Silence is a Boy é uma banda portuguesa que teve como embaixador o Pedro Inês, por muitos conhecido como o Egas dos Maias. Mas a música e o cinema não são as únicas áreas em que actuam, sendo que a dança é a sua profissão primária. Ainda assim, e graças à 2ª edição do Magafest, foi sobre Silence is a Boy, a sua banda, que nos sentámos a falar. Passámos também por outras curiosidades, literárias e cinematográficas, e podem ler sobre isso tudo no texto que se segue.
Tal como tem sido feito nas primeiras entrevistas, perguntei ao Pedro como é que Silence is a Boy nasce e como é que este grupo acabou por se unir. «Os primórdios foram quando fui estudar dança para a Alemanha, há muitos anos, há 17 anos, em que fui para Frankfurt sozinho. Havia pouco para fazer. Ou estava na escola a malhar ou estava em casa. Foi então que comecei a mandar mini discos com musiquinhas para o pessoal, tipo como diário de bordo, digamos assim.» Já com a guitarra nessa altura. «Sim, com guitarra. Depois, para minha surpresa, quando vinha de férias percebia que as músicas que andava a mandar começavam a fazer parte do reportório dos meus amigos. Então começou por aí. Comecei a perceber que o que eu estava a fazer fazia as pessoas contentes e queriam tocar. Se as pessoas queriam tocar e gostavam das músicas, o grupo foi-se formando até gravarmos o primeiro álbum. Depois a partir do primeiro álbum começámos a chamar-nos de banda e com uma formação mais ou menos constante… E, pronto, foi isso.»
Estando fora de Portugal, como é que o projecto tem evoluído? «Eu vivo lá (Holanda) e venho cá trabalhar. Agora como estou cada vez mais velho, sou cada vez menos bailarino e tenho trabalhado em cinema e em teatro em Portugal. Portanto, o que estou a fazer agora, sou um imigrante na minha própria terra. Eu vivo em Amesterdão, tenho lá a minha casa e a minha família e venho trabalhar cá. Estou a fazer o que normalmente faria no inverso, que é o viver cá e trabalhar lá, mas faço o contrário, venho trabalhar para a minha terra. Mas antes disso acontecer, porque isso só começou a acontecer desde há dois anos, antes o que acontecia era eu vir de propósito, além de fazer de férias e ver pai e mãe e aquelas coisas, para curtos períodos de ensaios e depois uns quantos concertos, ou para gravar o álbum ou o EP. Era sempre uma coisa muito focada nas minhas férias, focado nas alturas em que estava em Portugal, demorava ter a banda toda concentrada numa duas ou três semanas…»
Os outros elementos são todos de Portugal? «Eles são quase todos de cá, à excepção da Eliana, que toca órgão e canta, e eu, são quase todos de cá. Também o Nuno Pessoa, que é o nosso baterista e que é uma adição recente – porque nós éramos uma banda sem baterista até há pouco tempo, mas isso tem a ver com o disco ter começado com guitarrinha de quarto, portanto era música de quarto, sem bateria, depois começámos cada vez mais a ficar eléctricos, eu queria uma coisa mais teenager nesse aspecto, então veio o baterista – também vive fora, vive em Espanha.» Deve ser complicado gerir agendas para se encontrarem… «Sim, mas é sempre possível. A coisa gira é essa. Depois de andarmos às voltas com a disponibilidade e não sei quê, é sempre possível. Agora (para o Magafest) temos dez dias, que até agora foi o período mais curto que conseguimos arranjar. Dez dias antes de um concerto. Mas quando as pessoas se juntam forma-se uma sensação de urgência de pica como se não houvesse amanhã e nunca há amanhã. Também tem muito a ver com o material, com as coisas que eu escrevo, são estas coisas dos amores sem o amanhã, aquelas coisas teenagers e nós somos todos trintões, então é pensar no amor e nas coisas com a intensidade de quando tinhas quinze anos e agora não temos quinze anos.»
