Um dos poucos artistas de nacionalidade não-portuguesa do festival Fusing é Cícero. Ainda assim, é um estrangeiro não tão estrangeiro assim, dado ser do nosso país irmão lusófono, o Brasil. Para além de dois álbuns lançados, Cícero também participou numa colectânea que uniu músicos portugueses e brasileiros – O Clube. Tem ainda uma veia tremenda poética e é sobre estas coisas todas e a sua passagem pelo Fusing de que ele nos fala, respondendo às questões que lhe pudemos colocar por mail. Tendo estado há alguns meses no Vodafone Mexefest onde não pude vê-lo, é com grande entusiasmo que espero a sua actuação no dia 15 de Agosto na Figueira da Foz.
Olá! Fala-nos um bocado sobre ti e a origem da tua paixão pela música.
Nasci e cresci num bairro distante do Rio de Janeiro conhecido por todos, onde não havia nada pra fazer. Até hoje não há teatro, cinema, livraria ou parque no bairro. Há uns anos atrás fizeram um shopping center, que muda pouca coisa. Meus pais se divorciaram quando eu tinha 12 anos, então também fui embora da minha rua e dos amigos de quarteirão. A música e os livros foram ocupando esse tédio e se tornando um lugar paralelo, onde aconteciam as emoções e actividades.
Quais as tuas maiores inspirações e influências?
Os lugares por onde passo, moro, as pessoas com quem me relaciono, essas coisas refletem diretamente em mim e no que faço.
O primeiro álbum, Canções de Apartamento, teve muito impacto no Brasil logo quando foi lançado, em 2011. Como reagiste a isso? Estavas à espera?
Foi inesperado e não sei se reagi tão bem na época. Se eu estivesse preparado, se fosse algo planejado, talvez tivesse sido mais confortável pra mim.
Foi difícil gerir as expectativas para o segundo álbum, Sábado, que lançaste em 2013?
As expectativas não, já que não pensei nelas quando fiz o álbum. Foi difícil digerir a resposta.
Canções de Apartamento tinha um ambiente mais introvertido do que Sábado. Foi uma mudança natural ou houve alguma razão especial?
Foi natural. O Canções de Apartamento afetou muito minha vida pessoal e meu olhar sobre o mundo e sobre as pessoas.
Como é que surgem os temas para as tuas letras? Em que te inspiras?
Surgem das minhas necessidades e urgências artísticas. De onde elas vêm eu não sei…
Participaste no álbum O Clube, que juntou músicos brasileiros e portugueses. Qual é a tua relação com a música portuguesa?
Recente. Conheci Portugal e a música portuguesa na minha primeira ida no ano passado para tocar no Vodafone Mexefest. Desde então tenho estreitado minha relação com o país e com a música. Conhecendo e reconhecendo.
O blogue BranMorrighan tem uma forte componente literária e fiquei muito curiosa quanto à tua veia de poeta. Sei que escreves alguns poemas. Quais são as tuas maiores referências literárias?
Muitas. Sou profundamente afetado pelo que leio e quase sempre o que leio volta no que escrevo. A poesia me seduz mais por ser mais pueril, imaginativa, e por eu ter um déficit de atenção grande que me atrapalha em ler longos romances. Na adolescência li muito Drummond, Leminski, Manoel de Barros, Vinícius de Moraes, Neruda e muita gente. Li um pouco de muita coisa. Vagalumes Cegos, por exemplo, eu tirei de um livro do Piva que fala de Fernando Pessoa, de Lisboa e de São Paulo… “ Vamos, o subúrbio da cidade espera nossa aventura, as meninas já abandonaram o sono das famílias, adolescentes iletrados nos esperam nos parques. Vamos com o vento nas folhagens, pelos planetas, cavalgando vaga-lumes cegos até o Infinito.” Só li esse livro dele, mas foi o suficiente pra me motivar uma canção. Minha atenção com a literatura é assim, difusa…
Ainda tens o projecto de lançar um livro de poemas?
Sim.
Em Agosto vais estar no Fusing. Como vai ser voltar a Portugal?
Como visitar um bairro que já conheço. Já tenho amigos aí, conheço padarias e praças, me sinto confortável. Não me sinto um turista.
O Fusing decorre em plena praia. Já actuaste em algum palco assim, ou vai ser a primeira vez? Qual foi o palco mais insólito em que já actuaste?
Nunca, vai ser a primeira vez. O palco mais insólito foi numa praça em São Paulo. Foi lindo, tocando pro público que me assistia, pros carros que passavam, pras pessoas indo e vindo do trabalho…
Vais ter tempo para dar um mergulho ou experimentar alguns dos Desportos Náuticos que o Fusing irá proporcionar?
Eu gostaria!
E quanto à Gastronomia? Qual é o teu prato favorito? Vais andar à procura das iguarias dos balcões de Gastronomia do Fusing?
Feijoada! Mas quero comer coisas que nunca comi, no Fusing, aproveitar a oportunidade.
De todo o cartaz do Fusing, só tu e Slow Magic é que não são de origem portuguesa, apesar de no teu caso isso quase não contar. Como é ser uma das duas estrelas internacionais do festival?
Não sou uma estrela internacional! Temos o mesmo idioma, a mesma origem, me sinto bem vindo por tocar num festival tão íntimo de Portugal. Eu, pra ser sincero, prefiro festivais locais a mega festivais de grife. Sendo em Portugal, sinto que estou tocando num dos mais legais que poderia tocar. E sendo cabeça-de-cartaz, me sinto aprovado e estimulado. É ótimo! vou tocar muito feliz.
Que projectos é que tens em mente para o futuro?
O terceiro disco e me mudar, passar uns tempos em outra cidade.