O Fogo Será a Tua Casa
Nuno Camarneiro
Dom Quixote
248 págs
15,90 euros
O fogo das palavras
Nuno Camarneiro é o protagonista do seu mais recente romance, O Fogo Será a Tua Casa. Uma narrativa que navega entre os problemas que afectam o Islão e a redenção pela palavra.
Por João Morales
A ficção é a arte de inventar vidas e destinos, usando como matéria-prima aquilo que de mais parecido os escritores têm ao seu dispor – as vidas e destinos que conhecem ou sonham. No seu mais recente romance Nuno Camarneiro (Prémio Leya 2012, com Debaixo de Algum Céu) coloca-se a si mesmo no centro da acção, imaginando-se cativo de radicais islâmicos, num país do Médio-Oriente, na companhia de outros ocidentais. A narrativa cumpre a dupla função de permitir-lhe presumir reacções e raciocínios nascidos em situação tão extrema, ao mesmo tempo que aborda uma questão pertinente e bem contemporânea: “quando só tens um livro tudo o que lá vem escrito é para ser repetido a levadio a sério”, lemos, logo no início.
Mas o laboratório de escrita que se revela a circunstância criada pelo autor possibilita ainda outro artifício, talvez a mais enraizada metáfora que trespassa o livro e o coloca acima das circunstâncias objectivas onde tudo se passa. Michel, Agnes, Kerem, Terry, Nuno, optam por contar histórias entre si, curtas narrativas que permitem contextualizar o passado e a personalidade de cada um, mas também alimentar uma dimensão onírica destinada a ultrapassar as reduzidas fronteiras físicas que confinam o grupo. No fundo, as histórias são uma forma de adiar a morte. Simbolicamente, talvez tenham sido sempre isso, mesmo quando pensamos na História da Humanidade e na condição que nos enforma, entre sonhos, mitos, desejos e constrangimentos vários.
O formato dos diálogos, herança da técnica de escrita dos guiões, com as falas mais avançadas nas páginas, prescindindo do travessão mas ganhando com isso alguma velocidade e naturalidade, resulta de forma empática e natural. Quase todo o livro decorre no mesmo cenário. Toda a atenção do leitor se concentra nos relatos tidos à vez, na articulação entre as personagens, manifestada pelas suas falas. A palavra está no centro das atenções e de toda a acção. Mas há algumas reflexões sobre o próprio poder da escrita: “todos estes romances são como quebra-cabeças, em que cada leitor se esforça por ultrapassar os factos para tentar chegar à verdade. À sua única e última verdade”.
Entrevista a Nuno Camarneiro: http://www.branmorrighan.com/2018/06/entrevista-nuno-camarneiro-ate-sermos.html