Fala-nos sobre essas canções. Tens, inclusive, uma música intitulada Lisboa. Tu prestas homenagens a pequenas coisas da tua vida ou àquelas coisas mais corriqueiras? «Embora Lisboa tenha a sua coisa autobiográfica, isso faz-me comichão e não é assim que eu gosto de trabalhar. Eu escrevo histórias. São pequenas ficções, ou melhor, são… Tipo agora vou escrever para uma miúda que só encontro no Bairro Alto. Portanto são aqueles amores em que tu estavas cheio de pica para sair na Sexta ou no Sábado, tinhas de escolher um dos dois porque os teus pais não te davam a Sexta e Sábado, e tu vinhas À Vizinha ou ao Captain Kirk ou ias não sei para onde na esperança de ver aquela rapariga, estás a ver? Pronto, essa pessoa fui eu, mas também foste tu e também foste tu, foi muita gente e eu não estou a pensar numa rapariga em específico, na minha panca quando tinha catorze anos. É só aquela pessoa que tinha uma panca quando tinha quinze anos e são coisas assim.»
Queres-nos falar então desta tua música mais recente, que colocaste vídeo no Facebook? “Vamos para a Praia Curtir” Tem uma letra muito engraçada! «Peguei no nosso guitarrista, ele é fotografo, pedi-lhe para fazer um vídeo no meu carro antigo onde tinha uma câmera presa. Portanto, e vou eu e a Mariana Ricardo que é a nossa musa que toca ukelele, que é argumentista para o Miguel Gomes, e fomos e voltamos à costa. Depois editamos a música por cima. Essa música é uma homenagem, digamos assim, às senhoras da música portuguesa dos anos 80. Ontem estava em casa, estava um dia do caneco, liga-me a Mafalda Veiga e diz “Vamos para praia curtir.” Não conheço a Mafalda Veiga de lado nenhum, como é óbvio, mas depois fomos à praia com todas estas senhoras, com a Lara Li, etc etc. Portanto são ficções, são histórias de alguém que foi à praia e encontrou todas estas mulheres da músicas portuguesa, todas nuas na praia a curtir. O objectivo da música é falar sobre essas raparigas, dessas mulheres que fizeram nos anos 80 e 90.»
A tua veia como actor tem contribuído para as tuas canções? «Sim, eu acho que a coisa do personagem que escreve, em vez de ser eu a escrever, o personagem que escreve, o bêbado deprimente que escreve – temho andado aborrecido e a abusar do bar sozinho, mas já chega desta merda, vou-te a casa buscar, põe um bikini na mala -, este tipo de coisas não sou eu, mas pronto, o trabalho de actor e o trabalho de escrever letras através de um personagem fictício, eu acho que não tem uma coisa a ver com a outra. Depois tenho tentado trazer para o palco, um pouco desta cena indie. Afinal muitas pessoas que estão no cartaz do MagaFest – eu conheço o Simão há muitos anos e o Noberto conheço-o desde pequenino – são pessoas que fazem parte da minha realidade. Somos todos muito Lo-Fi, somos todos muito… A Mariana Ricardo toca ukelele assim… Eu quis, ou estou a tentar muito devagarinho, fazer de Silence is a Boy uma coisa mais performática, uma coisa mais estúpida no sentido em que as pessoas não têm que se proteger tanto, porque há uma imagem que eu imponho nelas, então elas podem estar ainda mais descontraídas. Ainda não consegui… (risos) Mas uma coisa que eu tento sempre fazer é uma história, uma dramaturgia em que às vezes digo ao público, por exemplo, “Bem-vindos a 2043. Este é o concerto reunião de Silence is a Boy. Parámos a banda há 30 anos e, portanto, vamos reunir que eu estou a morrer.” Foi uma coisa de alguns anos atrás. Então, pronto, há a ideia de nós sermos muito velhinhos e estarmos a tocar estas músicas de quando nós éramos novos. Pronto, tenho tentado fazer experiências nesse sentido. Este para o MagaFest estou a pensar, talvez seja algo baseado numa coisa que tenha acontecido alguma coisa lá fora. Tipo um ataque de zombies é uma coisa cliché demais, mas alguma coisa que faça com que estejamos todos na Casa Independente e o mundo lá fora não existe ou está terrível. Se calhar, alguma coisa também com isto das políticas, tentar contar uma história, pronto, tipo que seja o último concerto da humanidade ou qualquer coisa, ainda não sei bem! (risos)»
