Em 2012, uma casa na Avenida da República ganhou outra vida. Uma vez por mês, passou a receber um projecto musical diferente, a maioria fora do convencional, mas sempre num ambiente informal, familiar, em que a partilha sonora e visual se tornou numa experiência enriquecedora. Em tom quase de laboratório, muitas foram as colaborações que por ali foram passando ao longo dos últimos dois anos e, a sua criadora, Inês Magalhães achou que estava na altura de fazer um festival que reunisse parte destas pessoas num único dia. MAGAFEST, é este o seu nome, tem no seu cartaz nomes como Bruno Pernadas, Tiago Sousa, Norberto Lobo, JP Simões, Memória de Peixe, Gabriel Ferrandini, NozQuadrado e o grande baterista João Lobo. Para ficar a saber mais sobre este dia tão especial, fui até casa da Inês, na Avenida da República, ao local que acolheu as Maga Sessions!
Para começar, e porque o MAGAFEST é uma consequência das Maga Sessions, pedi à Inês que me falasse um bocadinho sobre estas e de como é que surgiram: «As Maga Sessions começaram em Abril de 2012, sem prever o futuro e sem sequer pensar que ia ter um festival. Tenho muitos amigos músicos e, como sabem, eles são muito bons a dar concertos, mas não têm jeito nenhum a promover-se. Acabas por ver bandas incríveis, mas que não andam para a frente porque não têm um backup que as façam sair daquele nicho de mercado – amigos e amigos de amigos. Tudo começou com os Coreto, a banda de Simão Palmeirim – que vai tocar como Não Simão no MAGAFEST – e de João Nuno Marques, que pertence a este grupo de músicos com talento, e então eu disse-lhes: “vocês têm que se fazer ouvir. Tenho algum espaço em minha casa, o meu irmão é técnico de som, venham e eu organizo.” Como o meu irmão também gosta deste tipo de iniciativas, decidimos recebê-los, convidar amigos e encher a casa. Foi o primeiro concerto de Coreto e foi muito bom, correu muito bem. Sentias que os músicos estavam à vontade, sem aquela pressão de estarem numa grande casa, mas com público suficiente para não se sentirem “a começar”. O início deles deu-se de uma forma muito agradável. Correu bem para eles e para mim, que na altura tinha apenas convidado uns amigos, mas foi muito especial essa proximidade e, quando levas as coisas a sério – a sessão foi logo fotografada e filmada – não é apenas uma jam em que juntas os amigos e não levas as coisas tão a sério. Não, é um concerto e tentamos dar essa seriedade. Apesar de sermos todos amigos e de nos conhecermos, é bom no fim podermos falar todos. E assim foi a primeira Maga Session. Correu tão bem que, no Maio seguinte, veio cá um projecto – Mimus – que consiste numa performance musical para crianças. Eles são dois músicos, mas também são actores e pedagógicos no seu trabalho. A casa encheu-se com 50 crianças! Vieram as restantes Maga Sessions e eu a levar isto mais na desportiva, mas a gostar muito dessa nova forma que encontrei de mostrar música, receber as pessoas e colocá-los em contacto.»
Uma das particularidades destas Maga Sessions, é precisamente essa familiaridade e intimidade que acaba por haver entre quem partilha a experiência musical. «Estamos todos a respirar o mesmo ar. As pessoas estão a um braço de distância umas das outras. Eu costumo dizer que as Maga Sessions não são privadas, mas são íntimas. Desde o início que a casa tem estado aberta para quem quiser aparecer e sem entrada. Sou designer e, quando isto começou, em 2012, eu estava desempregada e não havia qualquer possibilidade de pagar para ir ver um concerto. Mas tinha muita vontade de os continuar a ver. Acabou por ser “Se Maomé não vai a montanha, vai a montanha a Maomé.” – não que Maomé seja eu, mas antes todos nós, entre músicos, pessoal das artes que não ganha muito, etc., e aqui podemos estar todos juntos sem que haja qualquer diferenciação.»
Após a sessão dupla das Maga Sessions em Dezembro de 2012, com João Lobo a ser a prenda de Natal, as sessões ganharam uma maior visibilidade e a casa da Inês, e ela própria, acabou por se tornar numa espécie de casa e de fonte de promoção aos artistas que por ali passavam. «Como te disse, os músicos têm pouco jeito para se promover e não têm material para se promover. Ao virem aqui, passavam a ter – fotografias, pelo menos um concerto dado e um videoclip que podiam mandar como proposta para outras casas. Não me perdendo a mim no meio das Maga Sessions, comecei a levar isto mais a sério e, é claro, a imagem também conta.»
Inês contou-nos que 2013 foi tão produtivo, com bandas tão boas, que às tantas já eram os músicos que se propunham. A gestão não é fácil: «Tu pensas logo em seis e isso são logo seis meses. Juntas mais alguns e tens o ano feito. E é incrível como até hoje nunca ninguém se recusou. Só houve uma pessoa que me disse que não, mas não vou dizer quem é, pode ser que ainda venha (risos).»
