Foi com imenso gosto que aceitei ir à inauguração d’O Cinema da Villa, em Cascais. Está um espaço muito bonito e confortável, tem zona de café-bar e até de compra de DVDs de filmes, mas é na programação que o grande trunfo se encontra, sendo que promete agradar a vários gostos, incluindo também uma forte aposta no cinema independente. Os blockbusters farão parte da ementa, tal como ciclos de autor, filmes documentais e ainda de animação. Cascais parece ter ficado bem mais rico!
Em relação ao filme com que os convidados foram brindados – Homem Irracional, de Woody Allen – penso que não poderiam ter escolhido melhor. Apesar de o cinema já estar a funcionar há algum tempo, a organização esperou, e muito bem, por um filme que fizesse jus à qualidade que o espaço promete. Este foi primeiramente exibido em Cannes, fora da competição, e eis que agora chega a Portugal tendo como um dos alicerces a obra literária de William Barret – Irrational Man: A Study In Existential Philosophy.
A acção começa precisamente com um professor de filosofia – Abe Lucas (Joaquin Phoenix) – a sofrer de impotência temporária, cuja vida pessoal se resume à bebida e à divagação. Se por um lado a maioria das pessoas o conhece como um génio da filosofia existencial, quem começa a conviver mais de perto com ele sente que pouca existência real existe ali. Eis então que aparece Jill Pollard (Emma Stone) desafiando-o a argumentar com ela uma série de aspectos que vão falando na aula, mas também incitando-o a ter mais vontade de viver. E essa vontade passa também por viverem uma paixão que só se concretiza após Abe planear o crime perfeito. Se começamos com uma vertente filosófica, eis que quando Abe e Jill estão num café a ouvir as injustiças que uma mulher está a passar por causa de um juiz, Abe decide que o mundo ficará melhor sem ele e toma a decisão de dar sentido à sua vida planeando o crime perfeito. Não há como associá-lo ao crime – ele e a vítima não têm qualquer tipo de relação e a forma como tudo é arquitectado torna impossível a sua detecção. Ou assim ele julga. A obsessão na rotina da vítima começa, tudo é planeado ao pormenor e ao milissegundo, enquanto Jill pensa estar a viver uma grande história de amor, com um homem que é auto-destrutivo, sim, mas também fascinante.
Fico-me por aqui porque o filme tem uma vida muito própria. Woody Allen tem décadas de experiência cinematográfica e voltou a apostar num guião ambicioso que poderá provocar opiniões muito distintas. O que mais ficou gravado ao longo do filme foram os pequenos pormenores. As pequenas falas que parecem fúteis à primeira vista, as pequenas acções que parecem não ter importância, mas que mais tarde aparecem reflectidas num derradeiro acto. Claro que o elenco ajuda, os actores foram muito bem escolhidos e os papéis desempenhados de forma exemplar.
Pessoalmente tiro daqui que a cada um tem uma maneira muito própria de ver o mundo e de interpretar a sua própria existência. Os objectivos de vida que traçamos, as relações que escolhemos viver em detrimento de outras são muitas vezes seleccionados sob condições muito emocionais e muito pouco racionais. Onde é que fica o equilíbrio entre uma coisa e outra? Até que ponto as nossas escolhas não condenam não só a nossa pessoa, mas também quem nos rodeia? Sinceramente acho que vale muito a pena ver este filme. Gostei.