Entrevista aos Moe’s Implosion, Banda Portuguesa

Foi numa bela tarde solarenga que o João e o Sebastião, membros dos Moe’s Implosion, se juntaram a mim para uma conversa bem disposta que começou por rever o início da banda há praticamente uma década atrás, até ao lançamento do mais recente disco, Savage. Em 2005 realizavam a sua primeira maquete, em 2007/2008 eram os grandes vencedores de concursos de bandas de garagem e nesse mesmo ano lançaram o primeiro EP gravado com o Makoto nos estúdios Blacksheep. Em 2010, o Sebastião entra para a banda e – “veio revolucionar isto tudo (risos)” – em 2011 temos o primeiro disco de longa duração Light Polution que foi resultado de um processo muito na onda da filosofia do it yourself no que à gravação do mesmo diz respeito. Se as diferenças de sonoridade foram óbvias entre o primeiro disco e este segundo, também neste último – Savage – a banda volta a trazer frescura e novas experiências. Resumido o percurso discográfico, é hora de saber mais sobre motivações, processos criativos e projectos futuros.

Fotografia por Cláudia Andrade

Voltar atrás é sempre um bom exercício e foi desse início, com vista no futuro, que partimos: «Nós começámos com Moe’s Implosion quando tínhamos 15/16 anos. Quando és miúdo e começas algo assim, não sabes muito bem quanto tempo é que vai durar. Mesmo quando demos o nosso primeiro concerto e antes disso tivemos de arranjar um nome, pensámos sempre que ia ser temporário. Nessa altura fizemos uma lista, demos aos nossos amigos, eles votaram e ficou Moe’s Implosion. Anos passaram e ficámos com o mesmo nome.», contou-nos o João. «Não é o pior nome que os colegas podiam escolher, por isso tiveram sorte. (risos)», comentou o Sebastião. 

Depois de um processo à base de votos pelos colegas do secundário, deu-se então o início oficial de um percurso que já leva dez anos, mas que passou, inicialmente, por muitos concursos de bandas de garagem: «Os concursos serviram basicamente para nós tocarmos. Nós não tínhamos know-how nenhum sobre como contactar as pessoas ou os locais para tocarmos, nada como agora. E acabaram por ser um desafio para nós, como uma espécie de montra para mostrar às pessoas, e a questão do dinheiro também era fixe para podermos ir gravar ao estúdio do Makoto. Acabámos por ter sorte e ganhámos alguns e em 2007 gravámos o nosso primeiro EP.»

O primeiro disco de longa duração só veio em 2011 e as mudanças sonoras foram consideráveis. Terá sido a entrada do Sebastião? «Eu pu-los a mexer, eles estavam a precisar um bocadinho (risos)» (Sebastião) Em relação ao porquê de terem demorado tanto tempo, eles explicaram: «Depois de sair o EP, a nossa prioridade foi tocar ao vivo, passámos por uma série de sítios bem porreiros, mas chegámos a um ponto em que precisávamos de parar e compor coisas novas porque já estávamos a enjoar de estarmos sempre a tocar as mesmas coisas. Iniciou-se então o processo de composição do disco. Foi um pouco moroso porque definimos novos patamares e objectivos mesmo a nível de música – uma vontade de experimentar algo que ainda não tivesse sido feito antes.» (João)

«Implicou mudanças. Quando fizemos o Light Polution, por opção nossa, quisemos fazer nós o disco e gravarmos nós o disco. O Fred estava a experimentar na altura, investimos o dinheiro que tínhamos em equipamento para gravar e parte da aventura do disco demorou um pouco mais porque foi tudo feito por nós, ao contrário do EP anterior. Nós tivemos que compor as músicas, tivemos que aprender a gravá-las e ainda como tocá-las! (risos)» (Sebastião)

O disco teve o dedo do Chris, que também já tinha trabalho com Omar Rodriguez (The Mars Volta): «Ele esteve cá em Portugal a tocar com Riding Pânico e a gravar com Paus. Nessa altura marcámos um encontro, falámos com ele e ele acabou por masterizar o disco. Foi muito fixe.» 

