Opinião: Doida Não e Não!, de Manuela Gonzaga

Doida Não e Não!

Manuela Gonzaga

Editora: Bertrand Editora

Sinopse: A mulher que enfrentou Egas Moniz, Júlio de Matos e os sábios da época. Filha e herdeira do fundador do Diário de Notícias, mulher do administrador do mesmo jornal, o escritor Alfredo da Cunha, Maria Adelaide Coelho da Cunha veio a ser presa num manicómio, o hospital Conde de Ferreira, no Porto, por um «crime de amor». Os factos relevantes têm início em Novembro de 1918: era uma vez uma senhora muito rica que fugiu de casa, trocando o marido, escritor e poeta, por um amante. Tinha quarenta e oito anos, pertencia à melhor sociedade portuguesa. O homem por quem esta senhora se apaixonou tinha praticamente metade da sua idade e fora seu motorista particular. A história chocou a sociedade da época e foi conhecida além-fronteiras.

OPINIÃO: Maria Adelaide Coelho da Cunha é um nome e personalidade que após lermos este livro não esquecemos com facilidade. Se tal acontece, bem o podemos agradecer a Manuela Gonzaga – para mim a escritora portuguesa mais versátil e verosímil que já li. Tenho uma admiração profunda pela autora que se assoberbou ainda mais ao ler esta biografia tão magnificamente redigida. Há algo que posso destacar desde o início, principalmente para aqueles que resistem a ler biografias: Doida Não e Não! é fascinante de se ler e está escrito num estilo muito próximo do romance, tornando a leitura fácil e prazerosa. Cuidadosamente revisto, agora com uma estrutura ligeiramente diferente da edição anterior, estamos perante um livro que junta duas grandes mulheres – a retratada e a escritora – mostrando a quem quiser ler que enquanto houver espaço para desequilíbrio de géneros, haverá espaço para o absurdo e o inadmissível.

Imaginem-se, há cem anos atrás, numa família poderosa e donos de um pequeno império como o Diário de Notícias. Agora imaginem Maria Adelaide, mulher, herdeira desse império, casada com Alfredo da Cunha, que viria a comandar os negócios da família. A vida parece perfeita. Bailes, recitais de poesia, manifestações públicas de respeito e carinho, a imagem familiar idílica. O problema das aparências é que muito raramente correspondem à realidade vivida na privacidade do lar e Maria Adelaide cometeu a ousadia de fazer diferente e de virar costas ao que já não lhe dizia nada. Largou fortuna, conforto e segurança para perseguir um amor que a fazia sentir viva e lhe dava um novo fôlego. Era mais que sabido que Alfredo da Cunha tinha as suas amantes e ela só queria o divórcio para poder seguir com a sua vida. Resultado? Alfredo da Cunha conseguiu interná-la num manicómio e influenciar os grandes psiquiatras da altura a passarem-lhe um atestado de loucura. Confesso, esta foi uma parte que me custou muito ler, por todas as razões e mais alguma. Primeiro, porque nunca foi administrado qualquer tipo de tratamento a Maria Adelaide, reforçando que não havia qualquer problema com a sua psique; segundo, porque o meu respeito por algumas das maiores figures da psiquiatria nacional, e internacional, diminuiu consideravelmente. Não sou preconceituosa e detesto que associem uma ida a um psiquiatra ou a um psicoterapeuta como estando maluco, mas este tipo de atitudes naquela época só ajudaram a fomentar essa ideia. 

Do outro lado desta história temos Manuel Claro, o ex-motorista de Maria Adelaide e por quem esta se apaixonou. Não sabemos muitos pormenores de como é que era a sua vida, mas sabemos que Manuel Claro esteve às portas da morte e que foi Maria Adelaide quem cuidou dele, às escondidas. Sabemos que quando Maria Adelaide foi internada, foi ele quem fez de tudo para a ajudar, arriscando a sua prisão, coisa que efectivamente aconteceu, sem uma acusação concreta e fundamentada. Esteve preso durante anos. Ela esteve presa durante anos. Aquece-me o coração saber que no fim ficaram juntos. Ferve-me o sangue ao lembrar que o próprio filho de Maria Adelaide foi um cobarde. Filho algum deveria ter apoiado uma atitude daquelas, por parte do pai, não tivesse também este algum tipo de interesse na reclusão da mãe. Maria Adelaide não queria fortunas, não queria protagonismo, queria apenas que a deixassem viver uma vida simples e pacata com um homem que a fazia sentir bem. 

Poderia ficar aqui eternamente a falar sobre este livro. Sobre a forma como a imprensa escrita, nomeadamente através d’A Capital, já há cem anos atrás serviu para que Maria Adelaide se pudesse defender, ao mesmo tempo que era constantemente atacada pelo marido. Boa parte dos artigos e das cartas estão inseridos neste livro, mas no fim podem encontrar as referências para todos os arquivos que contém essas declarações. Estamos perante um trabalho de pesquisa notável, tudo elaborado ao pormenor com um rigor minucioso. Doida Não e Não! é um livro que merece ser livro e que merece que se reflicta sobre o mesmo. Este tipo de opressão e de violência psicológica é algo que ainda ocorre nos dias de hoje, mesmo que de forma mais ou menos camuflada. A nossa identidade só a nós pertence e ninguém tem o direito de limitar a nossa liberdade quando não estamos a fazer nada que prejudique terceiros. Maria Adelaide foi uma grande mulher, tal como o é Manuela Gonzaga. Uma parelha perfeita. 

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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