Sem Medo dos 50
Vera valadas Ferreira
Livros Horizonte
221 págs
16,90 euros
O meio século é o meio da vida?
Sem Medo dos 50, chama-se o livro. Nasceu de um conjunto de depoimentos, concedidos por figuras de diferentes meios profissionais. Completámos a volta e pedimos à autora para comentar alguns dos comentários.
Por João Morales
Habitualmente, olhamos para os 50 anos como uma espécie de idade simbólica. O número redondo, meio século, incentiva balanços e perspectivas, reflexões e memórias, confirmações e arrependimentos, por vezes.
A jornalista Vera Valadas Ferreira lançou o livro Sem Medo dos 50 (Livros Horizonte), que classificou como um “manual de instruções”, recorrendo a depoimentos de diversas figuras portuguesas de diferentes áreas profissionais.
Apesar de ainda não pertencer ao clube etário em questão, o Bran Morrighan lançou-lhe o desafio de comentar algumas das opiniões dos seus convidados. E o resultado, aqui fica.
«Há coisas que fazia aos 20 anos e que agora já não me apetece fazer de maneira nenhuma. E, se calhar, quando tiver 60 haverá outras coisas que quero fazer e que agora ainda não quero, porque tenho outras coisas de que gosto mais»
Elisabete Jacinto; piloto de todo-terreno
Com a idade vamos ganhando “apetites” diferentes e passamos a dar importância e peso a coisas diferentes. Aos 50 anos talvez já não nos apeteça (ou nem tenhamos genica para) estar numa discoteca até às tantas da manhã, mas em vez disso preferimos receber um grupo de amigos em casa, e ficar à conversa à volta de um bom vinho, por exemplo, sem que com isso os níveis de diversão e satisfação fiquem afetados. Muito naturalmente vamos descobrindo prazeres diferentes, aprendemos a apreciar pequenos detalhes que fazem a diferença, temos menos urgência nas coisas. Por outro lado, é importante estarmos sempre disponíveis para descobrir novas realidades, enfrentar novos desafios, viver novas experiências. Há até quem se torne mais ousado aos 50 anos, pela sensação do tempo estar a escassear e corrermos o risco de não conseguir realizar todos os sonhos em stand-by.
«Não podemos dizer que é um fenómeno idêntico ao da adolescência, por exemplo. Enquanto a adolescência pode ser descrita exatamente porque é algo que acontece desde um período de desenvolvimento até uma determinada fase em que entra em ação uma série de mecanismos biológicos que mudam o corpo, aos 50 anos não acontece assim nada de muito relevante. É, quanto muito, mais uma revolução cultural do que uma revolução biológica»
Alexandre Castro Caldas; neurologista
A idade está, de facto, na cabeça, como se diz muita vez. Os sinais de envelhecimento exteriores e neurológicos dependem da nossa herança genética, é certo, mas também do quanto ativos física e mentalmente somos, do quanto mexemos o nosso corpo, do quanto socializamos. Com exceção da questão feminina da menopausa – difícil de ultrapassar em muitos casos porque também existem muitos mitos e tabus em torno dela – não há nenhum marcador biológico que dite: “pronto, esta pessoa tem 50 anos e tem de ter X características físicas”. Há pessoas de 50 anos que estão melhores, são muito mais aptas, que algumas pessoas de 30, porque há mais consciência e acesso à informação. Hoje, aos 50 anos é-se mais moderno do que há 10, 20 anos atrás com a mesma idade. O que acontece aos 50 é mais uma reflexão cultural, um processo que normalmente até começa a meio dos 40 anos e no qual avaliamos aquilo que já fizemos, o que ainda somos capazes de fazer e o que vamos fazer a seguir.
«Claro que um casal de 50 anos com 20 anos de vida em comum se conhece muito melhor, tem a vida organizada, tem boas condições para viver a intimidade em casa e para viajar, descobrir coisas novas, interesses novos. Mas estão juntos há 20 anos e já não há entusiasmo»
Vasco Prazeres; sexologista clínico
No caso de uma relação longa, nesta fase da vida pode-se redescobrir a intimidade, uma vez que os filhos estão já criados e vivendo nas suas casas. O casal tem oportunidade de se reencontrar, de saborear um tempo de qualidade a dois, não precisa de dar atenção a mais ninguém. Pode voltar a ser livre e mais espontâneo na sua intimidade física e regressar aos tempos de namoro, por assim dizer. Claro que, em alguns casos, o “ninho vazio” não é nenhum admirável mundo novo e torna-se um drama, já que o casal obrigatoriamente tem de interagir, de comunicar, de se concentrar um no outro. É a prova dos 9 para saber se a chama ainda existe, se ela resistiu.
