Entrevista a Afonso Lima, Músico, Produtor, Editor, entre outras coisas [ZigurArtists]

Na saga das pessoas mais-do-que-fixes que tenho conhecido por causa do blogue, o Afonso Lima é uma delas. Falámos nesta entrevista durante meses, acabámos por estar juntos algumas vezes, mas o ambiente nunca proporcionou a que realmente a entrevista se desse… Até agora. Na sua Playlist da Quinzena, em tom brincalhão chamei-o de tosco, parece que pegou, mas garanto que é com um tom carinhoso que lhe chamo isso! O Afonso é uma daquelas pessoas que também não pára, que intervém em várias áreas e que se move pelo entusiasmo e pelo gosto que tem pelas coisas. Acho que não preciso de dizer muito mais e que ao longo da entrevista vocês se vão aperceber do que estou a dizer, até da parte do tosco! Eheheh. Fica também a nota que a ZigurArtists é das associações mais lindas, com as pessoas mais fantásticas, que já conheci! 

Nós bem temos tentado conversar, mas tem sido complicado. Diz-me lá, em que andas tu tão ocupado? Ouvi dizer que acabaste este mês o teu mestrado… Onde é que isso e a música se cruzam?

Olá Sofia! 🙂 Antes de mais obrigado pelo convite e por revelares ao mundo que sou um tosco. Apesar de ser difícil conversar pessoalmente até temos trocado bastante ideias. Mas passando ao que interessa… 

Em poucas palavras: grande parte do meu tempo dedico ao meu trabalho na área da consultoria financeira, outra parte tem sido ocupada com a investigação para a tese de mestrado (finalmente entregue e apresentada), e finalmente a parte mais visível que é tudo aquilo que é conhecido ZigurArtists (Zigur, ou ZA, como queiram chamar), onde tenho estado presente em praticamente tudo o que é conhecido daqui, por vezes até demais. Nisto tudo ainda vou arranjando tempo para dar atenção e estar com família, amigos e também comigo mesmo.


Relativamente à segunda parte da pergunta – e continuando a tentar ser sucinto -, o mestrado que frequentei é no ramo da gestão de industrias criativas, sector onde, alegadamente, a indústria musical, as suas actividades-core (produção, composição) e actividades complementares (distribuição, edição, etc), se podem incluir. O curso foi desenhado para, entre outros objectivos, promover a profissionalização do sector criativo. No meu caso em específico, no meu trabalho de investigação – que tinha como propósito analisar os negócios criativos numa perspectiva centrada no processo criativo -, recorri da minha experiência nos vários ramos das IC em que estou envolvido pela ZA, desde a produção de música, edição, aos eventos, para me fornecer alguns fundamentos para a minha visão teórica. Por outro lado penso que a revisão de literatura que fiz dotou-me de uma melhor capacidade de compreensão da dinâmica destas actividades, e especificamente na produção e divulgação de música. Alias, durante a minha defesa de tese utilizei recorrentemente o exemplo de uma banda, o seu processo criativo, e as suas especificidades e implicações ao nível da gestão. 

És uma das caras da ZigurArtists, mas ao que sei és uma espécie de multi-funções. Aliás, um dos primeiros projectos musicais da ZA não foi teu? Que é que nos podes dizer sobre ele?

That might be a misconception. 🙂 

Primeiro a cara da ZA devem ser os seus artistas, as músicas, os eventos. Se existem caras da ZA para lá disso é porque em algum momento não estamos a fazer o nosso trabalho bem (e eu estou em crer que estamos a fazer bem). 

