[Reportagem] Roger Waters na Altice Arena: o poder do activismo num grito anti-Trump

Fotografia Nuno Capela

Roger Waters tem andado na boca do mundo com o seu activismo declarado sob várias formas. “Us and Them”, a sua digressão que começou há exactamente um ano e na qual apresenta temas do seu último disco e dos Pink Floyd, tem sido uma das suas mais emblemáticas e brutais formas de expressão.

Se é verdade que os Pink Floyd marcaram e continuam a marcar geração atrás de geração, o britânico não deixa o legado morrer e mantém-no bem vivo através de um alinhamento que tem a capacidade de nos fazer voltar atrás no tempo musicalmente, mas que nos deixa bem presentes no que à actualidade política diz respeito. Caracterizada por uma magnitude inebriante tanto sonora como visual, a actuação na Altice Arena fica na memória pela sua emotividade que percorre espectros entre a contemplação e o amor, mas também o terror e revolta. Os apelos à empatia humana e à resistência ao sistema foram constantes, nunca descurando da qualidade da execução musical.

Às 21h00 o ecrã gigante da Altice Arena torna-se palco de um vídeo que prima pela paisagem aparentemente pacífica, mas que de alguma maneira incita à reflexão ou à extrapolação sobre os seus vários potenciais significados e desenvolvimentos. Termina em céu de sangue e só mais tarde vamos fazendo associações a esta pequena introdução. No fim voltamos ao princípio e o círculo fecha-se. Até lá, e enquanto não sabemos bem o que se vai passar, quando damos por nós começa a gravação de “Speak to Me” e todos os elementos já se encontram em palco. São 21h20 e o melhor ainda está para vir.

Foi tudo desenhado ao pormenor. Se por um lado estávamos num concerto, por outro parecia que estávamos numa espécie de sala de cinema 3D, com som panorâmico em que o arrebatamento estava a virar de cada nota. A atenção era constantemente dividida entre o palco e o seu leque magnífico de artistas com o ecrã gigante que transmitia imagens cujos significados variavam consoante as canções. Em “Breathe” já o público se fazia ouvir a plenos pulmões e cedo se adivinhou que o concerto tinha tudo para ser bastante emotivo. Roger Waters é tão expressivo quanto alguém pode ser e de tempos a tempos cumprimentava o público, por vezes até individualmente (dentro do possível). Sentia-se uma grande proximidade com ele e com a restante banda.

Não será demais dizer que foi um concerto em crescendo. As vozes femininas em “Time”, cujo vestuário encaixou perfeitamente no efeito visual dos ecrãs parecendo que flutuavam em pleno espaço, arrepiaram. “Welcome to the machine” trouxe mais uma bela dose de realidade e dos tempos que enfrentamos que foi prolongada com os temas seguintes que pertencem já ao reportório pessoal de Roger Waters. Entre as projeções nos ecrãs conseguimos vislumbrar uma Deusa da Justiça (representação grega) a contracenar com o discurso sobre refugiados e morte, tendo sempre como alvo os maiores representantes políticos e, principalmente, Donald Trump. O presidente norte-americano foi o maior alvo de todo o concerto e é admirável como Roger Waters abre o peito às balas de forma tão contagiante. Houve alturas em que a febre era tão partilhada que facilmente se podia sentir aquele frémito de motim.

Em “Wish You Were Here”, as emoções voltam a sucumbir, houve quem largasse umas lágrimas ali perto, para logo a seguir termos outra manifestação activista em “Another Brick In The Wall”. Ao palco subiram crianças portuguesas vestidas como presidiárias, encapuçadas, que ao longo do tema primeira tiraram os capuzes e depois parte da vestimenta em que por baixo tinham uma camisola a dizer “RESIST”! Terminado o tema, foi tempo para um intervalo de 20 minutos em que no ecrã gigante rodavam, para além da palavra RESIST, frases cujos alvos iam desde o CEO do Facebook à nova directora da CIA. Ao mesmo tempo que todas estas frases rodavam no ecrã, eram diversos os sons que ribombavam pela arena, transportando-nos para locais de guerra, ambulâncias e outros cenários que servem como um abanão à dormência da sociedade perante o caos que continuamos a noticiar na Palestina e em Israel.

