Quando há futebol, não há teatro. Esta é a realidade de Portugal (e provavelmente não só)…
Fazer um espectáculo num dia de jogo é estar mesmo a pedi-las… e não precisa de ser um jogo grande… por vezes serve um simples solteiros contra casados na sede da colectividade local, para que muita gente faça a sua opção. Porquê?
Depois do grave golpe dado ao teatro pela televisão, levando os actores a casa das pessoas, esta juntou-se ao futebol e continuou a dar pontapés ao pobre moribundo. Hoje em dia, para ver futebol não precisamos de sair de casa… quando muito temos de ir ao café da rua, beber cervejas, ofender o árbitro, os jogadores, os treinadores, os adeptos contrários e as mães de todos os anteriores.
No entanto o fenómeno do futebol não se fica por aqui, pois tem também o descaramento de encher estádios com lotações na casa das dezenas de milhar de pessoas, com bilhetes a preços que para o teatro seriam exorbitantes e com pessoas que entram com um sorriso nos lábios, convencidos de que mesmo sendo mais um na multidão, o seu contributo é importante.
E dentro do estádio grita-se, salta-se, canta-se e volta-se a gritar… sofre-se, festeja-se, chora-se, sonha-se…
O que é que o futebol tem e o teatro não? Paixão.
Não é paixão por parte de quem faz, de quem dedica a vida à arte, de quem não dorme porque vai estrear no dia a seguir, de quem ama aquilo que faz como eu e dezenas de outros profissionais que conheço… é do público.
Quantos espectadores do Dona Maria vão ao Teatro Aberto gritar “o meu teatro é melhor que o teu”? “Allez Dona Maria, Allez”?
Porque no teatro também se grita, também se salta, se canta e se volta a gritar… também se sofre, se festeja, se chora e se sonha… em palco. E fora dele? Quanta dessa paixão passa para fora de palco?
O público do futebol sente-se envolvido, sente-se parte… é “NÓS marcámos” ou “NÓS ganhámos”, não “a equipa que eu apoio ganhou”. Jogadores, treinadores e dirigentes falam da importância do 12º jogador, apelando que venha ao estádio, para que faça barulho pela sua equipa…
No teatro, o público (na esmagadora maioria das vezes) um mero e passivo espectador, ao qual, ninguém tenta vender a ilusão contrária. Manifesta-se no fim com um aplauso e eventualmente com um par de gargalhadas durante a peça, sempre contidas para não perturbar ninguém e sobretudo não se fazer notar.
O teatro é uma ocasião solene na qual, seja boa ou má, não devemos mostrar qualquer sinal do nosso (des)contentamento até ao fim. Não podemos ofender o vilão e a sua mãe, não podemos aplaudir as boas decisões do protagonista nem cantar-lhe o nosso apoio nos seus momentos mais difíceis.
Um mau jogo de futebol, no mínimo, são duas horas passadas com amigos, a beber cervejas, a cantar e a saltar… mau teatro são duas horas em silêncio, a lutar contra o sono e a vontade de ir embora, sem ninguém com quem desabafar o tédio que se está a sentir.
Criticam-se os orçamentos do futebol e os ordenados dos jogadores, mas a verdade é, na maior parte dos casos, corrupções à parte, o futebol gera muito mais do que isso… e o teatro?
A solução para o teatro não é baixar os preços dos bilhetes, abusar dos convites ou sequestrar pessoas e amarrá-las às cadeiras… é ressuscitar esta paixão no público. É trazer o público para o espectáculo, torná-lo parte, fazê-lo sentir que, sem ele, nada disto é possível. Abandonar alguns snobismos e lembrarmo-nos para quem é que trabalhamos, que sem eles, nós artistas, caímos no vazio… porque o público não é só lucro… é a alma de um teatro, e quem disso duvida, que experimente subir a um palco e olhar para uma plateia vazia.
João Cruz