Jazz Im Goethe-Garten 2018: Chaosophy – Uma desordem ordenada

São três, dois sopros e uma bateria. Relacionam-se com naturalidade, moldam no caos uma ordem potente e integram a nova vaga da improvisação espanhola. Os Chaosophy tocaram ontem no Instituto Alemão. 

Por João Morales

O início dá-se com o fôlego a todos o gás (de El Pricto, no saxofone alto, e Josep Lluis Galiana, no tenor) e com intensidade de Avelino Saavedra na bateria, desencadeando a prestação do trio sem qualquer “interlúdio”. Um arranque a frio, mas com todo o calor que o trio coloca na sua música. 

Chamam-se Chaosophy, designação que denuncia uma certa concepção de entendimento pelos meandros do aleatório, mais que adequada à exploração que fazem do terreno da improvisação, sem esconder a cumplicidade que os une ou uma visão similar sobre o que fazer com essa mesma improvisação.

A música que nos foi oferecida no segundo concerto do Jazz Im Goethe-Garten 2018 (14ª edição deste festival) demonstrou uma grande coesão entre os três instrumentistas, apesar da liberdade evidenciada no discurso de cada um deles. E uma oportunidade para conhecermos um pouco melhor as novas presenças no Jazz e na improvisação espanhola, pela mão do programador residente do certame, Rui Neves.

A construção de uma sonoridade orgânica, gerada pelas ramificações que cada um continuamente foi erguendo, convergindo facilmente para um âmago partilhado, resultou em peças interpretadas com desenvoltura e cumplicidade evidentes.

A exploração dos agudos e um trabalho tecnicamente bastante apurado na utilização das palhetas e articulação das chaves dos saxofones são alguns dos elementos em comum que contribuem para dar à dupla de sopros (Josep Lluis Galiana estende a sua prestação ao soprano e ao barítono) uma evidente noção de conjugação, que cria um contraponto de suporte com a bateria de Avelino Saavedra, bastante solto, e recorrendo por vezes a artifícios comuns no âmbito da chamada Música Improvisada, como o aleatório soltar de objectos sobre a tarola.

Porém, é fundamental referir dois aspectos. Um, o papel do piano eléctrico e do sintetizador Moog nas mãos de El Pricto, teclados que lhe conferem uma aura vinda de sonoridades como os Weather Report ou algumas fases de um Miles Davis na viragem da década de 70 – influências devidamente actualizadas, naturalmente. Fruto de todas essas influências, momentos houve que remetiam para sonoridade do British Free Jazz dos finais da década de 60, reclamando herança de nomes como Trevor Watts, John Carter, John Stevens ou até um longínquo John Surman. Outras vezes, a conjugação entre o soprano de Lluis Galiana, a electricidade de Pricto e a sustentação rítmica de Saavedra traziam ecos dos primeiros discos de Andrea Centazzo, em 1974/ 75.

Em segundo lugar, a inspiração. O nome do trio, Chaosophy, nasce assumidamente da leitura de Principia Discordia, obscuro livro de culto da contracultura do século XX, escrito por Gregory Hill e Kerry Wendell Thornley, publicado inicialmente em 1965, sustentáculo da filosofia que os dois autores designaram como “Discordianismo”. O nome serviu para baptizar também a editora criada por El Pricto, Discordian Records (dedicada à improvisação, embora com um divertido e dançante Máxi, Lambada For Zombies, de 2011, que podem descobrir na página da própria editora, em https://discordianrecords.bandcamp.com/album/lambada-for-zombies). Entre os músicos listados na chancela, quase todos praticamente desconhecidos entre nós, encontramos Tom Chant (saxofonista que gravou com os Telectu). O disco de estreia dos Chaosophy salienta esta vertente messiânica (levada com seriedade ou muita ironia), ao adoptar para título Who are these people and what do they believe in?.

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

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