Opinião: O meu nome é Lucy Barton, de Elizabeth Strout

O meu nome é Lucy Barton

Elizabeth Strout

Editora: Alfaguara

Sinopse: Lucy Barton está numa cama de hospital, a recuperar lentamente de uma cirurgia que deveria ter sido simples. As visitas do marido e das filhas são escasssas e pouco aproveitadas por Lucy. A monotonia dos dias de hospital é quebrada pela inesperada visita da mãe, que fica cinco dias sentada à sua cabeceira. Mãe e filha já não se falavam há anos, tantos quantos os que Lucy passou sem visitar a casa onde cresceu e os que a mãe passou sem a visitar em Nova Iorque, nem sequer para conhecer as netas.

Reunidas, as duas trocam novidades e cochichos sobre os vizinhos de infância de Lucy, mas por baixo da superfícies plácida da conversa de circunstância pulsam a tensão e a carência que marcaram a vida de Lucy: a infância de pobreza e privação no Illinois, a vontade de ser escritora e a desconfortável sensação de não pertencer a lado nenhum, a fuga para Nova Iorque e a desintegração silenciosa do casamento, apesar da presença luminosa das filhas. Com um passado que ainda a atormenta e o presente em risco iminente de implosão, Lucy Barton tem de focar para ver mais longe e para voltar a pôr-se de pé.

Mais do que uma história de mãe e filha, este é um romance sobre as distâncias por vezes insuperáveis entre pessoas que deveriam estar próximas, sobre o peso dos não-ditos no seio das relações mais íntimas e sobre a solidão que todos sentimos alguma vez na vida. A entrelaçar esta narrativa está a voz da própria Lucy: tão observadora, sábia e profundamente humana como a da escritora que lhe dá forma.

Opinião: Tenho de admitir, tenho sido sortuda com “os chamamentos” dos livros nas últimas semanas. Acontece que não tenho tido muito tempo para ler e o máximo que tenho conseguido é um livro por semana, a grande maioria do livro lido ainda no fim-de-semana. De Segunda a Sexta o meu dia vai muitas das vezes das 6h até perto da meia-noite e mesmo quando tenho tempo para ler antes de dormir, nunca é muito mais do que meia dúzia de páginas. A exaustão tem vencido sempre. Mas depois encontramos livros como o da semana passada, Cheio de Vida, de John Fante, ou este, O meu nome é Lucy Barton, de Elizabeth Strout. 

Na minha opinião, O meu nome é Lucy Barton é uma obra essencial. Não porque a autora ganhou um Pulitzer, mas porque nesta centena e meia de páginas consegue tocar em vários nervos que várias pessoas do sexo feminino têm como sensíveis. O que há de mais delicado que a relação entre uma mãe e uma filha. Por vezes temos aqueles casos em que mãe e filha são inseparáveis, confidentes, melhores amigas. Porém, também temos os casos em que a interacção entre ambas se torna uma espécie de tabu, com mais assuntos não falados do que aqueles que emergem, e mesmo estes últimos parecem quase forçados. 

A narrativa passa-se quase toda a partir da cama de hospital onde Lucy Barton se encontra e onde testemunhamos a sua mãe a passar noite após noite sentada numa cadeira de hospital, recusando-se a dormir numa cama de apoio ou noutro sítio que não ali. A sinopse é bastante reveladora quanto ao conteúdo do livro, mas mais do que a solidão e a carência sentida por parte de Lucy Barton, o que mais me marcou foram as suas ramificações e os seus reflexos na sua vida adulta. A protagonista teve uma infância que muitos poderão considerar traumática, cheia de zonas cinzentas, asfixiante e, por vezes, aterradora. Segundo a mãe, ainda assim ela foi a única que seguiu em frente e que conseguiu: tanto a sua irmã como o seu irmão parecem ainda presos a esses tempos. E Lucy reflecte sobre isso, ao mesmo tempo que salta entre o passado e o tempo pós-hospital. 

Em grande parte da escrita existe uma dor tão latente, tão visceral, que a ideia com que fiquei é que apesar da sua vida seguir em frente, ela não consegue parar de saltar entre os vários momentos da sua vida, bons e maus, reconstruindo o presente a partir do que sobreviveu de cada um desses momentos. Não é que ela não saiba quem é e qual o seu papel, apenas a sua história de vida está vividamente gravada no seu ADN. E depois temos ainda o papel invertido, se bem que pouco explorado, quando a relação com as suas filhas deixa de ser o que ela ambicionava que fosse. Foi a minha estreia a ler esta autora, não sei se existe alguma outra obra possivelmente relacionada com esta, mas que teria panos para mangas para outras ramificações, lá isso tinha. 

Uma coisa é certa. Tenho a certeza que diferentes pessoas terão diferentes interpretações de tudo o que está ali escrito. Acho, honestamente, que pode haver até casos de pessoas que ao se referirem a este livro pensam que se estão a referir a livros diferentes. Existe tanto por onde pegar, por onde analisar, se quisermos escrutinar a obra ao máximo, que no fundo o que é fascinante é que tudo isto é provocado numa história curta e directa. Deixo-vos com uma passagem com a qual penso que muitos amantes de literatura, escritores e/ou aspirantes a, se possam identificar:

(…) os livros trouxeram-me coisas. É aqui que quero chegar. Fizeram-me sentir menos só. E eu pensei: vou escrever e as pessoas não vão sentir-se tão sós!(Mas era um segredo meu. Mesmo depois de ter conhecido o meu marido, não lhe contei logo. Não conseguia levar-me a mim própria a sério. Só que levava. Secretamente, secretamente, levava-me muito a sério! Eu sabia que era escritora. Não sabia quão difícil seria. Mas isso ninguém sabe; e não importa.

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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