Relativo às tuas perguntas, talvez uma recontextualização cronológica responda melhor: Antes de haver ZigurArtists, havia um grupo de miúdos que iam fazendo música e tocando uma malhas em Lamego. Eu fui integrante dos 1327, e posteriormente ManInFeast. Nestes dois projectos tive a sorte de trabalhar com pessoas que, de uma forma ou de outra, partilhavam esta mesma vontade de querer criar algo um pouco maior que eles próprios, com quem aprendi bastante, nomeadamente o Guilhermino (Serrabulho, TSO) que foi um sensei para os ManInFeast, o Manel (Morsa, C&C, azul-revolto) o Pina e o Zé Pam (Tales and Melodies) e o Zé Miguel (Twisted Freak) meus parceiros de crime desde o início, os manos Lobões (Before And After Science) e o Riscos que também estiveram na produção do primeiro ZigurFest. Após varias ideias e tentativas que fomos tendo, com o convite do TRC para o primeiro ZigurFest a ZA começou a ganhar forma. Nisto, lancei o desafio ao Manel de fazer um EP- na promessa de ajuda-lo a editar e lançar, ele chamou a Daniela, cedi-lhe o meu estúdio e surgiu Morsa (entretanto aproveitou com o Zé Miguel para se fechar no estúdio para criar C(u)ore & Colors). Neste processo, eu e o namorado da Daniela maturamos uma ideia que já vínhamos a alimentar há algum tempo: criar uma netlabel fundamentada no principio da livre partilha para promover música que normalmente fica fora dos circuitos, com algum enfoque na que é produzida no interior, pois enquanto músico já tinha sentido os efeitos do estigma cultural das “capitais” face à periferia. Com isto surgem os primeiros lançamentos de ManInFeast (editado em CD pré-ZA), Twisted Freak (já produzido pré-ZA), C(u)ore & Colours e Morsa (produzidos já no universo ZA). 


Após recontextualização: ManInFeast, é um projecto de rock progressivo, com rasgos de metal e uma enorme pretensão conceptual, que envolvia, para lá da música, literatura, filosofia, arte visual, etc. Apesar de tudo, essa pretensão permitiu-nos explorar musicalmente barreiras que tínhamos como convencionais.

O facto de ser um projecto que admitia a sua mutação tornava a composição muito dinâmica e diversificada. Creio que falo por todos os envolvidos que aprendemos muito dessa experiência. Ter estado no epicentro da criação da ZA, foi também o que, em parte, provocou o seu “fim”: durante o tempo que em que preparávamos para gravar o novo álbum surgiram o TRC ZigurFest e outros projectos dos membros. Contudo, existe um álbum (em pré-produção, que te envio duas faixas em anexo a esta entrevista) que nunca foi devidamente gravado, e apenas aguarda, segundo o Zé Miguel, que os astros se alinhem. 🙂 

Mesmo com toda esta actividade, enquanto músico não tens apresentado coisas da tua autoria. O que é que te levou a “pendurar as botas” (como se diz no basquetebol) no que toca à tua pessoa enquanto músico?

Ser-se músico é um pouco diferente de ser atleta (também já o fui): A música é uma forma de expressão humana, e ainda que não o faça publicamente, um músico nunca deixa realmente de se expressar através da músico. Mas é verdade que passei de alguém que todos os dias tocava guitarra, ou piano, para tocar muito raramente. E consequentemente acabo por produzir menos. Contudo, nos últimos anos ainda fiz uma experiência sob o nome SculpturEyes, outra sob um nome que não vou revelar, fui guitarrista para os concertos de Morsa, e também com o Manel (Morsa) fiz uma espécie de residência artística (em casa dele, ahahah) que resultou num concerto único sob o nome Chaos Emeralds. Entretanto também tenho-me aventurado a explorar um pouco mais na área da manipulação de som (que é como quem diz: música de botões) o que me tem feito gastar muito tempo até conseguir dominar as técnicas que quero para chegar a um resultado que me agrade. Tenho-me aventurado a mandar uns rascunhos pelo meu soundcloud, mas nada ainda de muito sério. Recentemente apercebi-me que tenho passado algum tempo em unidades industriais, o que tem influênciado a forma como vejo o som e a música, e penso que de alguma forma, estou a tentar trazer essa experiência para algo tangível e audível. Nada que já não tenha sido feito, mas senti isso agora. 