Em relação à sonoridade, de disco para disco coisas novas têm sido mostradas e isso também acaba por ser reflexo do crescimento natural dos elementos da banda, entre outras razões que eles nos explicam: «Nós nunca estabelecemos um caminho. Nós juntamo-nos na sala de ensaios e vamos fazendo jams, ou como lhes queiram chamar, para experimentar coisas. Para este disco (Savage), quando começámos a trabalhar nele, antes de começarmos a dizer “queremos isto, queremos aquilo”, começámos por dizer “não queremos isto, não queremos aquilo”, limitando um bocado o processo. Ao limitarmos o processo, ajudou a que uma série de coisas acontecessem, nomeadamente este disco ser um bocadinho mais directo, mais conciso nas ideias.» (Sebastião)

«Fazendo o balanço entre estes últimos dois discos eu consigo ver coisas opostas, coisas que acontecem num e não acontecem no outro. Mas sinto que até foi propositado, como a estrutura e a duração das músicas. Acho que neste último disco elas têm muito mais a dizer a nível lírico, houve muita vontade de dizermos alguma coisa que inspirasse as pessoas ou até alertá-las. Não num sentido interventivo, mas mais num sentido emotivo.» (João)

Um disco intenso é de certeza e pela minha opinião poderão constatar isso. Mas voltando às músicas de Savage, perguntei-lhes pela composição das letras: «São escritas maioritariamente pelo Sancho, mas passam sempre pelo crivo dos cinco.» e logo a seguir se consideravam o disco conceptual: «É engraçado que ele ao início não foi feito com esse propósito, mas agora que estou (João) um bocado mais afastado vejo que até consegue ser em vários aspectos. Na última fase de produção tentámos que o alinhamento fosse muito seguido, que o próprio disco tivesse uma dinâmica que desse para ouvir do princípio ao fim sem cansar, que fosse uma experiência contínua. E há uma coisa que eu costumava falar muito com o Sebastião que é as pessoas terem perdido o hábito de ouvir um disco do início ao fim. É muito fácil, hoje em dia com a internet, construir playlists e tocar uma faixa daqui e uma faixa dali. Não é como antes em que tinhas um vinil e não podias estar a trocar de música, nem querias, ouvias tudo do princípio ao fim como um todo.»

«É como ires ouvir o Dark Side (of the Moon, Pink Floyd) e só ouvires uma música, não faz sentido! (risos)» (Sebastião) 

Tendo havido este cuidado, perguntei-lhes se havia alguma mensagem que eles queriam passar com o disco: «A nível de mensagem ele é aberto às interpretações de cada um. Quisemos que fosse assim e não algo muito objectivo, para cada pessoa tirar a sua própria experiência. Falando por mim (João), da minha interpretação, eu vejo muito a questão da dor. Não no sentido violento, mas dor em várias perspectivas. A dor de te sentires frustrado com alguma coisa, de sentires saudade, de sentires que queres atingir os teus sonhos e ainda estares a meio. Mais nessa perspectiva e em cada música eu sinto que há isso. Inclusive a dor de seres posto de lado. Joga muito com as emoções de dentro.»

«Foi um disco que surgiu numa altura complicada para todos. Nós temos todos mais ou menos a mesma idade e nestes últimos dois anos aconteceram muitas coisas nas nossas vidas. Houve quem acabasse a faculdade, quem começasse a trabalhar, quem ainda não tenha acabado… Tantas perspectivas que a pergunta é um bocado – o que é que te garante daqui para a frente? Será que a banda te garante alguma coisa daqui para a frente? O que é funciona na banda? O que é que não funciona na banda? O que é que funciona na tua vida e o que é que não funciona na tua vida? E dos conflitos contigo próprio e dos conflitos com as outras pessoas, às vezes uma vontade de pegar nisto tudo, pegar na banda e levá-la para outro sítio qualquer do mundo, acabou por gerar todo um sentimento de mágoa, até de dor, como o João fala, e o disco acabou por ser um envelope de tudo isto que se passou nos últimos anos. Nós gostávamos de ter feito uma série de coisas, enquanto banda, que ainda não conseguimos e gostávamos de, enquanto pessoas, também ter uma série de coisas que ainda não conseguimos ter. Portanto, este disco é uma transição no sentido de: ok, os nossos sonhos são estes. O que é que tu fizeste para os alcançar e o que é que ainda consegues ser para os alcançar? Não sei se é uma mensagem em específico que se encontra nas letras, mas quando ouço o disco e quando me lembro daquilo que nós os cinco vivemos enquanto o estávamos a fazer é essa a imagem que me vem – é uma manhã cinzenta e a pergunta – o que é que vai acontecer?» (Sebastião)

