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Com uma constante influência oriental, articulada com a veia mais pesada destes comparsas de John Zorn, a banda Secret Chiefs 3 foi uma escolha acertada para encerrar o jazz em Agosto 2018. Muita energia e a sombra perante da cultura judaica nos ritmos e melodias.
Por João Morales
Mal começa o concerto, a influência oriental é evidente, mas também a sensação de que assistimos à revelação da banda sonora para um filme que poderá só existir na nossa imaginação. O violino de Eyvind Kang cedo se destaca como um elemento fulcral na sonoridade do grupo, embora a máquina se revele perfeitamente adequada para executar a tarefa em conjunto.
Secret Chiefs 3 é um universo sonoro gizado pelo guitarrista Trey Spruance, músico com passado nos Faith no More e nos Mr. Bungle, bem como interesses musicais diversificados, que vão do surf rock à música árabe, do death metal aos sons indianos. O segundo guitarrista é Jason Schimmel, dos dificilmente catalogáveis Estradasphere, já andou na estrada com Amanda Palmer e até actuou com os próprios Masada, de John Zorn.
No baixo Shanir Blumenkranz, com várias presenças em gravações da editora Tzadik e os teclados (piano eléctrico, sintetizador) estão a cargo de Matt Lebofsky, igualmente um destacado programador informático.
A percussão (durante o concerto ambos foram alternando a sua posição, na bateria ou em outros instrumentos) conta com uma dupla de peso, Kenny Grohowski (que já vimos nesta edição do Jazz em Agosto, com Marc Ribot) e o extraordinário Ches Smith, que alguns recordarão dos Ceramic Dog (precisamente outro projecto de Marc Ribot). O dueto de bongos levado a cabo pelos dois foi um dos bons momentos da noite.
Ao longo de uma hora fomos transportados pelas areias de um deserto mágico, na companhia de uma trupe afinada e pronta para a travessia. Logo no primeiro tema, Kang ia pegar no protagonismo mas não está com a afinação pretendida. Tenta uma, duas vezes, rapidamente a dupla de guitarristas assume a linha da frente e quase apenas uma troca de olhares entre eles denuncia a rápida solução.
Ches Smith ocupa-se muitas vezes do vibrafone, bem como de outras percussões. O rimto projectado pelo colectivo remete para uma arrojada fusão, onde encontramos elementos de diferentes proveniências, como sejam os ambientes da Índia (até mesmo uma piscadela à descontracção de Bollywood), uma dançante arábia estilizada ou riffs imponentes de fazer respeito a qualquer banda de Metal. Por instantes, somos transportados para uma melodia digna da década de 50 do século passado, embora aconchegada numa batida rítmica que a actualiza e fortalece. Há ecos da Rússia ou da Ucrânia. Juntando a tudo isso, um manto herdado do Klezmer (que em alguns temas, como no encore, acaba por se revelar preponderante) e uma descomprometida familiaridade com o Rock Progressivo ou sinfónico, tanto nos ritmos apresentados para contrapor ao ondulante violino, como nos “tapetes” que o orgão sintetizado de Lebofsky várias vezes nos ofereceu.
Ao ouvir esta música (criada por John Zorn, de quem já gravaram várias vezes o trabalho) estamos perante uma sessão de contos e lendas, oriundas de um território por definir, mas com a certeza imediata de pertencerem a uma iconografia carismática, a tal banda sonora imaginária. Uma espécie de música tradicional de um país por inventar. Dada a sua capacidade de síntese, no duplo sentido de resumo, mas também de aglomeração eficaz, a música dos Secret Cheifs 3 foi, de facto, uma forma inteligente de encerrar um festival com mais de uma semana, criado em torno da arte e do engenho de um dos grandes alquimistas sonoros da actualidade, o tão justamente elogiado John Zorn.