Silence is a Boy é algo que queres mesmo que cresça tanto em Portugal como lá fora? Como é que então acabas por encaixar a música entre a dança e o actor? «Sim. O conceito de profissão… Eu sou performer. Estudei dança moderna e clássica na escola, mas há muito tempo. Portanto, toda a minha carreira profissional como performer ou como bailarino nunca foi como parte de um corpo de baile. Eu trabalhei sempre como freelancer. Em dança moderna e contemporânea sempre me foi pedido para ser eclético, para usar vários skills para além do corpo. Sempre usei a voz, sempre trabalhei texto, sempre toquei guitarra, há muitas das peças de dança que fiz no passado em que toco guitarra – a parte em que tenho guitarra e toco uma música. Portanto, a noção de especialização em artes é uma coisa que, se calhar, em Portugal é menos celebrada. Eu acho que a malta pensa muito “agora só posso ser actor, senão as pessoas não me levam a sério como actor, se eu me ponho aqui a fazer música, as pessoas pensam que não sou um actor sério”. Eu estou de fora e, se calhar, é a minha primeira ideia e estou errado, mas o que eu penso é que aqui a malta é mais rígida nesse aspecto, porque é muito ciente da sua identidade como produto. São todos “eu quero ser autor”, muito conscientes daquilo que querem ser. Lá fora vês gajos como o Jared Leto, por exemplo, em que é um actor do caneco e vende milhões e milhões de álbuns por ano! Não é o Johnny Depp que toca guitarra numa bandazeca, estás a ver? Está bem que não estamos na América, mas uma coisa não tem que invalidar a outra… Eu acho que consigo continuar um bom trabalho, que estou adorar e que é trabalhar com realizadores portugueses – a cena do cinema é uma cena bué de fixe-, mas consigo fazer isso e, ao mesmo tempo, ter uma banda em Portugal e consigo fazer muitas mais coisas. (risos) Eu tenho 24h num dia, há muito que pode ser feito.»
O teu futuro passa por continuares a viver na Holanda? «Vivo em Amesterdão já há doze anos e acho que sim, que passa por ficar lá. E isso é outra coisa, eu tenho 37 anos e eu levei – tal como vocês têm levado com a mesma coisa, um bocadinho menos propagandista – com a coisa da Europa sem fronteiras, estás a ver? Nem são os Erasmus, agora podes ir estudar lá fora, foi o que eu fiz. Mas levámos com o “vamos poder trabalhar em todo lado e não sei quê” e não é bem assim. É difícil para caraças fazer isso, mas eu faço isso e quero acreditar que posso viver na Holanda e ter filhos putos loiros e holandeses ranhosos lá e estar a duas horas e meia de Lisboa. Porque estou, efectivamente, a duas horas e meia de Lisboa. Que é a mesma coisa de pegar no carro e ir para Faro. E no meio de Holanda e aqui ainda posso trabalhar a meia hora na Bélgica, a uma hora na França, a duas horas em Madrid e em duas horas e meia estás em Lisboa. Está bem que neste campo uma parte fundamental da coisa é andar aí, é andar aqui, é entrar aqui dentro, dar uma linha de coca, beber aqui um copo, ser visto com alguém. Há essa coisa, mas eu acho que não tenho que praticar isso. Eu posso estar lá, não ter que me mostrar e fazer tudo à mesma. Quero acreditar nisso. Se calhar, isto vai morrer agora. Depois do filme de Miguel Gomes estrear amanhã, depois nunca mais faço um filme… Quero acreditar que isso não seja assim. Aliás, quero acreditar que tocando Silence is a Boy que isso me vá dar trabalho em cinema e que pessoas que vão ao cinema vão pagar o bilhete para ver Silence is a Boy. Portanto, acho que é possível levar as duas coisas a sério.»