Perguntei-lhes se achavam que a banda neste momento já deveria estar noutro patamar de evolução, dado o que tinham acabado de me contar: «Eu acho que nós estamos bem, que evoluímos bem e que estamos melhor do que estávamos no Light Polution – individualmente e uns com os outros, sem dúvida. Agora se gostava que esta banda tivesse tido mais oportunidades, é óbvio que gostava. Acho que merecia. Isto é um discurso que se calhar é um bocadinho repetitivo por parte dos músicos portugueses, mas a verdade é que as oportunidades são difíceis e nesse sentido sinto que esta banda fez um bom trabalho com o Light Polution, um trabalho se calhar diferente, mas que não atingiu tantas pessoas como nós queríamos. E se muitas das pessoas que o ouviram disseram que gostaram e que estavam na expectativa para este disco, porque é que não há mais pessoas a ouvirem? Porque é que não houve um bocadinho mais de impacto? Não sei se estamos onde poderíamos estar, mas sei que agora estamos bem. Acabar o Savage fez-nos bem, estarmos a tocar o disco do princípio ao fim, as músicas todas, faz-nos bem e acho que agora as reacções à banda, exteriores à banda, são um bocadinho mais sérias. Conseguimos passar uma imagem mais concreta daquilo que queremos passar com este disco (Savage).»  (Sebastião)

Savage tem tido destaques regulares, inclusive um lançamento exclusivo pela Antena 3, o que acaba por resultar de forma muito positiva. Quais é que foram as diferenças na promoção de um álbum para o outro para só agora haver este maior destaque ao trabalho dos Moe’s Implosion: «Desta vez nós percebemos que era importante dizer às pessoas que têm uma palavra a dizer que temos um disco. No Light Polution, fruto do “yes, conseguimos fazer o nosso primeiro disco e lançá-lo e ele está cá fora” depois o nosso esforço foi “o disco está feito, vamos marcar concertos”, mas se calhar não fizemos o esforço suficiente do “olha, temos um disco. ouve, é bom”. Neste último, desde o princípio, nós sabíamos que tínhamos de dizer às pessoas que temos este disco aqui. Dizermos às pessoas que “eu tenho estas sete músicas, eu gosto destas sete músicas, eu acho que tu vais gostar destas sete músicas, ouve-as, diz-me o que é que achas e se gostares faz alguma coisa por elas.” E foi nesse seguimento que surge agora o destaque da Antena 3 e uma série de outros destaques por parte de outras pessoas porque realmente fizemos este esforço.» (Sebastião)

«A parte em que fizemos as músicas, aprendemos a gravar o disco, gravámos o disco… Se calhar faltou o resto, promover sozinhos o disco! (risos)» (João)

«Estamos sempre a crescer, essa é a parte boa. Mesmo uns com os outros as relações crescem.» (Sebastião)

«É a tal coisa, a banda existe como Moe’s Implosion desde 2005, mas entretanto poderia já ter mudado de nome e ser outra coisa diferente. Neste momento Moe’s Implosion é todo um processo de crescimento de todos os elemento que nela estão, desde há dez anos para traz. Depois o Sebastião entrou… Cresceste, não cresceste?? (risos)»

«Um gajo entra quando tem vinte, agora tem vinte cinco claro que cresce, claro que mudas!» (Sebastião)

Fotografia por Cláudia Andrade

É nesta parte que eu comento em voz alta que já vou a caminhar para os vinte sete e que ainda os acho muito novinhos! Mas o Sebastião aproveitou para reforçar a sua ideia: «Lá está, dos quinze aos vinte vai uma grande diferença, mas dos vinte aos vinte cinco há uma grande mudança na perspectiva das coisas.»