Quem era para estar presente neste festival, mas por estar em tour não pôde aceitar, eram os They’re Heading Westcujo videoclip foi gravado, precisamente, na casa da Inês. No meio de tantas coisas boas, de tantas bandas que a Inês viu passar, o resultado é um trabalho sério em que mesmo quando não são primeiras actuações, são concertos que muitas vezes acabam por ser experimentais: «Não é o primeiro concerto, mas é um laboratório que proponho. Quando convido alguém, não os chamo porque acabaram de lançar o cd, mas porque gosto seu trabalho e porque gosto dele/s enquanto pessoa/s. É muito “Vem e toca o que quiseres.” E com isto têm acontecido coisas muito bonitas. Se quiserem experimentar algo, mesmo sem editar um disco, como tocar com outro músico ou assim, aqui encontram esse espaço, que não encontram noutros locais de maior dimensão.»
Com este crescendo todo, perguntei à Inês se ela não tinha receio de, depois do MAGAFEST, que a sua casa começasse a transbordar de pessoas: «Não posso dizer que não tenha pensado nisso, mas a verdade é que as Maga Sessions já existem há mais de três anos e, apesar de já cá ter vindo muita gente, não é por isso que a casa está a abarrotar. O facto de ser numa casa, também intimida. Há pessoas que chegam aqui que, quando dão conta de que a casa é minha, até se encolhem. Mas depois também são as primeiras a elogiar, é até ficarem à vontade.» Faria sentido as Maga Sessions saírem da casa da Inês? Ela responde: «Tal como o MAGAFEST faz muito sentido na Casa Independente, seja pela imagem que eles têm, pela própria casa e pelos músicos que trazem, faz sentido que seja lá. Há poucos espaços com essas características. Essa é uma questão em que já penso há algum tempo. Já tive 10 músicos cá em casa, durante quatro horas, em que estiveram 90 pessoas e não dava mais. Sei que a minha capacidade é esta. Eu quero continuar o trabalho de curadoria, mas não noutro sítio, não faz sentido. Noutro espaço seria apenas como curadora, cartaz, etc., mas Maga Sessions são cá em casa.»
Dos nove nomes presentes no cartaz, apenas dois – Bruno Pernadas e JP Simões – nunca passaram pela casa da Inês. Questionei-a sobre a dificuldade em escolher estes sete de entre todos os que já tinham passado pelas Maga Session e, claro, não foi propriamente fácil: «É um primeiro ano, eu queria fazer tudo num mesmo dia, e os apoios não são fáceis, por isso também estive limitada não só em termos de tempo como de budget. Agradeço claro, à Jameson, por todo o apoio e por querer apoiar as Maga Sessions também, mas o que fiz foi escolher aqueles com que me identifico mais. Não é que sejam melhores ou piores, mas das apostas que fiz cá em casa, escolhi aqueles que pelo seu trabalho merecem estar com aqueles que já estão mais consagrados na música portuguesa. Quando tens vários filtros ao mesmo tempo, torna-se difícil e não difícil. Ninguém me disse que não. É imaginares um cartaz e veres isso a concretizar-se, tal e qual.»
A divulgação na comunicação social parece andar tímida, mas a Inês já andou pela RTP2 e já deu outras entrevistas. «As pessoas estão a perceber que isto está a acontecer por uma razão. Não é só um festival que está a acontecer, é um festival que tem história. Houve uma ideia na cabeça de uma pessoa, neste caso na minha, que deu resultado, e que mesmo assente numa fórmula diferente do que o costume, conseguiu crescer. E não estou sozinha, o meu irmão sempre apoiou o projecto e tratou do som, o Gonçalo Soares sempre a vir filmar as Maga Sessions – e nos primeiros dois anos a sair daqui com um grande obrigada e pouco mais, nunca falhou -, o Frederico Saraiva na fotografia, a Madalena e o Pedro Faro – foram pessoas que estiveram comigo e que sempre me apoiaram. Estou sozinha e, ao mesmo tempo, não estou.»
Fotografia por Madalena Palmeirim |
O orgulho em todo este trabalho é evidente, eu mesma orgulho-me de todo este entusiasmo da Inês, e a naturalidade com que ela faz tudo é extasiante: «Eu acho que este orgulho vem daí, dessa estrutura que foi surgindo e que se tornou sustentada. O projecto sustenta-se a ele próprio, não tentei dar um passo maior que a pernas e foi tudo muito natural. Na altura em que comecei a pensar fazer o MAGAFEST, por causa daquele dia em que ao fazer algo maior, não tinha aqui espaço suficiente, pareceu-me naturalmente óbvio que este seria o próximo passo, mas ao mesmo tempo sentia-me incrédula – é incrível.»
Em termos de expectativas, para além que não chova! (irão haver concertos no terraço), o maior desejo da Inês é que o espírito das Maga Session se mantenha: «Que seja uma Maga Session muito grande e que os músicos se disponibilizem para essa intimidade com as pessoas. Apesar de ser um festival, que esse laboratório continue, não sendo cá em casa, que seja lá. Que estejam vulneráveis e permeáveis ao público que quer estar com os músicos.»
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Da minha parte, só posso desejar que corra tudo pelo melhor e que o MAGAFEST seja um sucesso! Para quem quiser continuar a acompanhar as Maga Sessions, a próxima é já em Outubro, mas Inês não quis revelar já o ano! Mais informações sobre o MAGAFEST aqui: http://www.branmorrighan.com/2014/07/magafest-com-bruno-pernadas.html
Durante os próximos dias será lançado um passatempo para uma entrada para o MAGAFEST e serão publicadas as entrevistas a:
Tiago Sousa
Nome Comum
Gabriel Ferrandini
João Lobo
Bruno Pernadas