é raro, no mundo da música, não se saber quem é a Vera Marmelo. O teu trabalho tem vindo a ser cada vez mais reconhecido e apreciado. Que impacto é que isso tem vindo a ter na tua vida?
Só coisas positivas na verdade. Quando fotografas pessoas, quando gravitas em torno de um mundo tão rico e cheio de gente interessante como o musical, só podes retirar boas energias. O reconhecimento e principalmente a confiança que depositam em mim dá-me um espaço super especial. Sei que tenho acesso a mil situações às quais nunca chegaria sem uma máquina fotográfica.
Tiago Sousa por Vera Marmelo |
Preferes fotografia a cores ou a preto e branco? Porquê?
Sou fã das duas versões. Acho simplesmente que há ocasiões em que uma funciona melhor que a outra quando estou a fazer retratos. Em concertos, regra geral, refugio-me no preto e branco quando as luzes não me parecem tão interessantes.
A diferença maior para mim é o meio. Se estou a fotografar com filme, ou digital, ou com o telefone. Sou sempre poupada nos cliques, mas a fisicalidade, a maneira como seguras a máquina e te posicionas frente às pessoas, aí sim! Muda tudo.
Que tipo de máquinas e tecnologias de edição é que costumas utilizar e em que circunstâncias?
Tenho duas câmaras uma médio formato, alimentada a rolos, que utilizo quando faço retratos mais especiais. Um digital, todo o terreno, que uso nos concertos. A edição vai bater nas ferramentas base de todos os outros, um afinar de cores, limpar riscos dos negativos e nada de mais.
Enquanto fotógrafa preferes as fotos de estúdio ou de concerto?
Sempre que leio a palavra estúdio penso num estúdio de gravação de música e não de fotografia. Se a pergunta é sobre o de fotografia, não sei, nunca usei um a sério. Se é num estúdio de música, depende. Se estiverem a gravar à séria pode ser um bocadinho chato, não podes fazer barulho e estás sempre à espera. Mas é um sítio onde me sinto muito confortável e onde gosto de estar. Quanto aos concertos, é mais o vício que preferência.
YCW,CB por Vera Marmelo |
Qual foi o trabalho que mais prazer te deu fazer até hoje?
Não consigo nomear um apenas. Tenho passado uns bons bocados com montes de situações. Ás vezes conversas de 15 minutos que tenho durante 5 cliques são tão intensas e interessantes como 3 dias de viagens e tour. Falando só sobre coisas que se passaram este ano. Diverti-me muito a fotografar os You Can’t Win Charlie Brown – retratos, ensaios e concerto. Também passei um bom bocado com os Equations no Porto. E os retratos que fiz ao Vincent Moon, aquando da passagem dele pela ZDB, também me marcaram muito pelo bocado que passámos com ele.
Tens fotografias espalhadas por revistas internacionais, sites como o we transfer ou bodyspace. Viver da fotografia a tempo inteiro é um desejo em vias de se tornar realidade?
Eu vivo a fotografia, os momentos que ela me dá, mais do que a ideia de profissão. É só a minha maneira de interagir com o mundo, partilhar com os outros o que gosto. Como isso está a acontecer, como há um feedback incrível por parte das pessoas a quem chego já é sonho concretizado. Sobre a fotografia como meio de subsistência, nem penso muito. Tenho uma liberdade muito interessante no tipo de fotografias que faço por dividir a minha vida em dois.
Vincent Moon por Vera Marmelo |
Lançaste um álbum de fotografias com treze retratos de músicos. De onde é que surgiu a ideia e qual o conceito do álbum?
Surgiu de uma festa de aniversário cancelada e de um projecto de jornal que morreu ainda antes de nascer. Foi fruto de um acaso, mas activado por uma série de encontros muitos felizes, nomeadamente com a Susana Pomba, Filipa Valadares, Sílvia Prudêncio e Mariana Duarte Silva.
Qual foi o critério de escolha dos músicos?
A festa de aniversário cancelada foi a do site Música Portuguesa a Gostar dela Própria. A selecção foi feita a partir dos músicos que já haviam sido filmados pelo Tiago Pereira ou pela sua equipa e dos quais eu gostava mais.
As primeiras 150 cópias esgotaram num instante e a segunda edição penso que também já esgotou. Dado todo este sucesso à volta do teu trabalho, já pensaste em fazer alguma exposição?
Já fiz um par delas, pequenas. Não é uma coisa que me entusiasme particularmente, mas há sempre ideias a rolar, sim.
Álbum da Vera Marmelo |
Muitos consideram-te a alma da música em fotografia. O que pensas disso? Quem é realmente a Vera Marmelo?
Deposito muito da minha energia nesta “cena musical” que vivemos entre Lisboa e Barreiro. Se isso é “alma” aos olhos de quem o afirma, ok. Mas a verdade é que essa mesma energia é gratuita, não há uma reflexão acerca do que ando a fazer ou a intensificar com as minhas fotografias e palavras. Faço porque sim, porque me diverte, porque me faz chegar aos outros, porque quero partilhar as coisas e as pessoas de quem gosto. A Vera é só alguém com energia a mais e que gosta muito de pessoas e de conversar com elas.
Sei que gostas de ler e de escrever, quais é que são os teus autores preferidos? Algum livro que se destaque entre todos os que já leste?
Sou uma vendida à geração beatnick. Essa ideia da escrita não sei de onde te surgiu, não tenho esse costume.
Sou também muito esquecida, mas houve uma energia qualquer que o Just Kids da Patti Smith me passou.
Se tivesses que inspirar um escritor com algum trabalho teu para a escrita de um livro, que tipo de fotografia escolherias? O tema seria livre, por isso serias tu, através dessa fotografia, a sugeri-lo.
Um bom par de retratos de família e de cada um dos seus membros, frames do seu dia a dia, imagens que te levassem a tentar imaginar o que se passava ali, a conversa, o momento. Gosto de histórias pessoais. Se calhar foi isso que me entusiasmou com livro o da Patti, ler a história dela com o Robert. E o livro era ilustrado com momentos de intimidade dos dois, retratos da Patti, que o Robert fazia.
Podes revelar-nos que projectos é que tens para um futuro próximo?
Tenho fotografado muita gente neste início de ano e comecei a aprender a definir a agenda e as fotografias à semana. Portanto cada semana há sempre um mini-projecto, um par de retratos, uma ida a um estúdio, um concerto. Assim o mais bonito de partilhar e que é uma coisa a longo prazo é um livro feito a quatro mãos, que ando a alinhar com o Luís Martins, a sair depois do Verão. Vamos celebrar o aniversário da ZDBmuzique.
Blogue da Vera Marmelo: http://v-miopia.blogspot.pt/