Jazz Im Goethe-Garten 2018: Italianos bem condimentados

A electricidade das duas guitarras gerou um pano de fundo para bateria e trompete acentuarem uma dimensão flutuante, mas intensa. O quarteto italiano O.N.G. foi a segunda refeição deste festival. E bem temperada. 

Por João Morales

Um ambiente sónico, mas planante, construindo uma viagem bem sustentada entre os quatro intervenientes, devedora da electrónica e do seu aproveitamento na improvisação, uma constante de grande parte do jazz contemporâneo.

Ontem, o idioma falado era o italiano. O musical, esse, como sempre, revelou-se universal. Num jardim muito bem preenchido, como já é habitual, o segundo concerto da edição deste ano do Jazz Im Goethe-Garten começa com o som da guitarra barítono de Gabrio Baldacci, personagem carismática ao longo de toda a prestação colectiva do quarteto. Há um ambiente de space music inicial, prosseguido pelo trompete de Gabriele Mitelli, expressando-se por abordagens profundas, suaves…

Rapidamente a agulha aponta outras direcções. Com a cumplicidade dos restantes dois elementos (Enrico Terragnoli, o segundo guitarrista, que também dá uma ajuda com alguma electrónica, e o efusivo baterista Cristiano Calcagnile) a massa sonora vai engrossando, passando por uma certa influência do jazz-rock dos anos 70 para se ancorar em regiões mais contemporâneas, onde um certo minimalismo musculado afunda os alicerces para as explanações de cada músico.

Gabriele Mitelli, mentor deste projecto, O.N.G (cujo álbum de estreia, Crash, data de 2017), foi aluno de Markus Stockhausen e é hoje aclamado pela crítica internacional como um dos novos valores do jazz italiano. Ao longo do concerto vai contribuindo para a definição do percurso desenvolvido em conjunto, apostando essencialmente no seu instrumento, o trompete, mas arriscando algumas incursões pelo saxofone alto, num registo desenfreado, mais próximo do free jazz. 

Cristiano Calcagnile é um músico com experiência no jazz mas também nas linguagens contemporâneas (Edgar Varèse, Bela Bartok), elementos que transporta para o seu vocabulário. A articulação entre os quatro resulta de forma consistente, permitindo uma transmigração entre géneros e ambientes, sem nunca trair uma identidade construída em conjunto e facilmente reconhecível ao fim de poucos minutos de presença em palco.

Um momento deveras interessante foi quando Mitelli utilizou gravações de voz que manipulava em tempo real, acompanhado por uma bateria bem viva e pelas duas guitarras, Gabrio Baldacci e Enrico Terragnoli. 

Alguma distorção (controlada) e uma certa convergência musculada da secção rítmica reforçada servem de base para o sopro de Mitelli. Há momentos mais marciais, intensos, outros devedores de um sentido de humor discreto, mas existente. As sequências seguem em ascensão, e culminam, por vezes, subitamente, para tirar partido do clímax a que nos transportaram.  

Num último tema, Terragnoli parecia querer libertar-se um pouco, ele que se mostrou essencialmente refinado e lírico, discreto e subtil, ao longo de todo o set. Puxou um pouco pela alavanca instalada na guitarra e até solou. Ao contrário de Baldacci que nos ofereceu por diversas vezes motivos para que reparássemos no seu trabalho, quer dedilhando as cordas (com uma sonoridade quase de baixo, por vezes) ou pelo uso que fez do arco, raspando e (passe a redundância) ampliando a amplificação. A imagem global que retemos é de um projecto coeso e aberto a diferentes influências, mas com um caminho ainda vasto por explorar.

Restaria perceber o que significa a sigla que dá o nome ao quarteto. Se não fosse o estranho sigilo mantido por Mitelli, questionado numa entrevista de antevisão do concerto (disponível no site do Instituto alemão): “É uma questão que me fazem em todas as entrevistas, mas eu nunca respondi, é o meu pequeno secredo, um código que me lembra, devido a uma experiência do passado, aquilo que a música é para mim e o que a improvisação representa na vida”.

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