«Há conversas que só se podem ter aos 50 anos. Há coisas que só se podem dizer à família e aos filhos aos 50. Vejo o artista um bocadinho como o ancião da tribo que já tem alguma experiência, que tomou caminhos errados, soube sair deles, dar a volta, levantar-se. E é importante transmitir essa experiência. Há coisas das quais só temos noção aos 50. Mas temos de ter a mente aberta com o confronto com alguém de 17 ou 22 anos que ache exatamente o contrário. É esse confronto entre o que se aprendeu até aos 50 e alguém que não tem experiência nenhuma que pode ser interessante»
Miguel Ângelo; músico
É importante, vital até para as sociedades, que os mais velhos transmitam os seus conhecimentos aos mais novos. Mas este know-how, fruto de muitas dores e alegrias, ainda não estagnou necessariamente. Havendo vontade e curiosidade de aprender, as gerações mais velhas também recebem muito das gerações mais novas, nem que seja vampirizando mais ou menos inconscientemente a sua juventude, entusiasmo e até alguma ingenuidade. É uma questão de partilha. Com 50 anos já se sabe muito mas não se sabe tudo.
«Casei com 21 anos. Hoje em dia, as pessoas fazem um pouco a vida ao contrário, viajam, são muito autónomas e a seguir casam e têm filhos»
Isabel Stilwell; jornalista e escritora
A tendência é que as pessoas organizem hoje a sua vida de forma diferente de há 30 anos. Hoje, as pessoas estudam mais e mais anos, saem mais tarde de casa, aqui também por dificuldades económicas. Casam mais cedo ou nem casam e vivem “apenas” em união de facto, têm filhos mais tarde, muitas vezes já perto dos 40, ou nem sequer têm filhos sem que isso seja um drama maior mas antes uma opção de vida. Antigamente, os modelos sociais eram mais rígidos. Aos 50 não é raro ter-se filhos pequenos para cuidar ou até voltar-se a ser pai pela primeira vez ou uma segunda vez com 20, 30 anos de diferença. Ou então o núcleo familiar, reflexo de um segundo ou terceiro relacionamentos, ser constituído pelos filhos de um, do outro, e daqueles em comum. Também há mais aquela crença, um certo “egoísmo” que já não é assim tão mal visto socialmente, de que primeiro precisamos de ter autonomia, conhecer mundo, formarmo-nos enquanto pessoa e só depois darmo-nos aos outros e constituir família. Isso fará de nós pessoas mais tranquilas e disponíveis para os outros uma vez chegados aos 50, digo eu, porque não sentimos que não abdicámos de nada.
«Olho também para os 50 anos como um tempo de transição. Onde a experiência e a sabedoria ganhas se misturam com a noção de finitude e um sentimento de angústia por viver num mundo que, na sua evolução, não assegura, necessariamente, a sustentabilidade, o equilíbrio e a justiça social»
António Pires de Lima; economista e administrador de empresas
Os 50 são um tempo de balanço e com isso percebe-se que se entra numa segunda fase da vida, que «se dobrou a esquina». Essa «noção de finitude» faz-nos aceitar com alguma naturalidade que estamos «a passar para a linha frente». É a ordem natural das coisas. Podemos é tentar retardar esse processo ou torná-lo mais prazeroso. A angústia surge quando sentimos que o nosso projeto de vida ainda está longe de estar concluído ou que aqueles que nos estão próximos ainda dependem muito de nós. Ou quando sentimos que não gostamos mesmo nada, que não confiamos no mundo que vamos deixar aos nossos descendentes.
«Em 1985, quando eu comecei a trabalhar em Direito, fazíamos tudo em máquinas de escrever! Hoje fazemos tudo com um clique. Isto é uma revolução imensa. Poucas gerações viveram este tipo de alterações como nós. É uma geração que teve de aprender, reaprender e que continua constantemente a aprender. A formação contínua passou a ser uma necessidade, uma obrigação, um imperativo para sobreviver»
Isabel Neves; advogada e presidente do Clube Business Angels de Lisboa
O valor profissional da faixa etária dos 50 nem sempre é valorizado, já que por imperativos de mercado muitas vezes se dispensam estas pessoas para se contratar gente mais nova e inexperiente pelo simples facto de representarem mão de obra mais barata. A formação contínua passa a ser um imperativo para combater esta concorrência jovem, de modo a não sermos dispensados de funções. As pessoas de 50 anos tiveram de se adaptar a mudanças profundas na sociedade portuguesa: a entrada na Democracia, a autonomia feminina, a revolução tecnológica, a questão da lei do divórcio, o casamento homossexual, a liberalização das drogas leves, etc, etc. É uma geração que teve de ter uma mente aberta para aceitar tantas transformações. Teve de tomar consciência que pode não haver empregos ou relacionamentos para toda a vida.