Indo para as cusquices literárias e porque, afinal, foste protagonista numa adaptação cinematográfica dos Maias. O que é que gostas de ler? «Chuck Palahniuk, o americano que escreveu o Fight Club. Eu gosto muito de ler as cenas dele. Agora assim lembro-me desse, que é super divertido. Não só o Fight Club, mas muitos muitos outros. A maneira como ele pensa, como ele subverte os mecanismos de necessidade… Em relação a’Os Maias, lembro-me na escola de ler aquilo por frete, ler por ter que ler e achar aquilo um frete descomunal. Agora, depois de ter lido o livro três vezes de maneiras diferentes, e mais cientificamente para estudar, para dissecar aquilo, foi um trabalho incrível. A riqueza que está ali dentro e a maneira como há tantas camadas naquele livro, foi um prazer estudar aquilo como deve ser.» Comentei que aos 16 e 17 anos também pode não haver muita maturidade para conseguir absorver todo o real conteúdo do livro. «É verdade e também é uma questão de contexto. É fácil dizer, imagino eu, “Lê este livro, mas estuda o João da Ega.” Estás a ver? Ou seja, estás a ler o livro, estás a ver o João da Ega, mas não está aqui, mas vais ter que continuar a ler. “OK, chegou a parte do João da Ega”, tiro notas, etc. Uma leitura mais participativa, digamos assim, podia ajudar. Lembro-me de estar a ler aquilo e estar pensar que a cor amarela queria dizer desespero! É uma coisa completamente “porra… a colcha da Maria Eduarda!” Estás a ver? Cenas que… Pronto, a contextualização da coisa e o trabalho do professor, acho que são muito decisivos.»
Voltando a Silence is a Boy, o que é que consideras que pode convencer as pessoas a irem ver? O que podem esperar da vossa actuação? «É verem a Francisca Cortesão, que é uma música fantástica – que é a cabeça de Minta & The Booktrout – a fazer back vocals para Silence is a Boy com a Crista Alfaiate – que é actriz e colega, a Xerazade das 1001 noites. São as nossas back vocals. Tivemos o nosso primeiro ensaio ontem e uma das coisas de Silence is a Boy é mesmo o Lo-Fi dos gajos que não são músicos profissionais tentarem ser megalómanos o suficiente em pensarem que podem dar um concerto que ponha a gente doida, e ter estas duas miúdas a fazerem coros com esse mind set de grandiosidade. Acho que vai ser do caneco! Ver isso também é giro! E a Mariana Ricardo que é a nossa Ukelelista e é muito mais do que isso. Mas pronto, é verem as Minta & The Brook Trout, que vão tocar no mesmo dia à tarde, e entrarem num mundo completamente diferente. Vê-las a operar é outra coisa, acho que isso vai ser interessante para quem segue este tipo de música e eventualmente chegue a elas. Depois vais ver uma banda, um grupo de pessoas, a fazer o melhor que pode. Acho que isso é bué fixe. Adoro! Não vamos provocar isso, mas isso acontece de certeza absoluta, mas o que eu gosto mais, por exemplo, quando vou ao teatro, é ver o bacano que se esqueceu da linha ou que aquela merda não abre… Aí é que tens a humanidade, ver aquelas pessoas a tentarem fazer a coisa a acontecer, estarem mesmo a fazer o melhor que podem. E aquilo pode estar a ser uma merda do caneco, mas se eles estiverem a tentar fazer o melhor, aquilo é maravilhoso. É lindo só pela humanidade que viste ali. Vais ver isso e depois vais ouvir melodias bonitas com letras bem engraçadas.»
Para terminar, em tom de brincadeira, comentei com o Pedro que no próximo trabalho vamos ter letras de homem casado. (Ele casa-se brevemente!) «Tipo: Sim! (risos) Acho que não vão mudar grande coisa, mas se calhar sim! (risos)»
Vocês no bandcamp têm um trabalho anunciado para este ano. Achas que ainda vai sair este ano? «Eu espero que sim, mas quase de certeza absoluta que não. Nós trabalhamos com o Eduardo Vinhas no Golden Poney e, basicamente, porque me estou a casar, estou completamente liso, mesmo, e é preciso dinheiro para aquilo. O Vinhas não é o pai natal e nós ainda precisamos, no mínimo, de seis dias no estúdio. Não se está a falar de muito dinheiro porque ele faz preço de amigo, mas é dinheiro que eu não tenho. (risos) Vai demorar algum tempo, mas no início do próximo ano deve sair.»
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A maneira como ele fala d'"Os Maias"… brutal 🙂
Adorei conhecer, e vou ficar atenta aos projectos 🙂
Beijinhos xx
http://www.helenaduque.com
Olá Helena, foi uma conversa muito animada e interessante! Obrigada por leres e gostares :))
Grande beijinho e boas leituras!