Por outro lado penso que esta minha ausência da produção também se deve ao facto de ter muitas ocupações, nomeadamente dentro da ZA, uma vez que o facto de estar mais conotado com a parte, digamos, “administrativa” da ZA, leva a que tenha (ou aparente ter) menos disponibilidade imediata, e consequentemente seja chamado menos vezes para simplesmente jammar. Mas penso que me pode bastar ter uma das minhas guitarras (ou um baixo!) mais perto de mim para voltar a ser mais activo nisto.


Ainda assim ouvi dizer que o teu regresso não está assim muito longe… Vamos ter surpresas brevemente?

Calúnias, é o que tens ouvido sobre mim. :p

Até ao momento está tudo guardado porque parte são apenas planos, outra parte ainda não é momento de revelar. Posso adiantar-te que, fruto da exploração na manipulação de som que tenho vindo a fazer, vou participar, enquanto músico, num dos projectos que está para a ser preparado na ZA, que envolve muita gente desta casa (e sei também já tiveste conhecimento), e que é para para mim um dos mais relevantes em termos de posicionamento da label, e vai ser revelado em forma de edição. Para saber mais sobre este projecto só com o Manel (Morsa, e acho que já estou a falar muito dele). A partir disso, vou começar a reunir material desse género que tenha, e ver o que sai.

De resto, o Ricardo está a activar (em pleno) um estúdio/sala de ensaios no Porto, e temos a intenção de utilizar esse espaço para produzir produzir músicas que estão na gaveta há demasiado tempo. Temos experimentado algumas coisas, mas ainda vai demorar até termos algo que possamos mostrar. Tenho falado com vários membros da ZA, no sentido de criarmos algum projecto colaborativo, mesmo que pontual, tal como fiz com o Manel. Realmente, gostava de te dar mais notícias, mas ainda é prematuro. Mas quem sabe?…

Em relação à direcção ZA, fala-nos do teu papel por lá e que balanço fazes desde que foi criada?

O meu papel na ZA tem sido descrito como “o Chato”, até mais vezes do que “o tosco”. Eu sinto que o meu papel aqui tem sido tentar tornar este movimento que surgiu, um pouco, sob a forma de Zona Autónoma Temporária (vide Hakim Bey, 1991) num movimento que ultrapasse a barreira do momento e das ‘caras’. As caras da ZA são as edições que fazemos e os músicos que as criam – a arte é eterna –, e mais do que ter reconhecimento agora, interessa-me deixar esse tipo de legado. E o meu papel resume-se muito a fazer uma série de coisas, e coisinhas, (e chatear o pessoal) em prol desse legado, que não é meu, mas de todos.

Fazer um balanço da ZA, não é propriamente um desafio fácil. 🙂

Começando pelo geral: a nível de colectivo, penso que temos vindo a reforçar os elos de ligação entre os membros, e o reconhecimento e empatia pela casa. Este é um processo demorado, por ter de ser natural, e que às vezes tende a parecer que ou estamos a ser demasiado elitistas, ou demasiado underground (depende de quem vê), quando na verdade nos estamos a limitar a criar e fortalecer uma identidade colectiva, e isso é algo que se vai construindo com o material que é lançado, e com os nossos eventos. Se no início a ZA seguiu uma direcção definida, essencialmente por mim e pelo António, cada vez mais vejo a vontade de participação de decisão e estratégia de vários membros. O desafio aqui é criar, numa organização sem fins lucrativos, mecanismos de decisão que acomodem essa participação mais democrática sem criar entropia ou incoerência. 