Acabada a pausa, vemos surgir uma instalação suspensa por cima do público que acabaria por servir como ecrã panorâmico para a segunda parte do concerto. Em palco, dá-se uma altura em que os próprios músicos encenam uma espécie de freak show, com máscaras de porcos enquanto se servem de champanhe. A mensagem torna-se clara “pigs rule the world”, até ao momento em que Roger tira a sua máscara e levanta uma tábua com outra mensagem bastante clara: “fuck pigs”. A partir daqui o simbolismo do porco, sempre associado a Donald Trump, torna-se central. São várias as citações que aparecem nos ecrãs, todas elas ditas por Trump, todas elas impregnadas de uma arrogância e capitalismo que levam à declaração final, em português: Trump é um Porco. Enquanto assistimos a isto, existe um porco gigante voador que de um lado diz “Stay Human” e do outro a devida tradução “Mantém-te Humano”.

Ainda antes do encore temos o privilégio de regressar a “Money”, com aquele solo sempre pugente, “Us and Them”, que arrancou um coro forte do público, “Brain Damage”, sempre capaz de nos fazer entrar em contacto com o pequeno lunático que temos em nós, e “Eclipse”, um dos temas mais simbólicos do disco “Dark Side of The Moon”, dos Pink Floyd.

O encore chega após uma pequeníssima pausa e Roger Waters aproveitou mais uma vez para interagir com o público. Apresentou a banda que o acompanha, incluindo o seu “guitarrista hippie” magnífico que faz, e extremamente bem, as vozes de David Gilmour nas canções de Pink Floyd. Reforçou também a ideia de que é cada vez mais importante mantermos a capacidade de sentirmos empatia com o ser humano e revela que a próxima canção é baseada num tema que “roubou” a um “herói” poeta palestiniano. Seguiram-se então os temas “Wait for Her”, “Oceans Apart” e “Part of Me Died” (esta última particularmente tocante), para o concerto encerrar com a carismática “Comfortably Numb”.

Actuação terminada, Roger Waters agradece ao público. A sua euforia e força é contagiante e o público responde, ovando magnificamente, retribuindo assim de forma inequívoca e efusiva. Não será demais dizer que dificilmente não se saiu daquele espectáculo um pouco mais humano, um pouco mais solidário, tremendamente mais consciente. Obrigada, Roger Waters, pela tua irreverência e por continuares a ser uma inspiração.

Primeira parte:

Speak to Me (Pink Floyd)

Breathe (Pink Floyd)

One of These Days (Pink Floyd)

Time (Pink Floyd)

Breathe (Reprise) (Pink Floyd)

The Great Gig in the Sky (Pink Floyd)

Welcome to the Machine (Pink Floyd)

Déjà Vu

The Last Refugee

Picture That

Wish You Were Here (Pink Floyd)

The Happiest Days of Our Lives (Pink Floyd)

Another Brick in the Wall Part 2 (Pink Floyd)

Another Brick in the Wall Part 3 (Pink Floyd)

Segunda parte:

Dogs (Pink Floyd)

Pigs (Three Different Ones) (Pink Floyd)

Money (Pink Floyd)

Us and Them (Pink Floyd)

Smell the Roses

Brain Damage (Pink Floyd)

Eclipse (Pink Floyd)

Encore:

Wait for Her

Oceans Apart

Part of Me Died

Comfortably Numb (Pink Floyd)

Fotografias Nuno Capela

Reportagem originalmente escrita para a SAPOMAG: https://mag.sapo.pt/showbiz/artigos/roger-waters-na-altice-arena-o-poder-do-ativismo-num-grito-anti-trump

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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