No seu press release podemos ler “A convite do blog BranMorrighan, compôs a sua primeira música a solo com o título “Eternos São Os Corvos“, disponibilizada no início de 2019 no bandcamp da mixtape comemorativa do seu 10o aniversário.”
É claro que este post não é sobre mim, ou sobre o blogue, mas dado o teor pessoal do mesmo não podia deixar de me sentir tão sortuda, orgulhosa e privilegiada por o BranMorrighan me ter proporcionado conhecer artistas como o João Vairinhos. Conheci-o após um concerto de LÖBO, mas também o poderia ter conhecido num concerto de Ricardo Remédio, Wildnorth, entre outros. A sua história com a música é longa.
E esta é uma das características mais evidentes do João Vairinhos – a sua elasticidade em participar em projectos com características super diferentes, mas aos quais ele empresta a sua alma de forma discreta, porém visceral. Porque para alguns artistas só há uma forma de dar, que é dar tudo. E ele é assim.
Falemos de “Vala Comum”, o seu single de avanço ao EP que se chamará Vénia. Não deveria ser preciso, pelo menos para os leitores assíduos, mas deixo a salvaguarda que tudo o que vou dizer daqui para a frente é uma interpretação muito pessoal. Como sempre.
E tenho de começar por dizer que esta não é uma viagem rotineira, não é mais uma composição que ouvimos e que passa. É uma viagem que nos tira do nosso sítio, que nos desassossega, que exige uma entrega sincera por parte de quem ouve. O ouvinte terá de se abrir para o tema e enfrentar as suas próprias sombras interiores, os seus receios, as suas vulnerabilidades. A experiência sonora toca nos nossos filamentos mais viscerais, provocando-nos e alienando-nos ao mesmo tempo. Uma alienação que poderá ter gosto a salvação ou a condenação, dependendo do torpor interior.
O vídeo que o acompanha, uma narrativa visual criada por Mariana Vilhena, aprofunda este percurso incerto reforçando os pontos fortes da composição. A evolução de “Vala Comum” é inquietante. Começa forte, com a sua percussão rimbombante no nosso peito e o uso de repetição de ritmos fortes e metamórficos como forma de movimento. Estamos a chegar a meio do tema quando se dá um aparente romper com o que até ali testemunhámos.
A partir desse momento existe um amortecimento, um sentimento de levitação e um etéreo que nos envolve e que evolui quase de forma poética, persistindo toda a energia noir que nos agarrou desde o início e que nunca nos deixa sentir completamente confortáveis, embora nos pareça tão familiar. No final da viagem somos outro e somos o mesmo, ao mesmo tempo.
Ter amigos que são. E ter amigos que respeitamos tanto que mesmo sem andar motivada para escrever no blogue, não podia não o fazer. Porque a gratidão é uma coisa bonita, tal como a admiração. Espero que os meus leitores que não estejam acostumados a este tipo de paisagens sonoras se permitam experienciar algo diferente. A inspiração que tantas vezes precisamos, ou até mesmo aquele sentimento de empatia e espelho emocional, que é tão bem-vindo, pode sempre chegar de onde menos se espera. Obrigada, João. Uma Vénia a ti e que o teu EP chegue rápido.