Quanto à Netlabel tenho um balanço bastante positivo. Conseguimos servir de plataforma para a realização de projectos dos membros fundadores, como Morsa, Twisted Freak, Tales and Melodies e atrair, incorporando de forma activa, artistas como Mr. Herbert Quain, azul-revolto, MoPrez, O Manipulador, e Daily Misconcenptions mais do que como artistas, mas também enquanto pessoas que abraçaram os nossos propósitos. Adicionalmente, temos tido novas e interessantes propostas de edição, de pessoas, realmente talentosas, que já nos procuram para trabalhar connosco. Pela frente temos o desafio de saber manter o equilíbrio entre novas entradas e coerência da identidade, e o desafio de promover a reincidência dos artistas no catálogo.

Ao nível da intervenção cultural local, na cidade Lamego especificamente, penso que conseguimos colocar Lamego no mapa do circuito da nova cultura emergente, pelo menos no que toca à música. Sinto também que até ao momento tenhamos sido uma influência positiva na comunidade da região: É a minha perspectiva que ajudamos a fomentar uma auto-confiança artística da região, a abertura a novas experiência culturais – quebrando distâncias entre o artista e o público – e uma renovada abordagem à promoção cultural. Neste momento torna-se urgente voltar a Lamego e estabelecer um elo mais coeso e constante com a cidade e a região.


O que é que, na tua opinião, é mais importante quando se dirige uma netlabel como a ZA?

Penso que em grande parte, dirigir uma uma netlabel, numa organização sem fins lucrativos que, portanto, está muito assente na motivação individual de expressão artística, acarreta o desafio gerir efectivamente, e não cair na tentação de entrar por um caminho de auto-gestão: a proposta é simples, e até fácil de executar, mas quando o nosso valor é reflectido ao colocarmos a nossa marca é importante fazê-lo sempre de forma a reforçar o papel essencial de uma netlabel – curadoria artística.

Isto reflecte-se, a meu ver em dois pontos de gestão fundamentais: o primeiro é a gestão de expectativas dos artistas que estão connosco e os que nos procuram – pois, se por um lado primamos pela diversidade o que acarreta objectivos e formas diversas, por outro é importante estarmos todos conscientes do âmbito e limitações do nosso trabalho, e como tal partilharmos objectivos comuns; o segundo é a indução da motivação para criar obra no colectivo, quebrar alguns preconceitos da distância que vão desde a ideia base de ‘o que constitui uma obra’, à divulgação do trabalho final, e nesse ponto o nosso papel é prestar o apoio na superação de obstáculos durante esse caminho.

No caso da ZA, em específico, penso que o ponto principal é saber gerir como se trata uma família: Nem sempre estamos de acordo, temos vontades diferentes, formações diferentes, objectivos diferentes, mas no fundo sabemos que o que nos une são laços que são superiores a isso. E isto é importante que se sinta todos os dias. Da mesma forma que as pessoas não são só família em ocasiões especiais, o importante aqui é que todos saibam que não se é ziguriano apenas no Zigurfest, para um lançamento, ou nos dias de concertos: é algo que de certa forma sentimos como se já tivesse nascido connosco, pois está-nos no sangue.

Este início de 2015 tem sido muito activo, já com trabalhos de Twisted Freak e o split entre O Manipulador e Daily Misconceptions. Ainda assim, há muita gente que desconhece o trabalho que vocês vão fazendo. Quando se fala em músicos da ZA, o que é que as pessoas podem esperar?

E vêm aí mais coisas boas. 🙂

No meu ponto de vista é tanta coisa que se pode esperar, pois, como já referi, a diversidade é desejada. Mas, essencialmente, penso que o ponto mais comum é a genuinidade na expressão artística, que leva a um sentido estético, de cada um, muito próprio. Não diria que os nossos músicos façam música para si, mas por si; porque é algo que precisam de expressar.

De qualquer forma, acho que o permanente gosto pela espera do inusitado é algo que temos cultivado nas pessoas que nos conhecem e seguem o nosso trabalho, enquanto netlabel, e mesmo promotora. Temos um sentido de contrariedade muito forte quando nos dizem “vem por aqui”: muitas vezes não sabemos ao certo por onde vamos, mas sabemos que não vamos por ali.

