Opinião: Porque Gostamos de Cães, Comemos Porcos e Vestimos Vacas, de Melanie Joy

Melanie Joy

Porque Gostamos de Cães, Comemos Porcos e Vestimos Vacas
Melanie Joy

Editora: Bertrand Editora

OPINIÃO: Existem muitas formas de activismo, mas penso que a maioria concordará comigo que a palavra, escrita e falada, continua a ser uma das formas com maior impacto. Com Porque Gostamos de Cáes, Comemos Porcos e Vestimos Vacas, Melanie Joy reforça esse poder através deste livro cuja leitura deveria ser obrigatória. Fundamentando cada capítulo com referências científicas e ainda com testemunhos reais, a autora abre-nos os olhos para o carnismo, os seus dogmas, lóbis e indústria. Uma coisa vos posso dizer, há doze anos que comecei a deixar de comer carne, mas caso não o tivesse feito nessa altura, depois de ler este livro nunca mais conseguiria voltar a ter o mesmo tipo de alimentação.

Vivemos numa altura em que o acesso à informação está bastante facilitado com a internet. Ainda assim, é curioso apercebermo-nos do fenómeno que é a indústria da carne continuar a ser uma das mais poderosas, quando todo o seu mecanismo envolve uma violência brutal contra os animais. É ainda mais curioso, como é que conseguimos ter animais de estimação, mas depois, se for preciso, vamos a um restaurante e comemos carne.

Neste livro, a autora começa por nos colocar numa situação bastante particular: imaginem que estão então num restaurante e vos é servido a especialidade do chef, um prato de carne. Vocês acham a carne deliciosa e decidem perguntar ao chef qual a receita. E ele diz-vos: começamos com 2,5kg de Golden Retriver, etc etc. Seriam capazes de continuar a comer a carne como se nada fosse? Conseguem imaginar-se a comer carne de cão ou até de gato? Mas então porque é que aceitamos com naturalidade consumir-se carne de porco, de vaca, de galinha, etc? 

Ao longo de duas centenas de páginas a autora despe toda esta apatia e cegueira. Num inquérito numa aula a crianças, Melanie Joy perguntou porque é que comiam porcos e não cães (algo do género). E uma resposta imediata de algumas crianças foi “porque os porcos são sujos e burros”. O que é certo é que à medida que tal se foi esclarecendo, as crianças admitiram que os porcos até eram animais queridos e que não eram assim tão sujos. Sabiam que os porcos até são mais inteligentes que os cães?

Porém, mais uma vez, esta é a imagem mental que se vai criando. Outra experiência desconcertante é imaginarem uma pequena quinta ao lado de um supermercado em que tanto os pais como as crianças estão a interagir com os animais, dando festinhas e sentindo uma enorme apatia por eles, mas depois são capazes de entrar no supermercado e comprar carne desses mesmos animais. A que se deve este desapego, quando claramente o mesmo não acontece no que toca aos nossos animais de estimação? 

E aqui a resposta está, entre muitas outras, na venda que existe nos olhos da população em relação à violência que é perpetuada contra estes animais nos matadouros. A juntar ao facto de não interagirmos com estes animais no dia-a-dia (que ajuda a criar o tal desapego), também não observamos de perto como é que são (mal)tratados até chegarem ao mercado. Algumas descrições são tão repugnantes que mais do que uma vez precisei de pousar o livro.

Quanto mais empáticos somos, quando escolhemos ser testemunhas destas atrocidades, mais difícil se torna seguir a manada no que toca à regra de fundo dos três Nn (Normal, Natural e Necessário) em relação ao consumo de produtos de origem animal. Para não falar que é precisamente este o dogma que permite à indústria da carne continuar a mover milhões enquanto perpétua comportamentos que prejudicam tanto o ambiente como a saúde física e mental dos humanos. 

Quando os próprios trabalhadores dos matadouros admitem que em episódios psicóticos esmagam crânios de porcos até não sobrar nada, quando são até incentivados a descarregar as suas frustrações nos animais… Algo de muito errado se passa. Aliás, tal como é referido no livro, este tipo de interacção violenta constante tem repercussões nos próprios trabalhadores, por vezes irreversíveis.

Não será de estranhar que um dos requisitos para se trabalhar neste tipo de indústria é mesmo não revelar uma grande apatia seja pelo que for… Para não falar que graças a este tipo de comportamentos e à falta de saneamento em alguns destes locais, muita da carne é contaminada. Nos Estados Unidos houve uma altura em que toneladas e toneladas de carne tiveram de ser retiradas dos mercados por estarem contaminadas com fezes (Bactérica E. coli).  

Este é um livro que acaba por ser muito completo no que toca a tudo o que envolve o carnismo. Fala não só do impacto ambiental como da violência com os animais, passando também por toda a psicologia por trás deste fenómeno que é hoje considerado como a normalidade. Como já me estou a alongar muito, dou só mais um exemplo.

Num matadouro, a vaca Emily, talvez por instinto, talvez por ver que os seus companheiros quando entravam não regressavam, conseguiu fugir, com os seus 170kg, saltando o muro e fugindo para a população mais próxima. A população acolheu a vaca Emily, ajudou a despistar a polícia que a procurava a mando do matadouro e cuidou dela, até a entregar a uma associação que a quis comprar depois ao matadouro. Muitas das pessoas que participaram neste processo, nunca mais consumiram carne. 

O que é que isto quer dizer? Quer dizer que precisamos de abrir as portas emocionais e empáticas a todos os animais e não só aos animais de estimação. É preciso consciência de como é que toda esta indústria funciona, das suas consequências ambientais, mas também das suas consequências psicológicas. Nas últimas páginas, Melanie Joy levanta motes para várias discussões em relação a cada um dos capítulos e ainda fornece recursos para começarmos a nossa mudança de comportamento e de hábitos imediatamente. Pode custar começar, mas vai valer a pena. Este é, sem dúvida, um dos meus livros de eleição e que certamente irei oferecer a várias pessoas. 

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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