O Fagote de Shatner Outros Contos
Rui Eduardo Paes
Chili com Carne/ Thisco
144 págs
13 euros
Quem não conheça o autor poderá aproximar-se por um equívoco inicial, originado pela ironia do título, que induz a presença de um livro de ficção. Todos os que conhecem a escrita de Rui Eduardo Paes sabem que, não só o material utilizado provém da realidade (musical, sociológica, antropológica, económica, política – no sentido mais amplo do termo) como esta é mais uma oportunidade para ler um dos mais cultos críticos musicais do panorama português, capaz de sustentar laços e conexões, ao invés de apenas elencar nomes e designações.
Aliás, Rui Eduardo Paes já fez saber na Internet que este seria o seu último livro o que, ao revelar-se verdade (e acentuado pelo facto de nunca ter procurado a reedição dos seus primeiros livros, obras-primas vitais, como Ruínas: A Música de Arte no final do Século, Hugin, 1996; A Orelha Perdida de Van Gogh, Hugin, 1998; Cyber-Parker, Hugin, 1999), será uma perda enorme para quem gosta de aprofundar os seus conhecimentos musicais e olhar a música (apenas aparente oximoro) como um reflexo da realidade, assimilando as suas transformações e tendências.
E o título? O Capitão kirk, da série Star Treck, exemplo paradigmático da chegada da Ficção Científica à Televisão, tinha por hobby tocar fagote. E o que começa por ser um excelente pretexto para elencar alguns nomes de exímios músicos deste instrumento, rapidamente dá lugar ao ritmo de mudanças de plano e articulação de diferentes áreas do saber e do pensar que, todos aqueles que habituados aos livros de Rui Eduardo Paes já anão estranham e todos os outros rapidamente aprendem a saborear.
O livro encontra-se divido em três partes, com a primeira a tomar por eixo central o sexo e as suas manifestações, discorrendo sobre diferentes estilos musicais s estéticas, ao mesmo tempo que o leitor se vê enredado numa teia de Filosofia, Política, Erotismo, Fetichismo, entre diversos exemplos de experimentação musical e referências avulso que estabelecem conexões e interpretações.
Ainda do ponto da frágil estrutura – isto, no sentido em que, a divisão tripartida, apesar de simbólica, não deixa de ser apenas uma desculpa para a arrumação dos elementos que compõem este receituário musical e artístico – a segunda etapa inicia-se em torno da loucura. A partir de uma frase de Erasmo de Roterdão, somos convidados a mais uma viagem por músicos, instrumentos e conjugações que podem surpreender muitos dos leitores. E abrindo os horizontes de todo eles, claro está.
A terceira parte evoca a morte, completando um triângulo semiótico que até deixa espaço aberto para a imaginação. Afinal, se ao centro da “narrativa” estava a perda da razão, da lucidez ou das falsas certezas, nada como ancorar tudo o resto nos polos dinamizadores da actividade humana: Eros e Thanatos serão sempre as alavancas que erguem a dimensão humana.
João Morales