Onde é que entra a componente económica, já que todos os discos são disponibilizados digitalmente de forma gratuita?

Se quisesse continuar na onda poética diria que não entra, que somos todos unicórnios que nos alimentamos das cores do arco-íris. Mas a economia está presente aqui, contudo não na forma convencional, sobre a ideia de um modelo de negócio para obter rentabilidade económica.

Essencialmente, e esta parte é muito difícil para a maior parte das pessoas perceberem, a Zigur não é uma empresa, é uma associação cultural, que se baseia numa plataforma colaborativa, para a realização de projecto: a plataforma não se pressupõe rentável, mas os projectos potencialmente sim.

Começando pela parte do investimento, essencialmente nós investimos do nosso tempo, esse tempo, que poderia estar aplicado noutros trabalhos (até remunerados), ou em momentos de lazer, idas ao café, à praia, etc, para nos dedicarmos a algo que acreditamos que iremos rentabilizar.

Essa rentabilização vem na satisfação individual da necessidade humana de nos expressarmos artisticamente e de produzirmos algo com impacto cultural positivo, para nós individualmente e para a comunidade onde nos inserimos. Resumidamente: nós investimos do nosso tempo para obtermos uma satisfação maior do que ouvir música ou ir a festivais, mas que advém de cria-los. 

Adicionalmente, e porque vejo a ZA também como uma plataforma para realização individual, a rentabilização económica advém dessa construção: os nossos artistas constituem portfólio que lhes permite dar concertos, e serem remunerados por isso; individualmente desenvolvemos competências com aplicabilidade em várias áreas (do mundo dos negócios) através das quais podemos gerar esse rendimento monetário.

Outro ponto é que também temos artistas do nosso catálogo que quiseram investir em ter um formato físico, Tales and Melodies, azul-revolto e o LOP de Daily Misconceptions e O Manipulador, não pelo objectivo de obter um ganho financeiro mas pelo gozo de ter e poder proporcionar a possibilidade de quem gosta deles ter esse formato e contribuir para eles directamente. Por isso a todos os que apreciam o que eles fazem, recomendamos que comprem a edição física.

Sei que és daqueles que acredita que com pouco se pode fazer muito, mas não se torna cansativo, até frustrante? Como é que dás a volta e continuas com essa tua vontade contagiante de divulgar boa música?

Antes de ser cansativo o que faço, faço-o porque me dá prazer. Procurar coisas que nos trazem prazer é potencialmente cansativo e frustrante porque tem intrínseca uma expectativa. Eu escolho um caminho que tente que tenho gosto de percorrer. É como alguém que gosta de jogar à bola e quer marcar golos e ganhar. Uma vezes ganha, outras não, e até pode estar jogos seguidos sem marcar golos, mas se gosta mesmo de jogar à bola, então chegará sempre ao fim do jogo e diz “soube-me bem jogar, valeu a pena”. Eu gosto do que faço, faço com gosto. O gosto de estar envolvido na criação destes projectos, sejam os álbuns, seja a organização de concertos, vale-me porque me dá gosto. Claro que gostava que o sucesso imediato disto correspondesse ou superasse a expectativa. Mas como gosto do que faço, faço-o de novo, e tento não limitar a minha noção de sucesso ao imediato, mas ao que pode resultar no longo prazo. No fundo simplesmente gosto de jogar à bola, por isso vou recorrentemente jogar, eventualmente irei marcar um golo decisivo e ganhar.

Existe algum país onde achas que a ZA pudesse vingar mais? O que é que achas que falta em Portugal para haver mais apoio aos nossos artistas?

