Montedor
José Rentes de Carvalho
Editora: Quetzal
Sinopse: Ao longo das gerações são sem conta as famílias portuguesas onde há alguém como o triste protagonista de Montedor: rapaz sem futuro, com um passado apenas de sonhos, arrastando-se num presente que é verdadeira morte lenta.
Mau grado a simplicidade das personagens e das cenas, há no romance uma tensão permanente, pode com verdade dizer-se que quase cada página encerra um momento dramático, ou antecipa uma tragédia, a qual, talvez porque raro chega a acontecer, cria um desespero cinzento, retratando bem, e cruamente, os medos e o sofrimento da sociedade portuguesa, passada e presente.
Publicado pela primeira vez em 1968, Montedor é o romance de estreia de J. Rentes de Carvalho, sobre o qual escreveu José Saramago: «O autor dá-nos o quase esquecido prazer de uma linguagem em que a simplicidade vai de par com a riqueza (…), uma linguagem que decide sugerir e propor, em vez de explicar e impor.»
Opinião: Tenho vergonha de o admitir, mas a verdade é que até ter Montedor nas mãos, nunca antes tinha lido José Rentes de Carvalho. Há uns meses adquiri o Ernestina, mas sou daquelas leitoras que precisa de sentir um impulso forte para pegar em determinados livros e quando soube que ia sair a primeira obra do autor, decidi esperar. Montedor, de publicação original em 1968, chega agora ao público português de cara lavada e acessível a todos.
É engraçado como cada estória, por vezes, tem mais do que aquilo que lemos e, ao pesquisar sobre este livro, encontrei esse mesmo facto pela voz do autor em relação a esta obra: “Eu não tinha qualquer hipótese de construir um futuro em Portugal, eu era rebelde, era mau, era intolerante, furioso… Tinha uma raiva grande, e sair de Portugal salvou-me, porque, se tivesse ficado, ia ser o protagonista de Montedor, o sujeito que está sempre à espera do que sonha e que nunca vai acontecer. Isso cria um desespero interior que é fatal para a pessoa” – retirado do Público.
Quando rompemos as primeiras páginas, começamos a acompanhar este rapaz e as suas inseguranças. Ao início, é fácil compadecermo-nos com essa suposta fragilidade, mas com o decorrer da trama ganhamos a certeza de que talvez não haja solução possível para aquela insatisfação e busca constantes. Vemo-nos perante uma sociedade portuguesa caracterizada de forma muito tradicional, em que a igreja ainda é de suma importância no seio da sociedade e a mentalidade que impera é um tanto quanto mesquinha. Aquela imagem da “Sua Reverência” ser quem mais tem influência na comunidade, o facto de só os “doutores” não serem casos perdidos e elementos inúteis da mesma, são tudo temas abordados.
O que, a meu ver, se torna central neste primeiro romance de José Rentes de Carvalho é o tão conhecido desespero, dos dias de hoje, de querer sair do país. Vivemos numa era moderna em que quem pode vai para fora por não sentir esperança em Portugal. Que dizer das pessoas que viveram a sua juventude durante os tempos de guerra, da PIDE e da soberba instabilidade internacional? Para além do passo errante é esta aflição, esta tentativa de ser completamente livre num mundo onde o rapaz possa concretizar os seus sonhos que Montedor nos mostra.
Com uma linguagem simples, transmitida em forma de montra, o estilo de narrativa do nosso escritor português é de puro deleite, frontal, sem qualquer constrangimento e muito expressivo. Estou, sem dúvida, com vontade de ler mais obras suas. Ao todo, já são onze as que estão publicadas pela Quetzal e, quem sabe, não pego em Ernestina brevemente. Recomendo.
O Carlos Vaz Marques fez uma entrevista bem interessante ao J. Rentes de Carvalho no seu Pessoal e Transmissível. Penso que ainda deves conseguir encontrar isso no site da TSF.
Também estou para entrevistar o sr. Rentes de Carvalho há algum tempo. A ver se tal acontece ainda este ano.
Obrigada pela referência 🙂