Sal Grosso apresenta-se com “Lets all just go wild and put our hands in the air a bit”

Sal Grosso pode ser um nome que não vos diga muito mais do que a ideia do sal de cozinha, mas se vos falar em António M. Silva, uma das pessoas mais pro-activas e dinâmicas da música independente em Portugal, com ligação de destaque à ZigurArtists e ao ZigurFest, de certeza que se vos faz alguma luz. É que ambos são o mesmo. Esta não é a sua estreia em termos de produção musical, pois integra o colectivo veabis&tubbhead, mas Sal Grosso é a sua contribuição a solo e cujo disco de estreia já se encontra disponível. 

Chama-se “Lets all just go wild and put our hands in the air a bit” e é precisamente esse caminho que vamos percorrendo ao longo das seis faixas do mesmo. Editado pela recém-fundada combustão lenta records, estamos perante um artefacto musical que nos faz mergulhar numa espécie de piscina primordial. 

Gravado em casa entre o inverno de 2017 e o verão de 2018, este disco vive nos (e dos) territórios comuns ao ambient, noise e minimalismo, e é fruto de uma série de experiências sonoras a partir de teclados obsoletos, máquinas ruidosas e vários pedais e processadores de efeitos. Captado originalmente em casa, retrabalhado no Desterro por André Teixeira e misturado por Ricardo Cabral e José Miguel Silva no Quarto Escuro (Porto), “Lets all just go wild and put our hands in a bit” está também disponível numa edição limitada de 25 cassetes.


Por entre o minimalismo e as distorções, o desafio é precisamente libertarmo-nos das amarras para nos unirmos às diversas frequências, sem resistência e sem julgamento. Enquanto ouvia o disco lembrava-me dos meus professores de yoga e como por vezes devemos deixar-nos estar a respirar, a deixar os nossos pensamentos circularem à vontade, sem julgamento, mantendo-nos apenas como observadores. O nome do disco acaba por nos remeter para uma situação semelhante, mas em que para além de observadores somos parte do todo, primitivo, selvagem, livre.

Mas chega de mim a sonhar acordada. Curiosa com este projecto, desafiei Sal Grosso a responder a quatro pequenas perguntas para conhecermos melhor este disco e o projecto. Obrigada, António!

O que é que motiva o aparecimento do projecto Sal Grosso?

Sal Grosso surge na sequência de uma residência artística desenvolvida com veabis&tubbhead (colectivo informal que existe sem periodicidade definida no tempo) durante o Museum Festum de 2017. Foi uma experiência muito interessante, onde pude aprender de perto com pessoas que são influências enormes para mim, e que acabou por me levar a encontrar uma linguagem com a qual me senti confortável e que me deixou a querer fazer algo sozinho – fora de um contexto colectivo, que me obrigasse a explorar novos sons e processos de criação. Não sou músico, nem tenho formação, por isso foram precisas algumas semanas de experiências caseiras, até ter umas gravações muito precárias de onde acabei por cortar 5 minutos que me entusiasmaram para continuar – mas nunca com um objectivo claro.

No bandcamp falas no recurso ao lo-fi em termos de uso de instrumentos. Porquê essa opção?

A questão do lo-fi é principalmente técnica, embora seja uma corrente estética com que me identifico muito e que mantenho em v&t. Mas de volta à questão: as gravações que compõe o “Lets all just go wild” são todas analógicas, feitas com recurso a um órgão e vários processadores de efeitos e microfones de contacto. Todo este equipamento já teve bastante uso até chegar a mim, e isso dá-lhes um perfil sonoro bastante distinto – todos os ruídos, distorções ou erros são únicos destes instrumentos. Gosto de pensar que há uma espécie de “fantasmas” a pairar sobre cada instrumento e que de alguma forma ajudam a influenciar a forma como uso determinado instrumento e, mais importante, como é que vai tudo soar no fim. Interessa-me bastante que as peças deste disco funcionem como um organismo: vivo, imperfeito e em constante mutação. Somando a tudo isto uma falta de conhecimentos técnicos para a gravação do disco – e que me obrigaram a recaptar tudo duas vezes em vários suportes diferentes até conseguir o som que queria -, acabei por chegar a este “lo-fi”. Estou muito feliz com o resultado, porque nunca pensei que pudesse registar este processo em boas condições, e só posso agradecer ao André Teixeira, ao Ricardo Cabral e ao José Miguel Silva por toda a ajuda.

Associado ao experimentalismo, existe algum lado emocional ou paisagístico mais específico com que os temas foram criados?

Alguns dos temas que acabaram por chegar ao disco foram efectivamente compostos sob alguma influência externa e sobre o que eu estava a sentir naquela altura – a melancolia e a nostalgia talvez sejam as emoções mais fortes, a ligação a Lamego e às pessoas que me rodeiam também – mas o que eu queria realmente quando terminei as gravações era que este fosse um disco feliz. Eu sei que a ideia de ficar feliz com um disco meio noise e mal tocado é estranha, mas gosto de pensar que este disco é mais do que uma experiencia egoista – é feito de tanta gente e tantas experiências que acho que acaba por ter um pouco disso tudo também. É que verdade que, em retrospectiva, ouço e vejo ali muitas influências (musicais, emocionais e não só), mas não posso dizer que tenha sido tudo consciente. Prefiro que estes temas se mantenham abertos na sua interpretação para que cada um veja e ouça o que quiser nesta música.

De que sonhos vive Sal Grosso?

De poder tocar mais e mais alto e de fechar o segundo disco o mais breve possível. Mas também de que o mundo possa ser um lugar mais solidário, mais compreensivo e mais empático, e de que as pessoas olhem cada vez mais umas pelas outras – precisamos de mais motivos para pôr as mãos no ar, nem que seja só um bocadinho. 

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

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