Recensão: A Sucessão, de Jean-Paul Dubois

A Sucessão

Jean-Paul Dubois (tradução de Joana Cabral)

Sextante

206 págs

16,60 euros

por João Morales

“Levantara-me cedo para preparar as minhas coisas e pôr-me a caminho de Hendaia, onde ia jogar no Sábado. As minhas mãos de vime estavam no estojo e a medicina no outro extremo das minhas preocupações”, sintetiza Paul Katrakilis. Jogador de profissional de cesta punta (pelota basca) em Miami, é filho de um médico excêntrico, oriundo de uma família com ampla história de suicídios: o tio, a mãe, agora o pai.

A linhagem (que inclui um avô, supostamente fugido da URSS com uma lamela do cérebro de Estaline, e igualmente suicida) resulta do cruzamento de duas famílias e desemboca nesse estranho síndrome, quase uma maldição, mas também uma postura: “Os Katrakilis e os Gallieni eram artistas. Sabiam morrer até mais não”. Toda esta conjuntura pessoal desemboca num cinismo trabalhado ao longo de anos, a necessidade de inventar uma nova vida, um nihilismo latente e uma concepção invertida da existência, em que a dificuldade será entender a vida, e não a inescapável morte, como no mais comum dos mortais: “Devia ter-me agarrado às paredes da sua uretra, devia ter aguentado, resistido, nunca ter saído daquele miserável cano e tê-lo deixado debater-se com a sua ejaculação estéril de médico do serviço público”.

Paul é chamado a reclamar o consultório do pai, é-lhe sugerido que retome a actividade, que dê seguimento à obra de família, na profissão inspirada em Hipócrates, mas que também acompanha as evoluções tecnológicas, científicas e, acima de tudo, éticas e filosóficas. Em torno da vida… e da morte.

O encontro com um cão, lançado ao rio para morrer, adoptado pelo narrador, alinhado como seu companheiro de viagem, acabará por ter consequências maiores na construção simbólica deste enredo, uma espécie de reflexão filosófica, inserida numa história bem contada e com diferentes pontos de enfoque.

A frieza perante um desaparecimento é uma constante no devir colectivo, malgrado a dor de cada um, impotente para reverter ou minorar as consequências. A máquina do mundo teima em girar. “Como de cada vez que alguém morre e que é preciso arranjar espaço para os que vêm a seguir. Os números da segurança social apagam-se uns a seguir aos outros, os seguros deixam de reclamar, as facturas esquecem-se da morada, os bancos desviam o olhar, e toda essa pequena contabilidade de uma existência se apaga por si mesma como um dia de inverno triste e desagradável”.

O que vai encontrar no consultório do pai, será insuficiente para esclarecer a tragédia familiar, mas ajuda fortemente o leitor a encontrar neste livro uma simbologia transversal, que acolhe, inclusive, a paixão de Paul pela sua patroa, quando após uma greve em confronto com a máfia que controla os jogos em Miami, passa uma temporada a trabalhar num restaurante.

Os subtis paralelismos na evocação de Ernest Hemingway (escritor que cometeu suicídio a 2 de Julho de 1961), colocando-o igualmente no centro de uma família de suicidas, acentuam o âmago desta narrativa, um espelho que coloca, repita-se, vida e morte frente a frente, questionando com naturalidade a equidistância e a pertinência de ambas. Fala-se de um ornitólogo que matava os pássaros para os desenhar e provoca-se o choque no leitor: “Em 1850 esse homem era considerado um amante da natureza”.

Um livro com uma narrativa aparentemente simples, uma história sem grandes sobressaltos, mas que, lido com acuidade, oculta diferentes camadas de entendimento e percepção, discorrendo sobre a vida e a morte, os limites demiúrgicos da própria condição humana (e que melhor profissão para o questionar, que a do médico), o amor, as escolhas que fazemos para procurar a felicidade. Jean-Paul Dubois (n. 1950), escritor e jornalista francês, contava já com dois livros traduzidos em Portugal, publicados pelas Edições Asa, Uma Vida Francesa (em 2005, publicado originalmente um ano antes e distinguido com o Prémio Femina e Prémio FNAC de Romance) e Não Brinque, Senhor Tanner (três anos depois, em 2008). Curiosamente, neste último, o protagonista sabia da morte do tio através de uma carta (método utilizado para dar início à trama em A Sucessão, desta feita para comunicar a morte do pai do jogador) “enrolado em látex e irremediavelmente morto na cama de um jovem com quem partilhava a existência há alguns anos”. No presente livro, o pai atira-se de um prédio, mas com os maxilares e os óculos bem presos com fita-cola. Para ter a certeza de não gritar… e ver tudo até ao fim.

Voltemos a Paul Katrakilis, para acrescentar que ele é apaixonado pelo seu barco, a bordo do qual encontrou o seu amigo canino, baptizado como Watson. Como sabemos desde a antiguidade, é impossível velejar duas vezes na mesma exacta água e Paul irá senti-lo, já nas páginas finais: “Não havia muita gente no mar. A hora e a marulhada eram uma explicação para isso. Navegámos para Norte, uma zona que conhecia bastante bem. E reconheci o sítio onde salvara Watson. Como se tivesse acontecido na véspera, voltei a ver o focinho dele preso à superfície, a bela cabeça de cão que só queria viver, senti as patas dele agarrarem-se a mim, e ouvi-o em casa a precipitar-se escadas abaixo até bater contra a minha porta. A seguir, com as mãos no leme, rumando para um destino imaginário, comecei a chorar como uma criança, porque era a única coisa que um homem razoável podia fazer num momento desses”. 

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    Olá a todos, sejam muito bem-vindos! O meu nome é Sofia Teixeira e sou a autora do BranMorrighan, o meu blogue pessoal criado a 13 de Dezembro de 2008.

    O nome tem origens no fantástico e na mitologia celta. Bran, o abençoado, e Morrighan, a deusa da guerra, têm sido os símbolos desta aventura com mais de uma década, ambos representados por um corvo.

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