Penso que existem muitos países e cidades onde a nossa música pudesse vingar. Acredito no seu potencial além-fronteiras, e desejo a realização desse potencial. Mas sinceramente nem penso muito nessa ideia de que ZA podia existir e ser melhor sucedida noutro contexto. Este contexto nacional é o contexto que nos permitiu/incentivou a olhar para o que fazíamos não numa óptica individual, tendendo a uma abordagem competitiva, mas numa óptica colectiva, onde a colaboração e a co-produção são chave. Da mesma forma que a ZA existe pelo contexto local de Lamego. É desta forma não podia ser de outra forma, e tudo isto tem as suas implicações no sucesso, mas estão interligadas.

Quanto ao apoio aos nossos artistas, eu sou um liberal pouco fundamentalista: acho que não cabe ao Estado definir ou impor o que é cultura e arte, mas há uma responsabilidade de todos nós, enquanto Estado, de assumi-la e valoriza-la. 

A arte e cultura são expressões individuais e colectivas, necessárias ao ser humano e isso é importante reconhecer. Cabe-nos também a nós, que nos assumimos como artistas e curadores, expressarmo-nos. E assim, procurar produzir património cultural de tal forma confiante e persistente até que faça de tal forma parte da vida em sociedade que assumir e reconhecer o seu valor se torne natural. Ao mesmo tempo aprender a valorizar não só a cultura que nós produzimos, mas a que se vai produzindo (aceitar mais a ideia de cooperação e menos a de concorrência).

Numa abordagem pragmática ao momento, toco no papel do Estado de assumir o valor da cultura e a expressão artística para lá do seu valor instrumental (ainda que também seja importante reconhecê-lo): a nossa cultura não serve apenas para movimentar multidões para espaços de consumo, para atrair turistas, ou mesmo chamar à atenção para causas humanitárias; Cultura serve ao indivíduo e à sociedade porque lhes cria valor (satisfação na vida) e identidade. Reconhecer isto implicaria que se mexesse na educação (escolar, mas não apenas escolar) essencialmente transmitindo esta noção de valor intrínseco da cultura. Isto, acredito, que seria consequente ao nível dos apoios ao sector cultural.

Ao nível político, penso que também poderá ser útil esclarecer qual é o enfoque de investir na cultura. O novo programa europeu para o sector criativo e cultural tem um enfoque enorme nos artistas emergentes. Talvez valha a pena pensar-se o que realmente se pode fazer pelos artistas emergentes que são emergentes há 10 anos e por aqueles que nunca tiveram a oportunidade de emergir. Penso que a clara distinção do que são negócios criativos e entidades com fins culturais, pode também ajudar a tornar os apoios bem mais eficientes.

Adicionalmente, e porque não perderia oportunidade de o re-afirmar: existe um estigma cultural muito vincado em Portugal, como se existissem vários patamares de cultura por área geográfica, o que se acaba por reflectir num provincianismo transversal. Toda a gente a olhar para se tornar cosmopolita, e esquecem-se de olhar para o chão que pisam. Isto, na verdade, acaba por ser transversal a todas as áreas de actividade. É importante quebrar esse estigma, e a sociedade abraçar o país em que vive, no seu todo, e não tomar a sua terrinha por Portugal. Isso passaria, mais uma vez, por haver vontade política, e por se mexer na educação.

O que é que esperas do teu futuro? Tanto como músico como na ZA e fora dela?

“Não sei o que o amanhã me trará”. Mas espero continuar a conviver e “fazer coisas” com este grupo incrível, e que continuemos a contagiar pessoas com este bichinho de querer fazer e fazer. Espero também voltar a expressar-me mais recorrentemente enquanto músico. Espero continuar a desenvolver trabalho que possa ser relevante quer ao nível da minha especialização académica, quer ao nível da minha carreira profissional, tentando encontrar formas em que todos estes campos se interliguem. Essencialmente continuar a fazer cada vez mais coisas que gosto. 

Ah! E aprender a dar respostas mais curtas e menos pretensiosas. 🙂


Bandcamp ZigurArtistshttps://zigurartists.bandcamp.com/

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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