Se esta rua falasse
James Baldwin
Editora: Alfaguara
OPINIÃO: A literatura sempre foi uma arma poderosa. Sempre teve o poder de nos transportar para as suas narrativas, fazendo-nos vestir a pele dos seus protagonistas e viver todas as suas experiências e emoções em primeira mão. No que toca ao género romance, este existe para todos os gostos, mas por norma tenho sempre preferência por dois tipos: o indefinido, em que tanto a estrutura como a história fogem ao parâmetro tradicional, e aqueles elevam a fasquia, mostrando-me realidades que de outra maneira me seriam desconhecidas. O que para mim também é fundamental é que estes dois ramos do romance partilhem uma intensidade que vai para além da história de amor tradicional, arrebatando-nos brutalmente.
Se esta rua falasse, de James Baldwin, pertence ao segundo ramo de que falei e proporcionou-me uma experiência tão enriquecedora quanto sofrida. Publicado pela primeira vez em 1974, este romance ilustra-nos uma situação peculiar. Um rapaz, Fonny, negro que é falsamente acusado de violação. A narrar-nos a história temos a sua namorada, Tish, também ela negra, que descobre que está grávida enquanto Fonny está na prisão. Entre o presente e o passado, vamos conhecendo melhor a história deste casal, mas acima de tudo vamos tendo uma clara imagem das diferenças de condições e de tratamentos para aqueles que os chamados brancos e para a aqueles que são negros.
Não que o romance seja um confronto entre ambas as facções. Na minha opinião estamos perante um romance abismal sobre o amor, não deixando de parte a violência e a repressão inerente à situação.O belo de Se esta rua falasse, incide precisamente nessa força avassaladora que é o amor, descrevendo-o na inocência e simplicidade na relação entre Tish e Fonny, mas também descrevendo-o na força motriz necessária para se lutar por aqueles que amamos. Até onde estamos dispostos a ir para provar a inocência de alguém que nos é querido quando sabemos que a probabilidade de também se ficar em perigo é grande?
Todo este romance é grandioso. Existe uma sensação de vertigem enquanto vivemos o amor, o medo, o sofrimento e o êxtase – tudo isto cabe neste pequeno grande romance – de cada um dos personagens. A sensação de injustiça e a incredulidade de ser relembrada que estas situações ainda hoje em dia são recorrentes só são aplacadas pela mestria de Baldwin ao atirar-nos à cara um romance extremamente humano, brutal e enternecedor.
Tendo menos de duas centenas de páginas, sinto que poderia falar aqui sobre muito do que li eternamente. Desde a cena no mercado em que tudo realmente começou entre Fonny e o polícia que o prendeu, à primeira visita na prisão, a irmã de Tish, o pai de Fonny, a união da família de Tish em contraste com a divisão na família de Fonny devido a uma cegueira religiosa, as descrições nas águas furtadas entre Fonny e Tish (quase poéticas), a coragem da mãe de Tish, o advogado que só para o final subiu na consideração… E depois aquele final. Ensurdecedor e mortalmente silencioso ao mesmo tempo. Ficará, sem dúvida, marcado como um dos romances do ano publicados em Portugal.