«A própria música demonstra isso, que são pessoas que estão a crescer de trabalho para trabalho. É como ires ver o teu livro de fotografias e veres o que vestias há dez anos atrás. (risos)» (João)

Mudar de nome acabou por nunca acontecer porque no fundo, contaram-me eles, a banda iria ser a mesma, com os mesmos elementos e a fazer a mesma música que fazem agora, mesmo sendo diferente de trabalho para trabalho. «A verdade é que com o passar dos anos são raras as bandas conseguirem durar o tempo que nós conseguimos, mas isso é mau. Eu acho que isso é mau. É porque não estão reunidas as condições para as pessoas progredirem e evoluírem. Esperam que tu sejas uma coisa gigante ao teu primeiro disco ou até ao teu primeiro EP. Se o teu primeiro EP não resultar e não for assim uma bomba e não estoirares parece que não és nada de relevante. Não é por aí. Acho que toda a gente merece começar, crescer, errar, aprender, evoluir e eventualmente chegar a patamares superiores, seja isso o que for.» (João)

Nesta perspectiva de espaço de crescimento e de evolução, até no mercado, continuei a entrevista questionando-os sobre o que achavam do nosso mercado e qual a perspectiva deles enquanto Moe’s Implosion no mesmo: «Não sei se é de bom tom falar de exemplos concretos ou não, mas os Linda Martini são um exemplo de que é possível ter mercado. Talvez o som ao início fosse um pouco diferente do que é agora, mas o que é certo é que a emoção que passam de disco para disco tem sido a mesma. Foi sendo genuína desde o início que foi aceite por gente mais jovem, por mais pessoas, por pessoas das rádios e dos festivais, e sendo igual a ela própria conseguiu conquistar um lugar. Não é comum neste país que isso aconteça, é verdade, mas acho que nesse sentido eles abrem caminho, eles estão à frente, eles mostram que é possível.» (Sebastião)

«Sempre fomos fiéis a nós mesmos e àquilo que nós queremos fazer e acima de tudo está a nossa vontade em fazer a nossa música da nossa maneira.» (João)

Falámos ainda de mais alguns exemplos como Dead Combo, More Than a Thousand, entre outros, que passaram à margem de todo o tipo de modas e têm persistido e conquistado um lugar sólido na nossa cultura musical. Passámos então às referências propriamente ditas: «As referências, muitas vezes, é tudo aquilo que nos vai marcando ao longo da nossa vida. Filmes, discos, bandas, trabalhos inteiros de uma banda. Tudo acaba por contribuir.» Lancei o desafio de me indicarem um género de livro que pudesse ser uma referência e o Sebastião responde-me com outra pergunta que fez com que acabássemos a rir, pelo tom com que a fez e que deu que pensar: «Estás a falar deste disco ou desta banda? (risos).» Mas continuou de forma mais séria:  «Acho que eu e o João andámos a ler um livro os dois, enquanto gravávamos este disco, que é capaz de ser a resposta de um exemplo de referência – o livro da Patti Smith, Just Kids. É sobre a vida dela quando vai para Nova Iorque, conhece o fotógrafo e se insere no meio artístico. Primeiro como escritora e poeta, depois como vocalista. É um retrato do lado dela, enquanto evolução deles os dois. Ele enquanto fotógrafo e artista plástico e ela enquanto escritora, artista, espírito livre, por assim dizer. A história e a escrita desse livro é uma coisa que prende e emociona.»

A conversa estava tão boa que continuámos a discutir um pouco de literatura como o Jerusalém do Gonçalo M. Tavares, Mia Couto, Afonso Cruz, viajando pelos vários universos. Entre gargalhadas, descobri que o Sebastião é bom a fazer bolos caseiros, apesar de ele ter alertado para se ter cuidado que são espaciais! (Ai que eu sou tão ingénua!) Sou sincera, a partir deste momento a entrevista acabou por se tornar numa autêntica conversa de esplanada, com a imperial como testemunha, sem que houvesse vontade que o restante fosse para aqui chamado e não houve uma despedida formal. Valha que eles não me levam a mal, espero que vocês também não, porque eles são mesmo um espectáculo de pessoas e foi das conversas mais descontraídas, que dentro da seriedade com que encaramos os nossos projectos, nunca deixou de ter um tom bem disposto. Boa notícia é que eles andam em tour e podem apanhá-los já dia 13 de Março no Porto, 14 em Guimarães e dia 18 no Musicbox em Lisboa. Mais datas no poster em baixo.

Ouçam o disco, digam de vossa justiça e apoiem-nos que eles merecem! A minha opinião do Savage, aqui: http://www.branmorrighan.com/2014/12/opiniao-blog-morrighan-sobre-o-disco.html

Encontramo-nos dia 18 no Musicbox?

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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