Opinião: Novela de Xadrez, de Stefan Zweig

Novela de Xadrez

Stefan Zweig

Editora: Livros do Brasil

Sinopse: Os passageiros de um navio que parte de Nova Iorque com destino a Buenos Aires descobrem que a bordo segue com eles o campeão do mundo de xadrez, um homem arrogante e pouco amigável. Rapidamente se forma um grupo que procura testar os seus conhecimentos de xadrez jogando com o campeão, apenas para conhecer uma clamorosa derrota. É então que um misterioso passageiro avança para os aconselhar, e o rumo dos acontecimentos se altera. Onde adquiriu ele este domínio magistral do jogo do xadrez, e a que custo? Nesta extraordinária novela psicológica o autor oscila, com inigualável mestria, entre um enorme suspense e uma reflexão pungente sobre o nazismo.

OPINIÃO: Não é fácil começar a escrever sobre algo que esteja relacionado com Stefan Zweig. Basta entrar em contacto com a sua história pessoal ou com qualquer uma das suas obras, nem que seja por uma vez, para este nos ficar entranhado. A primeira vez que ouvi falar de Zweig foi em 2014, quando li Mendel dos Livros, publicado pela Assírio e Alvim, chancela Porto Editora. Ao procurar pelo autor e ao constatar que nasceu em 1881 e se suicidou em 1942, pergunto-me como é que só naquela altura cheguei até ele. Porém, não deixo de achas fascinante, mesmo que de forma um pouco mórbida, os timings em que estas conjunções acontecem. Eu sei, ainda não estou a falar do livro, mas quero apelar à vossa curiosidade literária para saberem mais sobre o autor. Tanto em Mendel dos Livros, como agora em Novela de Xadrez, as editoras fizeram um excelente trabalho de contextualização sobre obra e autor, nos respectivos prefácios, o que acaba por resultar num complemento perfeito.


Novela de Xadrez é considerada, por boa parte da crítica, a derradeira obra de Zweig, talvez também por ter sido o último escrito registado antes do seu suicídio. Ao relembrar-me de Mendel dos Livros, e ao ler agora este livro, aperta-me um pouco o coração ao constatar tantos paralelismos entre o autor e os seus protagonistas. Criações fictícias da minha cabeça ou não, a verdade é que me parece inevitável não imaginar todas as provações psicológicas pelas quais Zweig terá passado e de que forma as terá exorcizado nas suas obras. Novela de Xadrez começa por nos apresentar um campeão de xadrez que não tem qualquer tipo de capacidade intelectual para nada a não ser para o xadrez. É já no navio, quando este aceita jogar uma partida de xadrez contra um tripulante muito entusiasmado por o conhecer, que começamos a mergulhar mais profundamente na história do passageiro misterioso, Dr. B, que decide intervir e aconselhar as jogadas contra o campeão. 

A forma como este passageiro nos é apresentado, e a estrutura e o enlace que lhe é dado, faz com que o leitor seja transportado para níveis da psique humana, tão tortuosos quanto terrificante fascinantes, que poucos autores conseguem atingir no registo escrito. O contexto histórico é essencial para que o terror e a paranóia sejam compreendidos. Se são leitores emotivos como eu, esta pode não ser a leitura mais fácil, mas é muito esclarecedora dos tempos que já se viveram. Ainda assim, não podemos esquecer que independentemente do tempo em que estamos, sob determinadas condições, a mente humana consegue cair em lugares comuns onde de um momento para o outro parece ser fácil deixarmo-nos escorregar, passar para “o outro lado”. Lado esse onde damos por nós sem nos sentirmos em completa posse das nossas emoções e acções. O que começa como um entretenimento pode facilmente tornar-se numa obsessão, num vício. E por muito inofensivo que o vício possa parecer, há sempre algo que se perde no processo. O xadrez é aqui usado de forma magistral, através de alegorias curtas, intensas e marcantes. Zweig tem sido particularmente astucioso a descrever obsessões. Talvez por ele também as ter vivido, não sei. O que sei é que este ser humano que nos deixou como património os seus escritos, sabe como tocar e arrebatar quem o lê.

Foi uma bela companhia durante a minha viagem do Porto para Lisboa, mas não consigo deixar de anotar que há sempre um período de ressaca. Sempre que leio sobre Zweig quero mais, quero saber mais, quero escrutinar tudo o que viveu e que o possa ter motivado a escrever as coisas que escreveu, a ter terminado a sua vida de forma tão deliberada e, poder-se-á dizer sem abusar, esclarecida. Um autor que passa ao lado de muitos leitores que tenho a certeza que encontrarão nele o mesmo fascínio que eu. Mas cuidado, não nos tornemos todos num Dr. B 🙂 

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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